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Quatro anos e meio depois (ou: retrospectiva 2020, 2021, 2022, 2023, 2024)

2024-10-23 00:00:00 +0000

Desci do ônibus - vermelho, não me lembro a linha - num canto bem velho do centro de Belo Horizonte, e andei até o andar inferior de uma galeria praticamente escondida do movimento da rua, até ver um velho balcão de madeira e várias pessoas esperando do lado de fora. Era ali o lugar da “melhor feijoada da cidade”, segundo a dica dos meus amigos. A dica parecia boa: pela velhice da mobília o lugar claramente existia há décadas, e a fila era razoavelmente grande para o padrão “biroscas de Beagá”. A senhora que me atendeu por uma janelinha na parede também parecia parada no tempo. Ela me deu uma comanda e falou pra eu me sentar.

E então eu acordei.

Eram quatro da manhã. Eu estava no meu quarto, oito mil quilômetros pro norte de Minas Gerais. Meu queixo doía de ranger os dentes - coisa que eu normalmente não fazia, mas que começou a acontecer por conta da vortioxetina. Fiquei pensando se esses sonhos vívidos também são por causa do remédio. Talvez o meu subconsciente esteja um pouco mais próximo da superfície? E que curioso ver que ele está inventando restaurante secreto de feijoada na minha cidade natal.

Olhei pro teto e continuei a pensar. Desde que me mudei pro Canadá, meu foco era exclusivamente o futuro, em refazer a vida por aqui, absorver a cultura daqui, e talvez eu tenha errado um pouco a mão e me desconectado demais do meu passado - que por isso vem pipocando de madrugada sem aviso.

Foi daí que veio a ideia. Chegou a hora de voltar com o blog.


À pretexto de organizar as ideias, comecei uma lista das coisas marcantes que aconteceram nos últimos quatro anos. Levei semanas pra listar tudo. Nem eu fazia ideia de quanta coisa rolou em tão pouco tempo.

2020

Janeiro

Finalmente saiu a cidadania. No dia 23 eu e Bethania nos tornamos, oficialmente, canadenses. Além disso, decidi me tornar vegetariano.

Eu e Bethania com o juiz que concede a cidadania

Fevereiro

Nasceu o Tom. De cesárea, às 3:14 da tarde.

Tom, ainda com algumas horas de vida

O nascimento foi sem problemas, mas o leite demorou a vir e ele perdeu muito peso no primeiro dia. No segundo ele já tava tomando fórmula e ficou tudo bem - mas, pela primeira vez na vida, eu chorei de alívio.

Março

A OMS declara, oficialmente, o coronavírus como pandemia. Ninguém sabe quando sai vacina, como é a transmissão, nada. Pra piorar, o povo ainda inventa de fazer panic buying e começa a esvaziar prateleira de supermercado achando que é o apocalipse. E a gente com um recém-nascido em casa e um monte de incertezas.

Prateleiras vazias de supermercado

Maio

Aniversário de Bethania. A comemoração é online, obviamente. E o presente…

Cartão de aniversário que diz: "Eu queria te dar um cruzeiro de aniversário, mas estava fora do meu orçamento então fui de segunda opção. A parte do orçamento está riscada e eu escrevi em cima: "estávamos no meio da porra da pandemia"

O bom (?) de ter um recém nascido numa pandemia é que não sobra muito tempo pra ter medo.

Agosto

Com seis meses de vida, o brinquedo preferido do Tom são… livros. Eu passo horas lendo pra ele.

Vários livros infantis espalhados pelo chão"

Setembro

Pavlov começa a se comportar bem esquisito. O veterinário diz que é demência canina. Toda noite ele anda sem rumo pela casa, para num canto, fica desorientado e começa a chorar.

Comecei a dormir no sofá da sala de tevê, com Pavlov ao lado, num cercadinho que reaproveitamos do Tom, pra acudí-lo durante a noite e limpar eventuais cocôs e xixis.

Dezembro

Primeiro Natal e primeiro ano novo do Tom. Tudo ainda no Zoom, sob lockdown.

Completei um ano sem comer carne. Médico pede um exame de sangue. Meu colesterol está nas alturas.


2021

Janeiro

14 anos e dois continentes depois, meu grande companheiro canino se foi. Adeus, Pavlov.

Pavlov, o cachorro, coberto de neve"

Morreu sem dor, nas mãos do veterinário e com Bethania. Abriram uma exceção do isolamento da pandemia para ela poder acompanhar. A gata ficou uma semana na porta de casa, esperando seu amigo voltar.

Fevereiro

Primeiro aniversário do Tom - um ano! A família inteira acompanha a festinha… pela webcam.

Uns dias depois, ligo pro meu pai (72 anos, grupo de risco pra COVID) aos berros porque o imbecil do cunhado bolsonarista dele foi lá, no meio da pandemia, ainda sem vacina, pra visitá-lo e ver um jogo do Galo.

Neste mês também acabou a licença maternidade de Bethania. Sem vacina e sem opções melhores, temos que mandar o Tom para a creche. Por conta do isolamento, é a primeira vez que ele fica em outro lugar e com outras pessoas. E não podemos nem entrar no lugar pra ver como é.

Março

O movimento anti-máscara começa a ficar bem evidente. Vou no shopping e tem uma menina passeando sem máscara e gritando “o vírus não existe!”. Vou no supermercado e tem uma senhora, sem máscara, e com o nariz escorrendo. Nas notícias do Brasil eu tenho um amigo que quase morreu de COVID, outro com o sogro em uma UTI improvisada (a UTI normal estava lotada), outro com o tio no hospital com 30% de capacidade pulmonar.

Abril

  • Primeiro alívio: meu pai recebe a primeira dose da vacina pra COVID.
  • O sogro do meu amigo morre na UTI improvisada.
  • Tom, que ainda não sabia engatinhar, resolve começar a andar de uma vez.
  • Meu bairro sobe na fila da prioridade da vacina da COVID porque é uma das regiões com maior taxa de infecção de Ontário. No dia 21 eu, finalmente, recebo minha primeira dose da vacina (Moderna). Mas nem celebro porque, no Brasil, o cunhado do amigo que perdeu o sogro morre também.
  • No dia 22 tivemos que tirar o Tom da creche às pressas porque descobriram que um dos pais estava mentindo pros funcionários e mandando o filho pra creche enquanto tinha gente em casa com sintomas.

Maio

Tom segue firme na fixação com livros, então dei pra ele umas cartinhas com palavras. Ele pega a cartinha escrito “hello” e acena… mesmo que eu não leia o que está na carta.

Junho

Tomei minha segunda dose da vacina (Moderna, novamente). É também o segundo ano seguido que uma mamãe-canário faz ninho na janela do banheiro.

Canário sentado no ninho"

Julho

O trabalho, antes estressante, agora está extremamente estressante. Passo semanas acordando de madrugada com o cérebro fritando. Então comecei a me sentir fisicamente mal, a ponto de tirar dois dias de licença por conta de estresse.

Comecei a me consultar com uma psicóloga.

Setembro

No trabalho tava rolando um town hall do departamento. Eu fiquei em casa, então tava acompanhando pelo celular. Aí fui ao banheiro. De repente, anunciam meu nome…

Foi assim que recebi meu primeiro prêmio de performance sentado na privada.

Além disso, votei pela primeira vez como cidadão canadense. Essa não deu pra fazer de dentro do banheiro.

As sessões com a psicóloga continuam. Achei que ela ia me ajudar com o estresse, mas ela desconfiou que o buraco era um pouco mais embaixo. Resultado: comecei a tomar vortioxetina - um antidepressivo.

Outubro

Troquei de time no trabalho. Assumi uma posição de líder de squad, num dos times mais reconhecidos no banco.

Tom continua obcecado com livros. Teve um final de semana que ele só quis brincar com livros.

Tom no chão cercado de livros infantis

Além disso, foi nesse mês que ele respondeu, pela primeira vez, o “eu te amo” que eu sempre falo pra ele na hora de dormir.

Novembro

Levei o Tom à biblioteca pela primeira vez. Foi glorioso. Precisei arrancá-lo das prateleiras na hora de ir embora.

Dezembro

Tomei meu booster de COVID. Agora estamos triplamente vacinados… exceto pelo Tom, já que ainda não tem vacina pediátrica. A gente que sabe de ciência sabe que a priorização está correta - o coração ainda não entende.


2022

Janeiro

Começaram a pipocar casos de COVID na creche do Tom. Infelizmente, o governo da província é do partido conservador, e eles mudaram as regras pra declarar um outbreak e fechar a creche, então tudo continua funcionando como se nada estivesse acontecendo.

Foi também neste mês que os imbecis do Freedom Convoy (Carreata da Liberdade) fecharam Ottawa por mais de uma semana.

Fevereiro

A creche mandou uma mensagem avisando que duas crianças da sala do Tom testaram positivo pra COVID. No dia seguinte ele acordou do cochilo com febre. Não deu outra…

Exame positivo de COVID

Demos muita sorte. Ele teve febre, uma noite ruim se revirando na cama, e no dia seguinte estava… ótimo. Criança é igual Wolverine mesmo. Eu, vacinado, não tive sintomas. Bethania, mesmo vacinada, ficou bem doente. Me lembrei do amigo brasileiro que quase morreu na UTI no ano passado; não fosse a vacina, a Bê teria ido pelo mesmo caminho.

No total foram nove casos na sala do Tom, mais 3 na sala vizinha, e 2 na sala dos garotos mais velhos. Felizmente, nenhum grave.

Março

Tom arrumou um espaço na sua obsessão com livros pra outra obsessão: podcasts… de gente lendo livros.

Abril

Começou a palhaçada de voltar presencialmente ao escritório. Por enquanto, duas vezes por semana.

Maio

Meu pai vem nos visitar no Canadá. Levou 2 anos e 2 meses pro Tom, finalmente, conhecer o vovô pessoalmente.

Com ele veio também meu irmão, pra morar aqui enquanto completa a faculdade. Foi pro Centennial College, assim como eu, mas ainda 100% remoto por conta do COVID.

Junho

Com a pandemia razoavelmente sob controle, consideramos os riscos e finalmente matamos a vontade represada de viajar e fomos pra um resort em Punta Cana. O menino se esbaldou na piscina, e eu nas caipirinhas all-inclusive.

Praia em Punta Cana

Julho

Recebi notícias de uma velha amiga do Brasil. Ela reservou um quarto de hotel e tomou três caixas de comprimidos de Clonazepan.

Deixou um filho de dois anos.

Volta e meia eu vejo fotos antigas da turma e lá está ela nas fotos. A memória daqueles dias agora é um pouco irreal. Ela estava lá, ela não está mais aqui.

É preciso falar muito mais do que falamos sobre saúde mental.

Agosto

Nunca imaginei que isso ia acontecer comigo. Sempre me pareceu algo contra meus princípios, mas uns amigos me chamaram pra experimentar e eu acabei concordando. Eu não achei que fosse gostar mas, acabou sendo… bom, muito bom.

Eu fui acampar… e gostei.

Setembro

Reparei que ando visitando a loja de bebidas um pouco mais do que o usual.

Outubro

No trabalho rolou reestruturação - meu chefe saiu, botaram outro diretor sênior, ele queria que eu assumisse o time todo como diretor técnico. O novo diretorzão me passava zero confiança, e a posição nova seria uma bucha 90% gerencial e 10% técnica. Cuidadosamente, disse que não. E então, por algum motivo, fui parar em outra posição: back-end practice lead. Meio que um especialista técnico, que não faz parte de time nenhum, mas que suporta todos os times.

No fim do mês, finalmente acabou o pesadelo político brasileiro. Eu e vários amigos votamos em Toronto. A fila do consulado estava ENORME.

Novembro

O bilionário idiota comprou o Twitter - então fui forçado a me mudar pro Mastodon.

Levamos o Tom ao seu primeiro jogo de hóquei - Marlies vs Cleveland. Foi a primeira vez que cantei o hino nacional canadense com meu filho nos braços.


2023

Janeiro

Primeira visita ao Brasil com o Tom. Fizemos uma viagem de férias pra praia (Santo André, litoral da Bahia), e as famílias foram nos encontrar por lá.

Foi uma experiência e tanto - não só pela aventura de voar por 10 horas com uma criança:

  • Como diabos você explica pros parentes e pro povo do hotel por que você conversa com seu filho em inglês?
  • Como lidar com seu filho estreitando laços com a família… sabendo que em alguns dias você vai levá-lo embora e passar anos sem ver aquelas pessoas novamente?
  • Como processar a diferença entre expectativa e realidade de como as pessoas vão lidar com seu filho?
  • Como voltar, dirigir seu carro, dormir confortavelmente na sua casa climatizada de três andares, depois de andar pelas ruas esburacadas do vilarejo que te hospedou e ver as casas de tijolo à vista das pessoas que te atenderam?

A rua principal do vilarejo de Santo André, na Bahia

É assustador o tamanho do privilégio do Tom, obtido simplesmente por ele ter nascido no Canadá.

Outra experiência é a de aumentar ainda mais a confusão mental de imigrante ao se tornar visitante do lugar que antes era seu lar. Tanto que, enquanto escrevia esse post, eu me esqueci completamente da minha visita anterior, no natal de 2018. Nas palavras do psicanalista Ronnie Von: “significa”.

Fevereiro

Tom fez 3 anos - finalmente, com uma festa de verdade.

Bethania continua revelando superpoderes novos desde que virou mãe. As decorações da festa foram importadas do Brasil, e ela ainda descobriu que uma das artistas do YouTube que o Tom adora - Catie, do Super Simple Songs - é daqui de Toronto… e que ela faz festinhas de criança.

Eu dava tudo pra ver o que se passou na cabeça do Tom ao ver a internet se materializando na frente dele na festinha.

Abril

No dia 9, aniversário da famosa batalha de Vimy Ridge, decidi parar de beber.

A justificativa oficial são as novas recomendações do governo Canadense sobre consumo de álcool, que agora dizem que nenhuma quantidade é segura para consumo. Aí eu junto isso com a idade, a necessidade de estar saudável pro Tom, o histórico de câncer na família e o argumento é até bem sólido.

Na prática, o que aconteceu foi que o vinho de sexta havia se espalhado pro sábado, e tinha também as cervejas do final de quinta que iam até o final do domingo, e também tinha uma eventual garrafa de uísque que desaparecia em um mês, entre outras coisas.

Desde então, vão aí mais de 560 dias sem beber. Já o vegetarianismo… esse eu nem lembro quando se perdeu, infelizmente. Entre a picanha e a cachaça, venceu a picanha.

Julho

Meu banco resolve que vai comprar o braço canadense do HSBC e que, ao invés de fazer uma migração gradual dos clientes, vão fazer tudo em um final de semana, no ano seguinte. Nasce o “Projeto Topázio”. E lá vou eu tocar uma parte da migração.

Agosto

Numa tentativa de mudar meus hábitos - particularmente o de passar horas no celular - comecei a considerar alternativas pra ocupar meu tempo.

É um problema de solução fácil: livros, séries, podcasts, exercício físico, etc… então é óbvio que ignorei estas alternativas e decidi foi comprar um novo instrumento musical.

OP-1 Field

Este é o OP-1 Field. É uma mistura maluca de sintetizador, bateria eletrônica, sampler e um mundo de outras coisas. É um dos meus brinquedos favoritos.

Setembro

Numa tarde ensolarada de sexta eu resolvi dar uma volta de bicicleta. Caí e quebrei o cotovelo…

Selfie em frente ao espelho, com o braço engessado numa tipóia

Numa nota menos dolorida, foi nesse mês que eu confirmei que o Tom, de fato, está aprendendo a ler sozinho. Eu já desconfiava há algum tempo, até que um dia estávamos no Google Imagens e, entre uma pesquisa e outra, o Google mostrou o menu de pesquisas recentes. E ele disse:

_ Eu quero ver fotos da Taylor Swift!

Achei estranha a mudança de ideia repentina… até ver que uma das opções do menu era, de fato, o nome da Taylor Swift. Testei mais umas três vezes pra confirmar, e ele apontou corretamente o nome dela em todas elas.

Outubro

Meu brinquedo preferido passa a ser o brinquedo preferido do Tom. No início ele não gostava do OP-1, até eu mostrar que dava pra gravar a voz dele e tocá-la no teclado…

OP-1 Field

Hoje o Tom tem uma coleção particular de samples só dele. Ele chama de “the sounds I like”.

Novembro

A namorada do meu irmão veio visitá-lo. No meio do caminho ela se sente meio mal, e quando o voo faz uma escala ela aproveita pra fazer um teste de COVID, que dá positivo. Foi o caos, com quarentena no porão por uma semana e o escambau.

No trabalho, o “projeto topázio” segue a todo vapor… e eu basicamente tenho que voltar a fazer meu trabalho antigo de líder de time. O que é ótimo, já que eu posso ser produtivo num projeto de alta visibilidade.

2024

Janeiro

Meu irmão, já formado, voltou pro Brasil.

Fevereiro

Vovô veio visitar pro aniversário do Tom, que fez quatro anos.

Março

A primavera veio chegando e meu humor estava bem melhor do que nos últimos anos. Resolvi me dar alta dos antidepressivos.

Abril

Fim do “Projeto Topázio”. Pela primeira vez eu trabalhei noites e finais de semana desde que me mudei pro Canadá. Mas valeu a pena - nunca antes na história o nosso banco havia comprado outro, fechado a compra numa sexta-feira, e começado a operar com todos os clientes e contas migrados na terça-feira seguinte. Aprendi bastante e ganhei bons pontinhos com os chefes.

Obviamente, teve muito perrengue. Alguns exemplos:

  • Tinha um outro time fazendo outro pedaço da migração, e a gente tinha que ajudá-los porque “somos todos uma mesma empresa” e etc. Eles tinham um programador que não entendia como usar a tecnologia do time dele mesmo, e quando eu ia explicar que não tinha como fazer o que ele queria, ele… ficava puto comigo.
  • Além de liderar o trabalho técnico do meu time, eu tinha que reportar status das tarefas pro PMO do programa. O PMO coordenava as tarefas e prazos usando, obviamente, um Excel compartilhado na rede. Como o projeto envolvia o banco todo, o Excel era gigante, dezenas de milhares de linhas. E quem era o corno que tinha que atualizar o Excel pro nosso time? Esse que vos fala, naturalmente. Imagina o sarcasmo do universo ao me botar em reunião com os consultores de gestão do banco me cobrando que a linha 17.344 da planilha tava desatualizada…
  • Outra jogada genial dos consultores: as tarefas do Excel eram automaticamente transformadas em lembretes por email. Assim sendo, a gente botava no Excel a lista das tarefas e horários de início, e na hora de executar a tarefa, a gente recebia um email automático lembrando a gente da data que a gente mesmo forneceu.
  • Sabe de que jeito a gente testou se a migração deu certo? Usando a minha própria conta corrente pessoal. Botei o número dela num dos arquivos da migração e trocamos só o nome da conta, pra ver se ele seria importado corretamente. Até hoje, ao invés de “Conta corrente do Zé”, minha conta tá lá batizada de “Conro S Sac Halden” (longa história).
  • Fizemos um moooonte de migrações de teste antes do dia D - todas elas com dados anonimizados de clientes. Acontece que num dos arquivos de transferências bancárias o povo se esqueceu de anonimizar um campo de texto com a finalidade da transferência. Imagina a crise de riso, minha e do resto do time, enquanto tentávamos descobrir qual o problema numa transferência cuja finalidade era “dinheiro para o fundo da rinoplastia do cachorro”…

Maio

Fomos passar o aniversário da Bê na Disney. O menino se esbaldou, já eu tive que lidar com guardinha da TSA gritando comigo no aeroporto e guardinha da Disney olhando pra minha cara, ignorando meu “good morning”, e insistindo em falar comigo em espanhol. E, naturalmente, foi na Flórida que vi o Cybertruck pela primeira vez…

No último dia de viagem eu matei uma vontade de muitas décadas: quando eu era criança minha mãe me levava num pediatra que tinha uma reprodução de “O Carnaval do Arlequim”, quadro do pintor espanhol Joan Miró, na sala de espera. Esse quadro é uma das minhas lembranças de infância mais antigas. Outro dia eu fui ver o quadro na Wikipedia e descobri que ele fica exposto em um museu de arte em Buffalo, no norte do estado de Nova Iorque… e a 3 horinhas de carro aqui de casa.

O Carnaval do Arlequim, de Joan Miró

Junho

Confirmamos que o Tom está oficialmente lendo por conta própria.

Além disso, voltei a ver a psicóloga. Meu estado mental não estava dos melhores.

Agosto

O fim de uma era: Tom está oficialmente “formado” na creche.

As mães dos coleguinhas de sala dele organizaram um piquenique no último dia, no parquinho em frente à creche, e um dos pais trouxe uma câmera e uma plaquinha dizendo “último dia” pros meninos tirarem uma foto. Lá pelas nove da noite ele mandou as fotos no WhatsApp e lá estava o Tom, completamente moleque, boca suja de bolo, sem camisa e descalço. Chorei por mais esse fim, esse começo, e esse amor maluco de ser pai.

Setembro

Primeiro dia de escola. Levou 45 minutos pra ele conseguir parar de chorar, largar a minha perna e finalmente ir pra sala de aula - e só porque a diretora veio ajudar. Uma santa. Lidou com ele com a maior paciência do mundo. Srta. Gad, fica aqui imortalizada a minha eterna gratidão a você.

Felizmente, o drama durou só uma semana. Ele ainda reclama de ir pra aula, mas se anima todo quando a gente aposta corrida quando sai do carro pra ver quem chega primeiro, e volta animadíssimo com as professoras e a aula de música e de ter aprendido letras em caixa alta e caixa baixa. As professoras, coitadas, estão passando perrengue porque o menino é muito cheio de energia pro ritmo de sala de aula, então ele não para quieto, larga o almoço pela metade pra ir brincar… outro dia elas estavam de cabelo em pé porque ele, provavelmente entediado, abriu a porta da sala e estava indo embora pro pátio brincar.

Logo depois do problema da escola se resolver, me liga a minha irmã pra avisar que meu pai foi parar no hospital. Acordou muito cansado, aí botou o oxímetro pra ver se estava tudo bem e os batimentos cardíacos estavam muuuuito abaixo do normal. Ganhou de brinde um marcapasso. Felizmente, a cirurgia foi simples e correu sem problemas. “Agora sou híbrido”, disse ele, seguindo a tradição familiar de fazer piadinha pra lidar com as emoções difíceis. Tradição que eu também carrego, já que batizei o grupo de WhatsApp que usamos pra trocar notícias da internação com o peculiar nome de… “Haja Coração!”

No fim do mês, meu cérebro definitivamente já não fabricava mais o caldinho de serotonina que dá disposição pra tocar a vida. Na consulta da psicóloga, o gênio aqui finalmente resolveu comentar que havia parado com o remédio, e ela, educadamente, me colocou a par da minha estupidez…

_ Você lembra que seu antidepressivo leva seis meses pra parar de fazer efeito?

_ Pois é, eu não lembrava disso.

_ Quando você parou de tomar o remédio?

_ Uhhh… há seis meses…

Fica a dica, amiguinhos. Não parem de tomar antidepressivos por conta própria.

Outubro

Uma tempestade solar resolveu bater por aqui bem no dia do meu aniversário, e ganhei uma inesperada aurora boreal de presente.

Aurora boreal


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Como falar inglês

2019-06-27 03:07:07 +0000

"Art and creativity have always been a conversation between a human being and a mystery"

Essa frase é de um podcast do TED que entrevista Elizabeth Gilbert, a autora daquele livro "Comer, Rezar, Amar". Eu ouvi isso no carro outro dia, mas não me lembro muito mais do que era o tema da entrevista porque, conforme a autora ia falando, eu acabei me distraindo com a forma que ela discursava sobre o tema. Há muito tempo eu não ouvia um inglês tão bem estruturado, tão eloquente e elegante.

E aí você se vê lá no fundinho da curva do efeito Dunning-Kruger, mais uma vez: quando você finalmente acha que aprendeu inglês, depois de quatro anos vivendo em inglês, vê que ainda falta muito pra você aprender inglês.

Os desafios de viver numa nova língua nem são exatamente difíceis, mas você tem que lidar com as coisas mais estapafúrdias possíveis. Por exemplo, quando cheguei ao Canadá eu tinha medo de falar ao telefone. É sério. Ouvir uma língua semi-desconhecida em áudio de péssima qualidade prejudicava muito o entendimento. Também vivenciei experiências traumáticas na fila do Subway (o restaurante, não o metrô), lotado e barulhento, com o atendente gritando o nome de todos os ingredientes que eu poderia botar no meu sanduíche, e eu sem entender absolutamente nada. Mas isso passa mais ou menos nos primeiros seis meses.

Aí você já começa a se soltar no trabalho e vem o segundo desafio: entender o inglês com sotaque. Quando eu achei que tava finalmente me acostumando com o sotaque indiano e asiático, entrou um escocês no meu time. Sabe quando você finalmente derrota o chefão no videogame, mas aí ele ressuscita com duas barrinhas de energia? Pois é.

https://www.youtube.com/watch?v=73uATsa8y5Y

Demora, mas você finalmente chega num nível aceitável de fala e compreensão. Mas minha meta era mais ousada, o que eu queria mesmo é domínio total da língua. Conversar com alguém e ser confundido com um nativo. Conseguir ler um livro e diferenciar um bom autor de um autor mediano. Entender poesia em inglês. Não basta zerar o joguinho, eu queria abrir 100% do mapa e coletar todos os bônus e fases secretas. Mas, meu amigo... o jogo é grande. O jogo é muito grande.

É preciso:

  • Aprender o peso e a cor das palavras. Seria amazing mais maravilhoso do que awesome?
  • Aprender as expressões idiomáticas que usam conceitos de coisas que você não necessariamente conhece. Se você não entende de baseball, não vai conseguir entender a metáfora das bases para indicar o nível de intimidade sexual, por exemplo.
  • Aprender a reconhecer os detalhes de intonação que ditam o fim das falas em uma conversa. Achei que só o mandarim tinha essa palhaçada...
  • Desaprender os significados implícitos que existem no português e não existem no inglês. Uma vez um amigo me ofereceu algo e eu respondi com um thanks (que, em português, num contexto onde você não aceitou fisicamente a oferta, significa "não, obrigado"). Ele ficou lá, parado, sem saber se eu queria ou não, até desfazermos o mal entendido.

E enquanto você bate cabeça com todas essas coisas, várias interações do dia-a-dia ressaltam ainda mais o tamanho do buraco que você está tentando preencher. Por exemplo, outro dia eu me senti confiante com a língua e fui tentar entender as letras de um gênio do rap chamado MF Doom:

Try the straight pliers, if not—the vice grips
A real price-saver way to acquire nice whips
What a steal for real on wheels of steel
Stunner, a funner summer number-one meal deal-bummer

Aí tu não entende nada, vai no Genius e vê que o verso acima fala sobre roubar carros, além de conter referências às paradas musicais do rádio e também aos combos do McDonalds, e vice grips tem o duplo sentido de ser uma ferramenta e uma referência ao domínio do vício, e what a steal é usado no sentido figurado ("uma pechincha") e literal ao mesmo tempo... e não somente as frases rimam entre si como as sílabas também. MF Doom é uma espécie de Chico Buarque gangsta.

Mas o desafio final das músicas em inglês é o dancehall jamaicano. A Jamaica tem o sotaque mais incrível do caribe, pena que é absolutamente incompreensível. Sinta a poesia de Reggie Stepper no seu clássico "Cuh Oonuh":

Set of satellite, oonuh set of munu-cunu
Set of idiot, oonuh set of damn tukoo
Set of masquerade, oonuh set of damn Junkanoo
A wha' oonuh a try? A wha' oonuh a try? A wha' oonuh a try fi do?

Demora, mas chega um dia em que alguma coisa desperta no seu cérebro e você vai falar alguma coisa complicada e a frase simplesmente rola naturalmente da sua língua e você fica "peraí, como foi que eu fiz isso?". Essa é a beleza do subconsciente: ele tá lá no fundão da mente, inacessível, mas a insistência na atividade consciente de botar a cabeça pra funcionar em inglês acaba, pouco a pouco, reprogramando também o subconsciente. Aí acaba aquele processo manual de "pensar em português -> traduzir -> falar em inglês", e as frases começam a já nascer anglófonas. Isso seria lindo... se não tivesse o efeito colateral de estragar o português. É quando você começa a se pegar falando coisas bizarras do tipo "preciso salvar dinheiro pra consertar o carro", ou quando demora meses pra conseguir escrever um post em português no seu blog. Não tem jeito: pra ir pro céu, tem que morrer.

Mas é bem provável que eu já esteja a caminho do céu. Quando penso na entrevista do "Comer, Rezar, Amar", preciso considerar também o fato de eu conseguir distinguir o quanto o inglês da autora é bom. Saber da própria ignorância é também uma forma de saber, e isso é muito positivo. E aí é que está o detalhe crucial para aprender uma língua: se você só pensar no que não sabe ou no que não consegue, aprender se torna traumático; em contrapartida, quando o desconhecido desperta uma curiosidade, que quando resolvida gera uma satisfação, aprender se torna prazeiroso - e nossos cérebros adoram um prazerzinho.

Hoje mesmo eu tive um desses. Tem um show de hip-hop/beats da NTS que eu curto bastante chamado "Tuesday Trips". Semana passada, NahhG, o cara que produz o show, postou no Twitter que o próximo show seria no dia do seu aniversário e pediu umas mensagens de voz com parabéns pra botar entre as músicas. Como esse ano eu adotei uma política pessoal de não economizar elogios pras coisas que eu gosto, mandei a minha. Tá lá no show dessa semana, bem na marca dos 50 minutos. Quando ouvi de volta a gravação, fiquei surpreso ao ver o quanto meu inglês - gravado rapidinho no celular, entre duas reuniões de trabalho - ficou excelente. Outra agradável surpresa foi que a gravação ficou coincidentemente posicionada logo depois de uma batida com samples de um funk carioca sobre "bucetada na pistola"...

Assim sendo, seguimos aqui nesta eterna sequência de pânico e alívio linguístico, aspirando pelo dia onde vou afirmar com segurança que, sim, eu finalmente atingi o nível máximo de domínio da língua - que é facilmente definido em português por uma das minhas frases preferidas: "eu manjo das putarias".

Sobre espaço-tempo, buracos negros e visitas ao Brasil

2018-12-29 19:50:54 +0000

Às onze da manhã do dia 22 de dezembro o avião finalmente tocou o solo do aeroporto de Guarulhos. Catei malas e mochilas e, no instante em que passei da porta do avião pra fora, sou recebido por aquela onda quente e úmida de trinta graus de calor paulistano. Meu corpo se retraiu todo. Olhei pro lado e Bethania estava suspirando, emocionada: "Ahhh que delícia!".

Depois de quatro anos, eu estava de volta ao Brasil.

Quando expliquei aqui as razões que me fizeram abandonar o país, uma delas era a falta de afinidade com as coisas locais - incluindo o calor. Assim, meus trinta primeiros segundos de volta correram exatamente como eu esperava. Já o resto foi uma montanha-russa de coisas que ainda não sei bem definir direito.

Quando decidi me mudar foi bem fácil enumerar os motivos pelos quais eu achava que aquilo era a melhor coisa a se fazer. Voltar ao Brasil deixou bem claro o quanto essa reflexão havia sido incompleta. Começando pela minha premissa de que "você não é onde você mora", ou de que eu estaria começando uma vida nova em outro lugar, ou - e principalmente - de que é preciso olhar pra frente e deixar pra trás o que passou. Eu analisei bastante o espaço, mas me esqueci completamente do tempo e de como ele espalha quem eu sou ao longo de quarenta anos. Eu sou o menino que cresceu em Belo Horizonte, o jovem que amadureceu em São Paulo, e hoje o adulto que vive no Canadá, todos ao mesmo tempo, irrevogavelmente unidos e coexistindo nessa dobrinha pessoal de espaço-tempo chamada eu.

Nos meus quatro anos de Canadá eu ignorei completamente - e intencionalmente - esse passado, achando que era assim que se adapta a uma nova realidade. Aí a gente foi comer um pão de queijo em Guarulhos e eu me peguei nostálgico ao ouvir a mocinha do caixa perguntar se eu queria "CPF na nota" (nem lembrava mais que havia isso). Cada coisa - das mais simples - que eu via ou ouvia ressuscitava anos de memórias esquecidas nos porões da minha cabeça. Andar pelo embarque de Guarulhos e voltar de Confins pela Linha Verde me lembrava os inúmeros voos da minha época de consultoria. As ruas de Beagá, então, eram prateleiras inteiras de incontáveis pedaços meus, todos voltando a cada esquina, a cada ladeira, a cada prédio onde um dia estive, ou até mesmo os que hoje deram lugar à farmácia ou supermercado. Por exemplo: a Igreja São José, no centro, não era só a igreja - era aquele domingo onde saí do meu plantão de suporte no provedor de internet onde estagiava e fui encontrar com a minha nova namorada, que foi acompanhar a avó na missa. Eu achava que era impossível se sentir em casa onde você não mora mais. Que bom que me enganei.


A programação da viagem era basicamente passar tempo com a família no Natal, mas havia uma coisa que eu decidi que queria fazer: visitar o túmulo da minha mãe.

Eu acho que nunca mencionei minha mãe aqui no blog. Ela tinha um personalidade enorme, um sorriso fácil e um amor infinito pelos filhos. Em 1993 ela foi diagnosticada com câncer de mama, e morreu cinco anos depois. Como a família na época era toda espírita, a crença é de que a morte não existe, e então não se falou muito mais sobre isso. Foi mais ou menos nesse período que eu comecei a enterrar minhas memórias. Mas, felizmente, quando você enterra coisas férteis elas acabam brotando novamente.

Voltar ao cemitério, mesmo décadas depois, foi trazendo o dia do enterro todo de volta. O lugar do velório estava lá, do mesmo jeito. Eu me lembrei dos parentes chegando, das flores, até do que minha mãe vestia (uma camiseta do Menino Maluquinho - a pedido dela) quando foi sepultada, mas quando penso no que eu sentia, a resposta é... nada. O mesmo "nada" que senti quando desliguei o telefone no dia anterior, quando meu pai ligou do hospital, para contar que ela havia morrido. Quando ouvi a notícia eu fiquei sem reação por alguns segundos, com a cabeça sobrecarregada, e então alguma coisa se arrebentou dentro de mim, e sobrou apenas o nada. Um buraco negro no meu espaço-tempo pessoal. Um nada tão grande que eu nunca chorei a morte dela, até hoje.

Essa volta ao Brasil me despertou incontáveis memórias em praticamente todos os lugares onde estive. Mas quando me vi novamente de pé, sobre o túmulo dela, na semana passada, eu não senti... nada.

Bom, parece que este pedaço meu eu vou ter que resgatar de outro lugar.


Na quinta de manhã o meu voo de volta finalmente pousou em Toronto. No instante em que pisei fora do avião, fui recebido pela brisa seca de Dezembro em seus zero graus. Fechei os olhos, respirei fundo, e disse baixinho para mim mesmo, sorrindo, enquanto expirava:

"hell yeah".

Retrospectiva 2017

2017-12-28 12:41:29 +0000

Só três posts esse ano... é a crise, talvez?

É nada, é só ano de gente ocupada. Rolou bastante coisa nos últimos 365 dias:

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cat over a table with painting at the backEm abril achei uma gata perdida no parque e adotei. A Bê batizou de Cafuné, mas por algum motivo eu só chamo ela de "gata" mesmo. Pavlov e a gata já tiveram oito meses pra se adaptar um com o outro e eles estão convivendo super bem, tirando um ou outro episódio de ciúme de ambas as partes e um leve territorialismo de ambas as partes: a gata se debruça sobre a tigela de água pra não deixar Pavlov beber, aí em retaliação ele vai e come a comida do potinho dela, e por aí vai.

De noite, a matilha toda - eu e Bethania inclusos - dormimos todo mundo junto e amontoado. Quando me deito a gata sobe na cama, depois sobe em cima de mim, bota o focinho bem na minha cara - estrategicamente me impedindo de mexer no celular - e começa a ronronar. E gato ronronando no seu colo é algo inexplicavelmente precioso.

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Em agosto realizamos o sonho máximo dessa jornada canadense: compramos uma casa e fomos morar no subúrbio. Eu sabia que morar em casa ia dar trabalho e custar caro em termos de manutenção, mas nada podia me preparar pros últimos quatro meses... só pra vocês terem uma ideia, eu tive que:

  • Consertar todas as quatro privadas da casa que tavam vazando.
  • Arrancar o carpete do hall do andar de cima - porque ele virou uma extensão do banheiro de Pavlov. Esse trampo foi uma novela mexicana, com instalador trazendo piso errado, demorando um mês pra fazer o serviço, etc, etc.
  • Instalar cortinas e persianas em todas as janelas. Na primeira delas eu ainda era n00b de paredes norte-americanas e fiz uns cinco furos errados até acertar...
  • Trocar todos os três detectores de fumaça da casa, ao descobrir que os antigos donos da casa nos fizeram o favor de deixá-los mais de cinco anos vencidos. Por sinal, um cordial pau no cu dos antigos donos da minha casa, que não cuidaram de absolutamente nada de manutenção e agora tá sobrando tudo pra mim.

kitchen sink

  • Contratar um cara pra trocar as bancadas dos banheiros e da cozinha porque, de tão velhas, elas impediam as gavetas de abrir. A vantagem disso é que agora eu tenho uma pia linda. Ser adulto é uma bosta mesmo, você fica feliz com a sua pia...
  • Improvisar umas travas de metal pra fixar a lava-louça, que caía pra frente quando você abria a porta.
  • Jogar a minha geladeira inteira fora ao descobrir que ela cria umas crostas de gelo de dois em dois meses e as comidas todas estragam porque ela para de gelar - e que nenhum técnico conserta isso porque o problema chama-se "design lixo das geladeiras Samsung". Depois dessa e do fiasco dos telefones explosivos eu nunca mais compro NADA da Samsung na vida. Aproveitando, uma singela estalactite de gelo no cu dos antigos donos da casa por mais essa.
  • Refazer a vedação das paredes do box de dois banheiros.
  • Abrir um buraco no teto da sala porque o banheiro acima dela estava vazando dentro do drywall. Não é nada divertido ver o teto da sua sala pingando enquanto você toma café da manhã.
  • Pagar um absurdo pra um cara refazer as paredes/azulejos do box do meu banheiro.
  • Brigar com o fiadaputa porque ele fez um trabalho de merda.
  • Tapar o buraco do teto da sala eu mesmo, com todo meu vasto conhecimento de conserto de drywall adquirido às pressas no YouTube. Por sinal, você já teve que lixar drywall? É bem legal, mas morrer queimado é muito melhor...
  • Recolocar um dos azulejos do banheiro, também com treinamento de YouTube, porque o fiadaputa largou sem fazer depois de de ir embora.
  • Refazer, pela terceira vez, a vedação do banheiro que tava vazando - porque o fiadaputa usou o rejunte errado.
  • Trocar o aquecedor da casa que resolveu morrer alguns meses antes do inverno - o que envolveu uma conta caríssima, uns três buracos no teto do porão, e o prejuízo adicional de uma caixinha de som bluetooth que eu tinha e que magicamente desapareceu da casa depois que os instaladores foram embora. Foi meu primeiro furto aqui no Canadá, por sinal.
  • Deixar os buracos do teto no porão porque tivemos uma ideia maluca de montar um projetor com home theater no porão e eles seriam úteis pra fazer a parte elétrica da instalação.
  • Passar madrugadas insones pesquisando distâncias ideais de projeção, comparando com as medidas da sala, conferindo se o tamanho da tela caberia na parede... como diz o ditado, "meça duas vezes, corte apenas uma".
  • Orçar o trabalho de passar fiação pro projetor com um eletricista licenciado - já que aqui eu sou legalmente impedido de mexer na fiação da minha própria casa sem o aval de um eletricista profissional - e receber um orçamento de quase três mil dólares.
  • Comprar uma extensão e usá-la pra alimentar o projetor, passando o fio estrategicamente por dentro do teto até uma tomada próxima - porque huehue nóis é BR.
  • Construir uma tela de projeção sob medida, montando uma moldura com ripas de madeira e enrolando uma tela barata de PVC por cima dela.
  • Abrir ainda mais buracos no drywall pra passar os fios de áudio/vídeo (essas a lei deixa). Foi tudo no maior esquema gambiarra: eu enfiava o celular nos buracos do teto e usava a câmera pra achar um caminho pros fios, depois passava uma fita métrica no lugar, amarrava as pontas do fios na fita métrica e puxava a fita pra puxar os fios. Foi emocionante enfiar minha furadeira num dos buracos e usá-la às cegas pra abrir passagem pra um dos fios.

Deu muito trabalho, mas valeu a pena.

media room

  • Por fim, tive também que transportar e montar incontáveis móveis da Ikea. Pensando bem, essa é a parte divertida, é tipo Lego de adulto.

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No meio disso tudo, em outubro eu troquei de emprego. Um amigo daqui apareceu com uma vaga que pagava 60% a mais do que eu ganhava. A pegadinha: era num projeto meio bucha. Eu pensei comigo que quem sobreviveu a Windturn City sobrevive a qualquer coisa, mas mal sabia eu no que estava me metendo. Digamos que agora eu passo cada dia de trabalho assim:

  • 10% do tempo eu faço trabalho de verdade, que agrega valor.
  • 30% do tempo eu estou consertando servidor caído ou tentando fazer as coisas rodarem no meu computador.
  • 60% do tempo eu estou fazendo facepalms duplos tentando descobrir o que diabos as pessoas fizeram no projeto porque nada tá documentado em lugar nenhum.

Basicamente, agora eu trabalho numa mistura de The Office com Trapalhões cujo cenário é uma daquelas casas bagunçadas de acumuladores compulsivos.

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Quando nos mudamos para o Canadá, com seis malas e nenhuma certeza do futuro, uma conversa recorrente no nosso círculo de amigos imigrantes eram os perrengues do inverno. Um deles é o snow shoveling: todo morador daqui de Ontário é legalmente responsável por tirar a neve da calçada da frente da sua casa, ou seja, você tem que sair no frio e tirar a neve com uma pá. Os nossos amigos costumavam comentar que prefeririam morar em apartamento por conta disso, mas eu sempre dizia:

"Ih, se eu tiver que fazer shoveling no inverno eu vou fazer com gosto, porque ter essa obrigação significa que eu finalmente tenho uma casa aqui no Canadá".

Três anos depois, às 18h do dia 12 de Dezembro de 2017, eu peguei uma pá e tirei a neve da calçada da minha casa canadense pela primeira vez.

snow shovel

 

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A saga de comprar uma casa no Canadá

2017-10-05 04:45:48 +0000

Em 2017, com empregos fixos e a imigração concluída, eu e Bethania começamos a planejar o nosso novo grande passo canadense - sair do aluguel e conquistar o sonho da casa própria.

Seis anos atrás, quando comprei meu apê em São Paulo, eu comentei do desespero que foi ir juntando o dinheiro pra dar de entrada enquanto eu via os preços crescendo de forma galopante. Tudo que eu não queria era ter que passar de novo pelo mesmo stress - ou seja, foi exatamente o que aconteceu. Até os números foram iguais: os preços na grande Toronto duplicaram nos últimos 3 anos e seguiram batendo recorde atrás de recorde todo mês. Isso puxou os aluguéis, que também começaram a subir, e meu contrato de aluguel tava lá prestes a vencer no fim do ano.

Além disso, tinha também o dilema do que comprar. Em SP a escolha era entre um apartamento pequeno ou um apartamento minúsculo - casas nem entravam na lista por causa do custo/risco/distância. Aqui, felizmente, tínhamos mais escolha:

  • Apê pequeno, colado no metrô, bem próximo da muvuca do centro, meia horinha e você tá no trabalho;
  • Apê grande, mas dependendo de ônibus + metrô, relativamente próximo do centro, uma hora ou mais pra ir/voltar do trabalho.
  • Uma casa, pequena ou grande, mas que se encaixasse no orçamento.

O problema é que, em fevereiro, o preço médio de uma casa em Toronto bateu um milhão de dólares. Assim sendo, quando a gente ia ver uma casa era sempre assim:

  • O anúncio dizia assim: "renovator's paradise!" (paraíso do construtor), então a gente sabia que a casa tava caindo aos pedaços.
  • Às vezes a casa nem tava tão caindo aos pedaços, mas era uma stacked townhouse - uma casa geminada dos dois lados e também por cima ou por baixo. Praticamente um apartamento na horizontal.
  • Quando era apenas uma townhouse (geminada só dos lados), ela era colada numa rodovia barulhenta, ou do lado do trilho do trem, ou longe de todo tipo de transporte público, ou num lugar muito velho/bizarro. Não me esqueço de uma que vi, era até bem perto do metrô, mas a casa devia ter uns 50 anos de idade e ficava numa vila que era idêntica à vila do Chaves...
  • Quando a gente finalmente via uma casa legal ela estava 150 mil dólares acima do nosso orçamento - e normalmente era vendida no dia seguinte.

Os apartamentos todos também estavam bem frustrantes, e depois de ver inúmeros deles e não gostar de nenhum começamos a colocar na mesa uma opção nova: e se fôssemos morar... no subúrbio?

O subúrbio aqui não tem a conotação de periferia. Trata-se daquele subúrbio de filme: são as cidades ao redor de Toronto, sempre pequenas, quase sem prédios, com aquele monte de casas todas iguais, onde só moram famílias com filhos, e os pais passam o final de semana fazendo jardinagem, cortando grama ou serrando madeira na garagem. São lugares tão prosaicos que tem um monte de minisséries sobre como morar no subúrbio é tedioso. No trabalho um monte de gente mora nesses lugares - eles são facilmente identificáveis, porque chegam mais cedo pra trabalhar e são os primeiros a ir embora, normalmente correndo porque "tem que pegar o trem" pra voltar pra casa.

Separamos um dia pra ver uma casa em Ajax, uma das cidades ao leste de Toronto, só pra ter uma ideia de como era. Fomos logo depois do trabalho, na tarde de um belo dia de primavera. Enquanto o corretor não chegava, resolvemos dar uma volta pelo bairro e chegamos a um parque, na beira do lago, com a melhor cenografia suburbana que já vi: crianças correndo pela grama, passeando de bicicleta, mães com seus carrinhos de bebê jogando conversa fora com os vizinhos, enquanto o sol se punha sobre as águas do Lago Ontário. Mas o que mais me marcou foi o enorme silêncio - não tinha buzina, não tinha sirene, não tinha caminhão, tinha apenas o gralhar ocasional de uma gaivota e as risadas das crianças.

Aí fomos ver a casa e aí já era: tinha tanto espaço que a antiga dona tinha um piano de (meia) cauda na sala. Tinha um jardim nos fundos, com plantinhas e espaço pra churrasqueira. No andar de cima tinha quartos grandes, tinha vários banheiros... e todo o enorme espaço do primeiro andar ainda aparecia em dobro, no porão. Ainda não tínhamos a papelada toda do financiamento pra comprar, mas a boa notícia é que, na mesma região, havia muito mais opções boas pra ver dentro do que podíamos pagar.

O subúrbio só não nos ganhou naquela hora logo de cara porque eu ainda tinha uma grande dúvida: será que compensa morar num casão, num bairro sossegado, mas gastar horas pra ir trabalhar todo dia? Pra descobrir, peguei um mapa das linhas dos trens suburbanos e marquei os lugares aonde eu poderia morar mas ainda assim levar menos de uma hora pra chegar na estação central. Esse virou meu novo mapa de procurar imóveis:

Pra completar o teste, marcamos de ver umas casas logo depois do trabalho, pra experimentar na pele como é isso de voltar de trem todo dia. Na linha que corre para leste de Toronto tem muita opção de trem na hora do rush, e os trens expressos ainda economizam uns 10 minutos de viagem. Se a opção suburbana já estava atraente, a nossa primeira viagem de trem fechou a fatura:

  • Não é aquela suvaqueira de metrô: o trem é enorme, então todo mundo vai sentadinho 99% das vezes.
  • O andar de cima dos vagões é a quiet zone, onde, na hora do rush, é proibido conversar ou falar ao telefone. Perfeito pra um cochilo, pra atualizar a leitura ou apenas para gente antisocial como eu.
  • A internet do celular funciona o tempo todo, pois o trem corre na superfície.
  • A viagem é razoavelmente rápida: em 37 minutos estávamos a 35 quilômetros do centro. De carro é impossível percorrer essa distância em menos de uma hora. E muitos dos nossos amigos que moram em Toronto gastam o mesmo tempo ou mais pegando o metrô.
  • Tem um trecho onde o trem corre bem do lado do lago. Com o sol nascendo sobre ele de manhã, a vista é de chorar.

[caption id="attachment_8586" align="aligncenter" width="660"] Foto (c) Paul Bloxham[/caption]

Com o foco no subúrbio e as várias opções disponíveis, não demorou muito pra gente achar uma casa que valesse a pena. A escolhida foi uma de dois andares, com só dez anos de vida, ajeitadinha, geminada mas com um grande atrativo: era uma freehold townhome. Na maioria dos casos as casas geminadas são parte de um condomínio, e você é dono apenas do uso do espaço que sua casa ocupa. Nas freehold townhomes, apesar de dividir paredes com vizinhos, a casa - e seu terreno - são 100% seus e você pode fazer o que bem entender com eles.

Mas se você esteve prestando atenção neste post, vai se lembrar de que os preços de imóveis em Toronto e região estavam galopantes, certo? Pois então: decididos a fazer uma oferta na bendita da casa, acabamos inadvertidamente caindo na chamada bidding war: aquela situação onde várias pessoas fazem ofertas em uma casa e o corretor dá um monte de informações confusas/obscuras de forma a forçar os compradores a aumentarem suas ofertas meio que às cegas. É extremamente bizarro, mas é dentro da lei.

Isso foi, de longe, o dia mais estressante do ano. Aquele corretor gente boa, que estava sempre disponível para marcar visitas nas casas, que respondia emails no domingo às 10 da noite, de repente começa a te falar o contrário do que ele vinha te falando há meses e te estimulando a comprar a casa - porque, afinal, ele é comissionado, e quanto mais vendas ele fechar, melhor. O gênio aqui só foi entender isso no dia da negociação. Foi uma situação tão bosta que quando ele ligou pra gente dizendo que nossa oferta tinha sido aceita, nem deu pra ficar feliz.

Mas, tirando o stress, olha só o que tinha acontecido: dois imigrantes brasileiros, pouco mais de dois anos depois de deixar o país, se tornaram donos de um pedaço de terra no Canadá. No meu caso, essa ficha só caiu meses depois; já tínhamos nos mudado e, um belo dia, Bethania estava plantando roseiras no jardim e eu olhei pra ela da janela da cozinha e me toquei que ela estava plantando rosas em solo canadense - o nosso pedacinho de solo canadense.

É pequeno, mas é do tamanho do mundo pra mim.

Como vocês podem ver, ainda não sabemos cortar grama direito.

Retrospectiva 2016

2016-12-29 03:47:38 +0000

É bem possível que o blog se transforme em um "arquivo de retrospectivas" - é a única coisa com alguma previsibilidade por aqui.

Mas tem motivo: reler as retrospectivas anteriores ajuda a dar perspectiva de como a vida vai. E de fato ela "vem em ondas, como mar". Em 2009 as coisas não pareciam muito boas, dado que eu descrevia o ano como "vazio, ácido e difícil". Já em 2016 foi o extremo oposto: foi um ano cheio, saboroso e recompensador. Dá até vergonha falar tão bem do ano que absolutamente todo mundo detestou.

O melhor de 2016: Trudeau disse "sim"

O ponto alto do ano foi, sem dúvida, receber o e-mail abaixo: a confirmação de que, sim, agora somos residentes permanentes no Canadá.

Você deve ter notado que o e-mail é endereçado à Bê... é que ela é quem foi a aplicante principal dessa vez, já que, com mestrado e um ano de trabalho no Canadá, a pontuação dela era muito melhor que a minha. "Fui eu quem conseguiu a nossa residência permanente!", ela fica se gabando. Vou ter que aguentar ouvir isso o resto da vida - o que farei feliz e infinitamente grato. É libertador o alívio que dá não ter mais uma contagem regressiva no meu passaporte e finalmente ganhar todos os direitos do imigrante, como trabalhar sem restrições de tempo/local, ter acesso total à saúde pública daqui e poder reclamar do Maple Leafs perdendo no hóquei.

Outra coisa boa resolvida este ano: acabou a faculdade. Sinceramente, eu não aguentava mais, pelos motivos que expliquei no post anterior. Eu sonhei bastante sobre como seria meu último dia de aula, fiquei com vontade de sair da sala e fazer o Ai Weiwei em frente à escola, mas eu estaria sendo injusto com o lugar que, apesar dos percalços, serviu de degrau pro lugar onde estou hoje. Então apenas entreguei meu último trabalho e fiquei alguns minutos vendo a neve cair enquanto a Bê chegava pra me buscar.

Detalhe: é um troço bobo, mas tenho orgulho das minhas notas. Vou concluir o curso com honors e um GPA (a média daqui) de 4.2 em 4.5.

Ainda não liberaram a maconha, mas já estamos viajando

Mas nem tudo foi estudo. Em setembro, no começo do último semestre, eu matei uma semana de aula para viajar para Banff, na província de Alberta. Quando fui pedir uns dias de folga pro chefe, a resposta dele foi: "eu jamais impediria alguém de viajar para Banff".

Chegando lá ficou fácil entender porquê. A foto abaixo não é nenhum ponto turístico, é apenas uma foto do meu celular no meio da estrada.

Nunca falei tanto palavrão olhando pra paisagens quanto em Banff. Mesmo com tempo nublado em todos os dias, tudo que a gente via era "putaquepariu que lindo", "caralho que foda isso", etc. As fotos não fazem justiça ao quão lindo é aquele lugar.

Essa é uma das melhores coisas de morar no exterior: as viagens. Como praticamente tudo ao seu redor é novo, até mesmo uma viagem curtinha de carro fica super interessante. Como a que fizemos em fevereiro, uma road trip para St. Catherines, onde ficamos num AirBnb fazendo boneco de neve no quintal.

[video src="/assets/wp-content/uploads/2016/12/snowman.mp4" width="400" height="224"][/video]

A gente viajou um bocado esse ano - e, curiosamente, mais no outono e no inverno do que no verão. O que de certa forma faz sentido, já que nos meses quentes temos o "lado B" de Toronto. A cidade vira outra: todo mundo está nas ruas e nos parques, tem um monte de coisa acontecendo na cidade, simplesmente não dá pra não aproveitar. E, ao contrário do que muita gente pensa, no inverno tem muita programação pra fazer ao ar livre - só precisa de mais roupa.

[caption id="attachment_8552" align="aligncenter" width="535"] Piquenique na Toronto Island[/caption]

Com tanta viagem e dia de verão nem dá tempo de ter saudades do Brasil. As visitas também contribuem para isso; andei fazendo as contas e em 2016 não passamos nem três meses seguidos sem receber alguma visita brasileira, seja família ou amigos.

Mas não se pode ter tudo; conforme entram as novidades e alegrias, algumas coisas inevitavelmente vão ficando pra trás.

As distâncias e as perdas

O meu tempo por aqui acabou fazendo aflorar um tipo novo de distância - uma distância ideológica, e essa não há visita que supere. A coisa é complicada e tentar explicá-la vai acabar me rotulando como prepotente, mas o resumo da história é que, ao olhar o Brasil se transformando - como aconteceu com a crise toda de 2016, você vê a coisa de um jeito se estiver de dentro, e outra completamente diferente se estiver de fora. Quando as visitas brasileiras chegavam e o assunto era o Brasil, por exemplo, eu não entendia várias opiniões da conversa, e as minhas opiniões também não eram lá muito bem entendidas. No fim, achei por bem parar de acompanhar as notícias brasileiras e de opinar sobre elas nos WhatsApps e Facebooks da vida. Como diria a finada (e amada) avó da Bê, "o silêncio é a base da prosperidade".

Por outro lado, um entendimento que melhorou ainda mais esse ano foi o do inglês. A transformação do cérebro quando confrontado com uma vida bilíngue é simplesmente fascinante: quando eu saio pra andar com o cachorro e penso na vida, os pensamentos agora saem numa mistura maluca de inglês com português que does not make sense mas que funciona beautifully. Ano passado a cachola ainda sofria pra alternar entre o português e o ingles, e a boca ainda engasgava entre os dois modos de falar. Hoje é bem mais natural.

O lado ruim dessa história é que isso é o começo de um lento e inevitável adeus ao português. Eu nem tinha reparado, mas escrevi este post seguindo, inconscientemente, o detestável esquema da "redação hambúrger" que aprendi ano passado num dos cursos da faculdade - especialmente a regrinha de que cada parágrafo deve começar com uma "frase-sumário" e depois discorrer sobre ela. É que o inglês é uma língua quadrada, dura, porém eficiente, seguindo fielmente sua raiz germânica, enquanto o português tem, literalmente, uma raiz "romântica" (ou seja, do romano/latim), e isso lhe confere uma expressividade inacreditável. E é isso que todos os meus textos em português vão perder lentamente ao longo dos anos. Vou sentir saudade de usar frases deliciosamente ingênuas, profundamente expressivas e inegavelmente brasileiras no meu dia-a-dia, como por exemplo, dizer que "esse cara manja dos paranauês".

Conclusão - ou, "quem não planeja, é planejado"

Quem me conhece sabe que eu sou bom de planejamento. Quando fomos pra Banff, por exemplo, eu montei um cronograma da viagem inteirinha, dia a dia, com hora de início e fim de todos os itens da programação*. Meus amigos começaram a viagem me zoando... e terminaram me agradecendo.

Há dois anos, quando decidimos vir pro Canadá, é claro que tinha planejamento de longo prazo. A meta de 2016 era eu me formar já com algum emprego engatilhado para 2017, e depois conseguir residência permanente só lá pra 2018. O emprego garantido veio seis meses antes do previsto, e a residência permanente veio anos antes do previsto.

Para 2017, com a residência estabilizada por aqui, ficam liberados os planos nórdicos de longo prazo, como comprar imóveis e tal. Considerando que não tem inverno no mercado imobiliário daqui - ou seja, os preços estão pegando fogo - ano que vem provavelmente teremos um repeteco da mesma novela que foi a compra do meu apê de São Paulo (que, por sinal, estamos vendendo, viu?). E tem também uma "meta secreta", que será revelada no momento apropriado :)

* - O segredo pra um bom cronograma de viagem são duas coisas: encher os prazos de "gordura", alocando o dobro ou triplo do tempo pra cada coisa, e deixar espaços para acomodar mudanças de roteiro. Planejamento não é pra ser seguido à risca, isso é lenda. Planejamento é para servir de referência na hora de mudar de rota, porque a única certeza que você pode ter sobre o futuro é que você vai ter que mudar o planejado. E quanto às gorduras no cronograma, como diria o meu grande mestre de gerenciamento de projetos, ainda na minha época de consultoria... "cronograma sem margem de erro já nasce atrasado".
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A saga do community college canadense

2016-12-08 05:01:22 +0000

Essa é uma boa vantagem de se mudar pro exterior: todo mundo acha que você está no topo do mundo, acendendo charuto com nota de 100 dólares e tal. Quando eu falo que vim "estudar fora", nêgo acha que fui fazer mestrado em Harvard. Na verdade, eu fiz um curso que não vale nem um bacharelado em uma escola que não é nem uma faculdade.

Bem-vindos ao mundo do community college!

Prólogo: Como assim "community college"?

O community college é tipo uma "meia-universidade". É um conceito difícil de entender porque não tem equivalente no Brasil. Na terra da Dilma do Temer, mesmo que você estude numa uniesquina da vida, no fim tu ganha um diploma e recebe o grau de bacharel, reconhecido pelo MEC e tudo. No caso do college, ele te dá um título de "meio-bacharel", já que o curso tem metade da duração (2 anos). Pra piorar a confusão, o título que o aluno recebe no final chama-se... diploma.

Meu caso é menos pior: como meu curso tem 3 anos, no fim eu receberei um glorioso... (soem os tambores)... advanced diploma de engenharia de software. E como eu já tenho um bacharelado, eu consigo completar o curso em 2 anos e ainda fazer dois semestres de estágio (o tal do co-op que já comentei aqui).

O público-alvo do community college é, basicamente, a sobra do público-alvo das universidades - gente que não passou, que não consegue pagar, etc. Por isso, quando me matriculei, já vim esperando o pior.

O curso termina semana que vem e, depois de seis semestres, posso afirmar que minhas expectativas foram totalmente superadas... para pior, obviamente. Pra vocês sentirem o drama, vou contar pra vocês os causos separados por curso.

Curso: "Comunicação acadêmica"
Proposta do curso: Ensinar inglês no contexto acadêmico, como escrever relatórios, etc.
O que aprendi: Como provar que não colei ao escrever minha "redação-hambúrguer".

No meio do semestre, o professor sorteou uns temas e deu um trabalho de pesquisa pra fazer em casa. Coisa séria, tinha que escrever cinco páginas no "padrão ABNT" daqui, citar outros textos, troço cheio das nove horas. Como eu gosto de escrever (e de padrões), fiz um textão fuderoso, formatei impecavelmente, e mandei.

Na semana seguinte, chega um email do professor me chamando pra uma reunião com ele antes da aula. O email não mencionava o motivo nem nada. Achei esquisito, mas confirmei. Chegando lá, o cara me solta a bomba...

- Então, como você bem sabe, a minha turma só tem estudantes internacionais e eu sei que o nível geral de inglês é bem básico...

"Bem básico" é elogio - muita gente na minha turma simplesmente não conseguia se comunicar em inglês. Sem exagero: se o prédio pegasse fogo e a pessoa precisasse discar 911 pra pedir socorro, ela morreria queimada. Mas o meu college não quer perder matrículas, então aceita esse povo mesmo assim.

O professor continuou:

- Eu recebi as redações da turma e não entendi nada, porque praticamente todas elas vieram com um inglês impecável. Então estou achando que não foram eles que escreveram. A sua redação, particularmente, estava muito boa, então eu preciso que você me prove que foi você mesmo que escreveu.

E aí ele me fez um monte de perguntas sobre o tema, sobre por que eu escrevi o que escrevi, e acabou convencido. O resto da turma ficou com zero e levou um belo torra.

Essa história da cola - ou "desonestidade acadêmica", em termos mais educados - é uma das coisas que mais me incomodou.

Curso: "Negócios e tecnologia da informação"
Proposta do curso: Ensinar tudo aquilo que todo bom programador não se interessa em saber.
O que aprendi: Tudo sobre náutica e sobre o mercado imobiliário de Toronto.

Bob, o professor deste curso, ficava se gabando o tempo todo de ser o coordenador do curso de Gerenciamento de Projetos da Universidade de Toronto (a "UFMG" ou "USP" daqui, em termos de reputação). No entanto, todas as aulas do Bob se resumiram a:

  • Bob contando que tem um barco e de tudo que faz com o bendito barco.
  • Bob contando de quando ele trabalhava na Xerox em 1980.
  • Bob contando que vendeu a casa e comprou um apartamento.
  • Bob contando que tem uma namorada - que também vendeu a casa e comprou um apartamento.
  • Repita os assuntos acima até a exaustão.

Mas o mais legal foram as provas que fizemos, que tinham uma inovação surpreendente: questões repetidas. O cara reaproveitava questões de provas passadas nas provas seguintes. Não era nem uma paráfrase - as questões eram idênticas. E, pra melhorar ainda mais: as questões eram todas copiadas da internet, do site da editora do livro que ele (não) usava no curso.

Eu parei de assistir a aula do Bob logo no primeiro mês do curso. E fiquei aliviado de não ter torrado dinheiro e tempo na Universidade de Toronto...

Curso: "Conceitos avançados de bancos de dados"
Proposta do curso: Ensinar conceitos básicos de bancos de dados.
O que aprendi: Sempre pode piorar.

Esse curso foi tão ruim, mas tão ruim, que no lugar das minhas anotações de aula eu fiz uma lista das cagadas do professor, pra reclamar depois. Saca só a lista:

  • Numa aula, ele projetou uma lista com uns 25 itens sem o menor sentido e falou: "isso é o trabalho de conclusão de curso de vocês". Depois, ao invés de mandar pra todos uma cópia da lista, ele mandou a gente anotar manualmente os itens, porque assim a gente seria "forçado a prestar atenção neles". Na semana seguinte, como ninguém tinha entendido o que ele queria que fizéssemos, uns alunos foram tirar as dúvidas com ele. Ele ficou furioso: "mas eu já falei!!!"
  • Numa aula prática, ele deu pra turma uns 10 exercícios... todos com a mesma resposta. Pra piorar, o enunciado das questões era algo tipo "escreva uma consulta para extrair dados da tabela XYZ". Adivinha se ele deu pra gente a estrutura e/ou o conteúdo da tabela XYZ?
  • Vários exercícios de "extraia os dados do banco de dados" não tinham resposta ou a resposta era um conjunto de dados vazio, tipo, "escreva uma consulta para calcular o total de vendas do usuário John Smith", e a tabela de dados nem tinha um John Smith.
  • Várias aulas terminaram mais cedo porque ele olhou pra turma e falou: "vocês estão com cara de cansados".
  • No meio do curso ele inventou de usar uma ferramenta da Adobe para aulas online. Aí ele passava metade do tempo da aula configurando a ferramenta, enquanto a gente olhava pra parede. Na segunda metade da aula o troço não funcionava e, quando a gente questionava, ele respondia: "vai digitando aí!".

Curso: "Tecnologias emergentes"
Proposta do curso: Falar do que há de mais recente no mercado de software. Só que o professor usava slides com dados de 2001...
O que aprendi: A pagar o pato da turma que fica copiando trabalho.

Quase teve guerra civil nesse curso. Logo no começo do semestre o professor deu um trabalho em grupo pra turma, e obviamente a cola foi desenfreada. Por algum motivo eu me esmerei muito mais do que o normal com esse trabalho e entreguei o código-fonte mais lindo da minha vida, um primor de software, Bill Gates ficaria orgulhoso.

Na semana seguinte da entrega do trabalho, o professor mandou um e-mail cabeludíssimo pra turma toda, dizendo que tinha analisado minuciosamente todo mundo que colou e que ia mandar os nomes todos pra coordenação do curso caso as pessoas não assumissem a cola. Nem precisa dizer que eu fiquei rindo até a orelha quando vi esse e-mail.

Minha alegria durou só até o dia da próxima aula. O professor voltou atrás do nada e decidiu que, como tinha muita cola, ele ia cancelar o trabalho e redistribuir os pontos de outro jeito. Eu quase surtei - juntamente com a outra meia dúzia (literalmente) de gente que tinha feito o trabalho honestamente, e só depois de muita briga com o bendito do professor é que ele aceitou manter as coisas como estavam.

Cursos: "Integração de sistemas" e "Data warehouse"
Proposta dos cursos: Não sei, parei de me importar com isso.
O que aprendi: A ignorar o fato de que eu paguei o salário desses professores inúteis com o dólar a R$ 3.

Esses foram, de longe, os "melhores dos piores" cursos. Toda semana tinha uma aula teórica e uma aula prática, cada um com um professor. O da teoria chegava na aula atrasado, projetava o primeiro slide, depois tergiversava o resto da aula sobre como esse conhecimento é importante para o mercado, que os salários são ótimos, que a gente tinha muito que aprender aquilo... basicamente, passava a aula falando que o conteúdo era muito importante e não explicava a porra do conteúdo. Aí a aula acabava, ele notava que não passou do primeiro slide, e mandava o povo ler as coisas em casa.

Um dia ele deu uma prova e eu fiz uma pergunta sobre uma das questões. A resposta dele foi rir da minha cara - literalmente - e dizer que "se eu prestasse atenção nas aulas eu saberia". Eu escrevi uma reclamação formal no papel da prova, dizendo que essa não era a postura que eu esperava de um professor. Ele me respondeu por e-mail alguns dias depois, reclamando que a culpa era minha de ficar o tempo todo no laptop durante as aulas.

Detalhe: o laptop é porque, ao invés de usar lápis e papel, eu faço as anotações das aulas no Evernote. Ou melhor, fazia, porque depois dessa palhaçada eu desisti de frequentar as aulas desse cara.

Ah, e tem o professor da aula prática, que era ainda mais perdido - mas perdido no nível de confundir o dia/horário da aula e simplesmente não aparecer, e de quando aparecer, entrar na sala e perguntar "o que eu tenho que ensinar hoje mesmo?".

Mas é tudo choro e ranger de dentes nesse seu curso?

Apesar da maior parte dos professores serem desastrosamente ruins, os bons deram cursos bem produtivos. Nunca vou me esquecer da primeira aula de programação de jogos pra web, por exemplo: logo na primeira aula o cara botou a gente pra usar umas DEZ ferramentas/linguagens/tecnologias diferentes logo na primeira meia hora de aula - basicamente, ensinando a coisa mais importante em desenvolvimento de software: ficar confortável quando tu não tem a menor idéia do que está fazendo.

Teve também um professor de "APIs e microsserviços" que protagonizou um dos momentos mais satisfatórios do curso. No final do semestre ele resolveu que, ao invés de uma prova final, a turma faria um projeto de software e teria que integrar umas três tecnologias diferentes e demonstrar no último dia de aula. A turma foi praticamente toda contra, com a desculpa de que já tinha "trabalhos demais", mas o motivo real deles quererem a prova é que ela é mais fácil pra colar...

Quando o professor anunciou o trabalho, um dos alunos - obviamente um dos grandes coladores - fez uma cara de coitadinho e um discurso triste de que ele tinha num-sei-quantos trabalhos pra entregar nas próximas semanas. O professor deu a resposta mais linda de todas:

"Amigão, o choro é livre. Imagina se você tá no trabalho, seu chefe chega pra você e fala 'cara, eu preciso que você faça um projeto integrando esse e esse sistema, é pra daqui a duas semanas'. Você vai virar pra ele e falar 'ah cara, não quero fazer isso não, será que tem como você me dar uma prova ao invés disso'?"

Entre todos os alunos com quem convivi, salva-se só algo tipo 2% da turma. Destaque para - sem bairrismo, juro! - a turma da américa do sul e da américa central:

  • Fui fazer um trabalho de Java com uma venezuelana e empaquei numa parada maluca que o professor não sabia explicar e cuja documentação online parecia grego. A menina ficou acordada até as três da manhã só pra resolver o negócio.
  • Tinha também o "mexicano mágico": no grupo do curso de Android eu estava fazendo o papel de "arquiteto de software" e volta e meia eu soltava umas ideias meio vagas, tipo "isso aqui devia ser um singleton" ou "podíamos usar Retrofit nessa integração". O cara pegava essas frases soltas e, sem pedir explicações, aprendia as paradas por conta própria e, alguns dias depois me aparecia com os troços lindamente integrados no projeto e funcionando redondinhos.
  • Num dos meus empregos de meio-período, na escola mesmo, trabalhei com uma brasileira que fazia o design das telas do sistema e eu implementava. Normalmente, designer costuma ignorar a parte técnica, pedir uns troços impossíveis de implementar e depois reclamar que não tá bom. Essa menina era o oposto - ela lia a documentação técnica do projeto, entendia o que era possível ou não e só depois desenhava. Chegava a escorrer uma lagriminha de alegria quando ela me mandava um layout novo...
  • Por fim, o melhor programador que conheci ao longo destes dois últimos anos por aqui foi um colega paulistano. Trabalhei com ele num projeto onde deram pra gente um sistema antiquado e pediram pra acrescentar um monte de novas funcionalidades. O cara sugeriu reescrever o sistema do zero usando uma tecnologia mais moderna. Pra provar que essa seria a solução mais eficiente, refez o sistema inteiro... em DOIS DIAS.

Epílogo - Valeu a pena?

Bom, esse calvário todo foi a forma que eu escolhi pra me atualizar pra trabalhar de novo com software sem quebrar (muito) as minhas economias, usar os estágios pra pavimentar o caminho pra um bom emprego, conseguir um visto de trabalho pra digníssima e também os futuros requisitos pra residência permanente. E todos os objetivos foram cumpridos.

Pensando racionalmente, acho que a minha decepção é um tanto quanto injusta. Eu não podia mesmo esperar educação nível MIT pagando o preço de Uniesquina. No entanto, não sei se recomendaria esse mesmo caminho para outras pessoas. Talvez valesse mais a pena economizar mais um bocado e pagar por um mestrado ao invés de outra (meia) graduação.

Mas o que importa é que deu certo, estou plugado de novo na Matrix, e não pretendo mais tomar a pílula azul.

Um dia na vida do Primo (versão 2016)

2016-10-23 19:59:15 +0000

Num dia desses de insônia estava revendo os arquivos do blog e me lembrei de quando fazia esses posts.

6:40 - O despertador toca e, como já estamos no outono, lá fora ainda é noite e continuará sendo por pelo menos mais meia hora - que é o tempo de eu entrar debaixo do chuveiro pra terminar de acordar.

7:00 - Já estou pronto e vestido. Pavlov, o cachorro, sabe disso e já está me rodeando porque ele sabe que isso significa que ele vai passear. Uma das vantagens de ser disciplinado é que cachorros entendem isso muito bem. Cães gostam de rotina - isso faz com que eles se sintam seguros.

7:24 - Eu e Pavlov temos um acordo tácito de por onde vamos passar todo dia de manhã. Ele, naturalmente, alterna entre os múltiplos caminhos rotineiros sem que eu precise interferir. Quando chove eu costumo optar por um caminho mais curto (e seco) - e de forma sobrenatural Pavlov já sabe disso e sai andando pelo trajeto "seco" sem que eu precise dizer uma palavra.

0724

Se você se perguntou "cadê a coleira", boa pergunta. Em Toronto a lei manda que cachorros fiquem sempre de coleira, mas a essa hora nunca tem ninguém na rua mesmo, e se eu encontro alguém eu prendo ele de novo. Além disso, solto assim, fica mais fácil pra Pavlov praticar seu esporte predileto: perseguir esquilos.

7:40 - Hora do café da manhã, que no meu caso é só um punhado de cereal. Enquanto como, eu preparo a "marmita" do almoço e escuto o noticiário matinal da CBC (via TuneIn Radio) - outra das minhas rotinas matinais.

As notícias locais por aqui costumam ser motivo de piada porque nada de relevante acontece em Toronto. No último inverno, por exemplo, a notícia mais marcante da estação foi que os esquilos estavam ficando gordos demais por causa das temperaturas elevadas. Entretanto, neste dia a CBC passou uma entrevista interessantíssima com uma eleitora do Trump - uma canadense, mas com dupla cidadania nos EUA - e comentou de uma campanha brilhante chamada "Tell America it's Great" (diga à América que ela é excelente). Os comentaristas diziam que essa foi a coisa "mais canadense" que eles já viram. Concordei.

(em tempo: fica aqui a menção honrosa à minha Bose Soundlink, a "pequena notável". Comprei usada num site de leilão de produtos devolvidos da Best Buy, paguei uma pechincha, e essa caixinha tem o melhor som que já vi NA VIDA. Sem brincadeira.)

0740

7:55 - Hora de sair de casa e andar até a estação de trem. O frio ainda está bem suportável (10 graus) então basta uma jaquetinha e pronto.

8:07 - Como de costume, o trem vem sempre exatamente na mesma hora.

0807

Coincidentemente eu moro bem do lado da linha de trem expressa que conecta o aeroporto até o centro da cidade. A passagem costumava ser bem salgada, mas como ninguém estava usando o trem, acabaram abaixando a tarifa para acessíveis CAD$ 5. Só pra efeito de comparação, pegar ônibus/metrô iria me custar CAD$ 3, mas eu levaria no mínimo o dobro do tempo.

Ainda no assunto da rotina: como eu saio de casa exatamente na mesma hora e pego exatamente o mesmo trem, eu vejo exatamente as mesmas pessoas na estação todo dia. Tem o gordinho que sempre está assistindo desenho japonês no celular e embaralhando seu baralho de Magic, tem o indiano de terno, tem a loira do cabelo produzido que começou a paquerar um outro cara no trem, tem o "casal assimétrico" (a menina mede 1,50m e o namorado tem uns 2m de altura)...

8:24 - O trem chega na Union Station, a estação central. De lá são mais 10 minutos de caminhada até o trabalho - tudo por dentro dos prédios interconectados do centro, para que as pessoas não precisem andar pela rua quando está tudo congelante lá fora.

Além do clima, o cuidado do canadense com a segurança é tão exagerado que chega a ser engraçado. No caminho do trem até o trabalho eu passo por nada menos do que onze portas corta-fogo. A foto abaixo é logo depois de quando eu passo pela primeira delas.

0824

8:40 - Como o mundo dá voltas. Eu comecei minha carreira como analista de sistemas em um banco, e aqui estou novamente.

Parece a mesma coisa, mas é muito diferente. Os tempos mudaram, e ao invés de uma mesa fixa eu agora trabalho numa "sala de guerra" com o time todo no mesmo local, dividindo uma grande sala de reunião. Isso significa que o tempo todo tem mini-reuniões ou teleconferências acontecendo bem do seu lado.

0945

No início era desesperador tentar trabalhar com dezenas de pessoas conversando ao seu redor - e em inglês, o que aumenta ainda mais a sobrecarga cognitiva na cachola. Mas agora eu já estou (razoavelmente) acostumado. Outra coisa que ajuda é o fato de que a maior parte das estações de trabalho aqui no banco não são fixas e podem ser reservadas online por qualquer pessoa - assim, todo santo dia eu reservo duas ou três horinhas longe da bagunça para conseguir me concentrar.

12:50 - Na minha primeira "temporada" de analista de sistemas eu teria passado a maior parte da manhã procrastinando e vadiando na internet. Atualmente, eu produzo o tempo todo, feliz da vida. Parece aquelas histórias de amor de novela, cheias de desencontros, mas que no fim os protagonistas finalmente descobrem que realmente se amam e foram feitos um para o outro. Eu levei quase uma década flertando com outras carreiras, mas concluí que software é meu amor verdadeiro.

Na hora do almoço, ao invés de sair e ficar duas horas de papo pro ar, eu fiz uma reunião com o meu chefe e ambos almoçamos em frente aos nossos computadores, como é o costume na América do Norte. Abaixo, a minha "marmita" do almoço com uma saudável salada.

1250

13:58 - Hora de mais reunião, dessa vez no Oasis, que não é a banda londrina e sim o nome do refeitório aqui do andar. Hora também de tomar o chá da tarde (porque o café da máquina daqui é intragável).

1358

A tevê está ligada no CP24, o canal "oficial" de toda TV pública daqui de Toronto. O canal é tipo uma "Band News" num mosaico fixo de notícias, clima, trânsito, ações, resultados do esporte, tudo na mesma tela.

17:03 - A vantagem de não parar pro almoço é que quando dá cinco horas... acabou o trampo! É hora de voltar pelas minhas onze portas corta-fogo e admirar o trânsito parado do centro da cidade pelas paredes envidraçadas das passarelas onde passo. De carro eu levaria mais de uma hora pra chegar em casa.

1703

Curiosamente, só porque eu estava registrando este dia pra postar aqui no blog, o trem atrasou uns quinze minutos e veio "lotado". Nessas horas eu acho engraçado o despreparo do canadense pra lidar com imprevistos. Tava todo mundo indignado com as filas e a muvuca nos corredores do trem...

17:48 - Ao chegar em casa, sou amplamente recepcionado por Pavlov. É sempre assim: eu passo oito horas longe de casa e ele se empolga com a minha chegada como se eu estivesse voltando da Segunda Guerra Mundial. Tanto que mal consegui fotografá-lo pra este post...

1748

Além dele eu também reencontro Bethania, que chegou de uma viagem de trabalho para NY. Ficamos os dois preguiçosamente no sofá por umas boas duas horas, que foi o tempo de assistir os Blue Jays perderem o quarto jogo da post season e serem eliminados do campeonato pelo time de Cleveland.

Os jogos foram polêmicos, mas por um motivo bem esquisito: o narrador local recebeu uma carta de protesto de um telespectador de origem indígena, e decidiu que não ia usar o nome do time de Cleveland - chamado "Indians" - na transmissão porque aparentemente isso seria "ofensivo". Teve até um juiz que tentou entrar com um mandato pro time não usar o nome no uniforme e retirar também o seu mascote (um indiozinho pele-vermelha), mas o mandato foi derrubado.

Os torcedores de Cleveland (na foto abaixo), auto-intitulados "a tribo", não parecem se importar com essas coisas.

1847

21:19 - Vale lembrar que eu tou numa vida de "jornada dupla", trabalhando e estudando, então logo depois do jogo, acabou o descanso: hora de ir fazer os trabalhos da faculdade.

Aproveitei a noite pra fechar um trabalho do curso de "game programming" e, ao mesmo tempo, acompanhar o debate presidencial nos EUA.

2119

O debate foi... bem, digamos que meu trabalho tava muito mais interessante. O professor mandou a gente fazer uma fase de um jogo estilo platformer - joguinho clássico, estilo Mario, de sair pulando em plataformas. A fase precisava ter cinco minutos de gameplay e incluir inimigos, pontuação, sons, etc. Durante a aula o professor viu que meu layout pra fase incluía as clássicas plataformas que se movem e me orientou a tomar cuidado porque "plataformas móveis são difíceis de programar". E na hora do vamo ver eu levei menos de uma hora pra fazer com que elas funcionassem ¯\_(ツ)_/¯.

A fase inteira não levou nem dois dias pra ficar pronta. Note que o personagem principal veio "emprestado" do Metal Slug, e os sons são "emprestados" do clássico Doom :)

2200

O código-fonte do jogo (Unity/C#) está no meu Github, inclusive.

23:01 - Depois de concluir toda a minha "lição de casa", hora de dormir e começar tudo de novo amanhã...

Impressões após um ano de Canadá (ou: Retrospectiva 2015)

2015-11-23 03:13:11 +0000

Exatamente no dia de hoje, um ano atrás, tudo que eu e a Bê tínhamos eram seis malas (sete, contando com a do Pavlov), uma passagem e uma vaga ideia do que viria pela frente na vida.

ticket

Muita coisa rolou neste primeiro ano canadense. Muita coisa foi inesperada, muita coisa deu errado, muita coisa foi melhor que o previsto. Mudar de país também mudou muito do que eu pensava sobre um monte de coisas, que é o que eu vou tentar resumir neste (longo) post.

1) O mundo é muito maior do que eu imaginava

Quando eu postei sobre o que me fez decidir sair do Brasil eu fiz um comentário sobre o quanto minha passagem por países diferentes mudou - e principalmente expandiu - a minha visão de mundo. Quanta ingenuidade. Cheguei ao Canadá me achando o Jacques Cousteau da exploração mundial e a cada dia que passa eu vejo que não sei quase nada sobre meu próprio planeta.

No meu bairro, predominantemente negro, jerk deixou de ser só um xingamento e se transformou num delicioso tempero jamaicano. Vendo meus vizinhos, vários deles muçulmanos negros, entendi que o Islã é muuuito maior do que eu imaginava. Quando saio pra andar com o Pavlov tenho que tomar cuidado com as mulheres que usam niqab (aquela roupa que cobre o corpo inteiro), porque meu cachorro é um ser impuro na crença delas. E estou quase aprendendo a diferenciar o turbante dos muçulmanos do turbante dos árabes e o dos Sikh.

No Brasil tem o nordestino, o gaúcho, o mineiro, e cada um tem lá sua cultura e costumes diferentes - vários países dentro de um só. Na Índia é tipo isso, mas umas trinta vezes mais zoado: cada estado tem uma língua diferente, uma religião diferente, é uma bagunça completa. Entre os meus colegas, os sobrenomes "Kaur" e "Patel", de tão comuns, já soam como "Costa" e "Silva".

O lado asiático parou de ser apenas dividido em "chinês/japonês" e incorporou o malaio, o filipino, o coreano, e o vietcongue com sua língua maluca que parece onomatopéia pra comida ("nhom nhac" em vietcongue significa "banda de música"). Falando em comida, essa é outra vantagem da expansão asiática: o lamen, por exemplo, virou ramen e ganhou variações coreanas (bi bim bap) e vietnamitas (pho). O curry deixou de ser só aquele pozinho amarelo de sabor único: os supermercados tem prateleiras e mais prateleiras de curries em pasta e em pó, e agora estou indeciso se o tikka masala é melhor que o korma. E a minha geladeira tem um frasco de meio litro de sriracha.
sriracha

Viver em Toronto é experimentar uma espécie de ultramulticulturalismo que eu nunca imaginava encontrar no ocidente.

2) Inglês fluente é só o começo

Modéstia às favas, meu inglês sempre foi muito acima da média do que no Brasil se considera "fluente". Aí cheguei aqui e passava apertado pra falar ao telefone porque não tinha a "leitura labial" pra me ajudar a entender. Quando a tevê dava a previsão do tempo eu me perdia em frases tipo "overcast above freezing in the single digits" ou com todos os novos tipos de neve (slush, flurries...). E a situação do tráfego, com o monte de nomes de ruas e regiões que eu não conhecia, soava como a professora dos desenhos do Charlie Brown.

weather

Mas com o tempo o seu ouvido vai se acostumando... e então começa o longo processo de reaprender as cores e os pesos das palavras, tão naturais no português, completamente misteriosos na sua nova língua. Um exemplo: eu ficava incomodado quando ia a um restaurante, o garçom me perguntava se eu queria alguma coisa, eu dizia que não e ele me trazia a conta. Custei a entender que o motivo era o "I'm done" que eu dizia quando havia terminado de comer - mas que na verdade significa que eu estou encerrando a refeição.

Toda língua tem sua poesia interna e nenhum livro pode explicá-la.

3) Como é bom o anti-jeitinho brasileiro!

Em outubro, como presente de aniversário, eu me dei uma visita à Art Gallery of Ontario. Quando eu e Bethania chegamos no museu, fui ao caixa e pedi duas entradas, uma delas de estudante.

Como de costume, o cara não me pediu nenhum documento para comprovar meu status de estudante, pois aqui se parte do princípio de que a pessoa está agindo de boa fé. Mas, não satisfeito em me vender uma entrada de estudante, o caixa pergunta pra Bethania:

- Você é estudante também, certo?
- Err... não, não sou - disse Bethania.
- Vai, me ajuda aí. Vou perguntar de novo: você é estudante também, né?
- Bem, e-eu tou fazendo um curso de inglês...
- Pronto, tá aí! Duas entradas de estudante! É que o museu fecha daqui a duas horas, não faz sentido você pagar o preço cheio. Aproveitem!

Toda vez que isso acontece - e é com uma certa frequência que isso acontece - eu sinto uma paz que eu jamais senti no Brasil, a paz que vem da sensação de que, finalmente, eu vivo num lugar onde eu não preciso ficar o tempo todo tomando cuidado pra que ninguém se aproveite de mim. Na verdade, a preocupação agora é garantir que eu estou fazendo o mesmo com as pessoas que me cercam, em todos os momentos. No metrô, por exemplo, eu tomo muito cuidado para não me distrair ouvindo música ou mexendo no telefone, pois pode ter alguém atrás de mim querendo entrar ou sair do vagão e eu não quero que a pessoa passe pelo incômodo de me pedir licença. Outro dia, ao andar com o cachorro no parque, me peguei recolhendo lixo que os outros deixaram no chão. E desenvolvi um ato reflexo de sorrir automaticamente pra todo mundo que fala comigo. O que nos leva ao ponto 4...

4) A todos os garçons brasileiros: me desculpem

Esse ponto é meio polêmico, mas eu preciso falar dele.

Um ponto crucial para entender o Canadá é o fato de que a pirâmide social por aqui é extremamente achatada. No Brasil, quando você diz que alguém é pedreiro, marceneiro, encanador ou garçonete, a ideia que vinha na minha cabeça ignorante era que a pessoa ganha um salário baixo e trabalha em um subemprego. Aí eu me mudei de hemisfério e - surpresa! - não tem mais subemprego: um motorista de ônibus em Toronto, por exemplo, ganha uns cinco mil dólares por mês (quase R$ 15 mil, no câmbio de hoje). Policiais, professores, bombeiros e enfermeiros chegam a ter salários médios de - e aí eu preciso escrever em caps lock - CEM MIL DÓLARES POR ANO. É o mesmo salário de um médico. Moral da história: por aqui, toda ocupação é suficientemente remunerada para que a pessoa tenha uma vida digna. Não tem emprego bom ou ruim: se você contribui para a sociedade com trabalho honesto e legal, você é um bom cidadão.

Logo que cheguei ao Canadá uma das coisas que estranhei foi o tanto que os garçons daqui te dão atenção. Eles se apresentam, sorriem, te explicam o menu todo, fazem uma ou duas brincadeiras pra amenizar o clima, te perguntam o tempo todo se você está precisando de alguma coisa, etc. Não é uma relação comercial, e sim uma relação pessoal. Você não é um cliente, você é uma pessoa como ele ou ela é. E aí eu percebi que meu estranhamento não vinha do fato deles estarem me dando atenção, e sim do fato de que eu é que não dava a devida atenção aos garçons brasileiros. Não cheguei ao extremo de maltratar ninguém, obviamente, mas sabe quando você nem olha pra cara da pessoa, simplesmente faz o seu pedido sem incluir um por favor ou um obrigado? Verdade seja dita, eu me relacionava com aquela pessoa como se ela fosse menos pessoa do que eu.

Admitir isso é algo extremamente vergonhoso pra mim, mas é a mais pura verdade. E, após conversar com alguns outros expatriados e ver que vários deles ficam perplexos porque "o pedreiro daqui ganha bem", eu acho que preciso tornar pública essa reflexão. E, como na vida a lei do karma é coisa séria, chegamos ao ponto 5...

5) Agora eu sou minoria

Na semana que comecei a escrever este post me ocorreu uma história bem apropriada para esta questão.

Dentre todos os colegas que fiz na faculdade, apenas um é canadense de nascença. Ela se chama Winnie e, apesar de ter nascido aqui, é filha de chineses. Ela é tipo uma versão asiática da Phoebe do Friends: é toda voada e cheia das manias estranhas. Mas é super gente boa.

Há algumas semanas tivemos um feriado bem no meio da semana e eu combinei com ela e com um outro amigo para almoçarmos juntos. Fomos a um rodízio de comida japonesa, bom e barato, no bairro dela mesmo. Depois de nos empanturrarmos de sushi ela comentou que ia pra casa de ônibus e, como bons mineiros (e os únicos de carro), eu e a Bê nos oferecemos pra dar carona pra ela. Depois de muuuuita insistência e de ela ligar pros pais pra confirmar, ela deixou a gente deixá-la no ponto de ônibus mais próximo da casa dela porque, por algum motivo, ela não queria que a gente soubesse exatamente onde ela morava. Até aí tudo bem, botei isso na conta de "a Winnie tem lá suas manias estranhas" e deixei pra lá.

Acontece que o lugar onde faço estágio no centro de Toronto é a um quarteirão do lugar onde ela trabalha, então a gente se encontra pra almoçar toda sexta-feira. Numa dessas sextas, papo vai, papo vem e eu voltei no assunto do nosso almoço de quarta e por que ela não deixou a gente levá-la em casa. Surpresa: ela disse que os pais dela não confiam em latinos, porque tem o estereótipo de que não somos confiáveis, e ela não quis desagradar os pais.

Eu queria muito que essa fosse só uma história isolada, mas outro dia mesmo eu estava saindo do Walmart e vi uma senhora carregando várias sacolas com bastante dificuldade. Me ofereci pra ajudar, ela recusou mas ficamos batendo papo no ponto de ônibus. Cinco minutos de conversa depois e a gente ia comentando da bagunça que estava o Walmart quando ela me solta essa pérola:

- Sabe, eu sou cristã e não é com preconceito que eu falo isso, mas aqueles funcionários negros do Walmart são muito mal educados!

Moral da história: a questão do preconceito é bastante delicada por aqui. Mas eu continuo crendo na boa-fé do canadense e confiando que esses são casos isolados pois, felizmente, tenho um monte de contra-exemplos onde me tratam super bem. E, formalmente, Toronto é super liberal e inclusiva.

Mas mudemos pra um assunto mais alegre...

6) As quatro estações (não são mais um disco do Renato Russo)

Por algum motivo eu sempre quis experimentar como é isso de morar num país com as estações certinhas, igual eu via nos livros de geografia. Parece uma bobagem, mas ver as estações passar dá toda uma nova poesia pra vida.

Ao longo do ano eu tirei umas fotos da vista da minha janela e fiz a montagem aí embaixo (clique para ampliar).

FourSeasons1200

No inverno a encrenca não é só o frio: o que mais me incomodou é que o sol começa a nascer lá pelas 8 da manhã e lá pelas 5 da tarde já está completamente escuro de novo. Acordar cedo pra ir pra aula, com a temperatura em quinze graus negativos e com uma escuridão total na rua é de lascar. Outra chatice são as calçadas e ruas escorregadias. Mesmo depois que você se acostuma a dirigir no inverno, pegar estrada sempre é meio tenso. Os animais todos se escondem ou migram pra lugares mais quentes, e as pessoas naturalmente evitam passar muito tempo na rua. Some-se a isso o fato de que a neve é um ótimo isolante acústico e o resultado disso é o que eu mais gosto no inverno: o silêncio. É indescritível a quietude que o mundo ganha nos meses mais gelados do ano.

winter2

Uma peculiaridade importante do Canadá: aqui não existe a profissão de frentista. Abastecer seu carro no frio de menos trinta graus não é nada divertido...

Em março, quando você já não está aguentando mais passar tanto frio, chega a primavera. Cara, a primavera é um troço completamente mágico: Os troncos de árvore que passaram meses sob temperaturas desumanas e que você já dava como mortos começam a ganhar folhas sabe-se lá Deus como. Os gramados dos parques e das casas ressurgem de repente e se enchem de florzinhas amarelas (dentes-de-leão, super comuns por aqui). Os dias vão ficando progressivamente mais longos e ensolarados, e você passa a comemorar temperaturas de dois graus positivos como se fosse clima de ir pegar praia. Os restaurantes começam a reabrir os seus pátios, os repórteres do noticiário da tevê ficam mais animados para dar as notícias, todo mundo sorri na rua... do jeito mais post de auto ajuda do Facebook possível: primavera é VIDA.

park

O verão é quente mesmo, nível Brasil de quentura, mas com muito menos chuva - o que é ótimo. A cidade fica em polvorosa nessa época e tem evento pra tudo que é canto, tem shows, tem feiras, tem exposições, as pessoas lotam os parques, os pátios, as ciclovias, ninguém quer ficar dentro de casa - a não ser que seja pra escapar um pouco da suadeira debaixo do ar condicionado. Os dias longos te enchem de energia: às cinco e meia da manhã já tem sol rachando lá fora, e ele só se põe às 9 da noite. A galera capricha também na decoração dos jardins - as casas se enchem de lírios e outras flores coloridas. No verão o Canadá vira um outro país. Pra você ter uma ideia da diferença, o espelho d'água na foto abaixo, que fica em frente à prefeitura, é o mais famoso ringue de patinação no gelo da cidade.

nathanphilips

O que fecha o verão não são mais as "águas de março", e sim o outono. Para compensar o retorno do frio, a chegada de uma chuva chata e constante, e o retorno dos dias progressivamente mais curtos, você é recompensado pelo espetáculo que são as árvores mudando de cor e desfolhando.

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Até os feriados da época são apropriados: primeiro tem o thanksgiving onde você agradece tudo de bom que rolou até então, e depois vem o remembrance day. Nesse dia - o dia 11 do mês 11, precisamente às 11 horas e 11 minutos, os ônibus e o metrô param, todo mundo para o que está fazendo, e todo mundo faz um minuto de silêncio para os soldados que morreram na guerra. E ao longo do mês muita gente usa a tradicional florzinha de papoula vermelha na roupa.

 

7) E o lado ruim do Canadá?

Porque sim, apesar de eu me desdobrar em elogios toda vez que me perguntam sobre a vida em Toronto, aqui também tem lá as suas canseiras.

Uma delas é o transporte público, que está defasado em uns 10 anos. Pra começar, ele é fortemente baseado em ônibus - que, justiça seja feita, são ótimos, tem motores híbridos (diesel/elétrico), todos tem rack para bicicleta, todos tem rampa para cadeira de rodas... mas que são muuuuuito lentos por causa da quantidade de pontos de ônibus espalhados nas ruas. Pra você ter uma ideia, a velocidade média do ônibus que pego todo dia pra ir ao trabalho é de 12km/h. O metrô seria mais rápido, mas Toronto tem míseros 68km de linhas interligando a cidade (São Paulo tem mais de 330km).

Outra chatice é não poder comprar cerveja no supermercado: bebida alcoólica é fortemente regulada e só é vendida em duas lojas (Beer Store - dã! - e LCBO). Beber ao ar livre pode, mas só em áreas licenciadas e fisicamente delimitadas. É comum você ir a um show ou uma feira e ter um "cercadinho" onde as pessoas podem beber.

A Bê me lembrou outras coisas complicadas:

  • O sistema de saúde. Sim, ele funciona e é gratuito, e o Canadá é pioneiro mundial em várias áreas avançadas da medicina (transplantes, por exemplo). Mas pras coisas simples, como fazer um exame de sangue ou comprar seu anticoncepcional, você precisa obrigatoriamente passar por uma consulta médica demorada e inútil. E o padrão da medicina daqui não é nada preventivo: o foco é tratar a doença depois que ela acontece.
  • As festas e a vida noturna. Não tem jeito: ninguém sabe fazer uma boa festa como os brasileiros sabem. As festinhas de escritório então, para aniversariantes, aposentados e etcetera, são desesperadoras. E nem vou comentar o quão ridículo é ver o norte-americano tentando dançar...
  • A tevê. Tirando as minisséries, a programação da TV aberta é praticamente inassistível.
  • O comportamento passivo-agressivo do canadense. Pra gente da cultura latina o normal é sempre deixar claro o que se está sentindo - o que inclui armar eventuais barracos. Já o canadense é reservado e estereotipicamente bonzinho, portanto a sua agressividade é velada e passiva e, portanto, intensamente tóxica. Eu nunca vou me esquecer de um domingo, logo que cheguei, quando eu estava procurando vaga pra estacionar num shopping lotado e, sem querer, "roubei" uma vaga de um cara. Ele passou com o carro do meu lado, me olhou do jeito mais desprezível que existe e disse: "Você sabe dar seta? Pois é, deveria usá-la mais vezes então".

Mas o principal problema canadense é, sem sombra de dúvida, o inverno. Viver fica bem mais complicado quando você tem boas chances de morrer congelado se sair na rua despreparado.

8) Conclusão?

No post sobre o que me fez decidir sair do Brasil eu usei uma frase bastante peculiar sobre a minha relação com o país:

E aí eu e o Brasil ficamos muitos anos nesse casamento de aparências: não temos nada a ver um com o outro mas estamos aí, juntos.

Pegando carona nessa mesma analogia, esse primeiro ano de Canadá tem sido como aquele primeiro ano de namoro (a chamada "fase rosa") onde tudo é alegria. As minhas suspeitas de que "a gente tem tudo a ver um com o outro" estão todas se concretizando. Mas eu estou tentando não me apegar enquanto o outro lado não demonstrar que quer mesmo compromisso - em outras palavras, meu visto tem data pra acabar.

De qualquer forma, mesmo se der tudo errado e eu precisar voltar ao Brasil, o que eu traria comigo é um sentimento que esta estadia canadense tem me demonstrado e que, por uma série de motivos, eu nunca aprendi a cultivar: a gratidão. Acho que essa é a principal herança do ano de 2015 e vou me esforçar pra conservá-la - com ou sem thanksgiving.

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Retrospectivas anteriores:

2014 (não teve) - 2013 - 2012 2011 2010 2009 (b) – 2008 2007 2006 2005

A saga do primeiro estágio canadense

2015-09-03 02:29:06 +0000

A principal razão que orientou a minha escolha de faculdade aqui no Canadá não foi qualidade de ensino (que nem tá aquelas coisa toda), e sim a perspectiva de voltar logo pro mercado de trabalho. Foi por isso que escolhi um curso que alternava entre semestres de estudo e do tal "co-op", que é um semestre onde você faz estágio em alguma empresa. A treta é tão séria que a preparação pro co-op é assunto de uma das matérias do curso, com professor e nota e tudo.

Imagina, cara. Eu, já tendo um bacharelado no currículo, anos de experiência de trabalho, e morando num lugar onde tem Google, IBM, Microsoft, Amazon e um monte de empresa massa pra estagiar... eu não via a hora de chegar a hora do co-op.

Acontece que a minha procura por estágio foi mais ou menos assim...

tumblr_nr7uzhXSkQ1s2yegdo1_250Parte 1: De como fui indicado pra uma vaga no Google

 

Logo que começou a procura por trabalho eu não quis nem saber e comecei mirando alto: pesquisei as empresas onde eu queria trabalhar e fui descobrir como estagiar nelas. Naturalmente, a primeira empresa da lista era a primeira de 11 entre 10 engenheiros de software: o Google. Mas eu sabia que simplesmente jogar meu currículo no RH deles não seria suficiente, então tentei apelar para o meu networking e, sem o menor pudor, acionei tudo que era contato do Google que eu tinha no LinkedIn e demais redes sociais.

A chance era mínima, mas deu certo - um antiquíssimo conhecido do Twitter (sempre o Twitter!) encaminhou minha indicação e o RH de lá entrou em contato comigo. Fiquei empolgadíssimo.

A empolgação durou só uns três emails, onde eu e a mocinha do RH tivemos mais ou menos o diálogo a seguir:

- Recebemos o seu currículo, mas as vagas de estágio são para quem está cursando um bacharelado.
- Eu sei - respondi, cordial. O meu curso atual me dá como título um "advanced diploma", mas eu já sou bacharel em Ciência da Computação, então creio que eu mais do que satisfaço as condições para esta vaga.
- Sim, mas as vagas são só para quem está em um curso que concede um bacharelado no fim.
- Entendo - insisti eu. Mas veja bem, eu já tenho o título de bacharel. Na verdade, no final do meu curso eu vou ter mais do que o que você pede pra vaga.

É claro que não deu certo. Mas não desanimei, afinal, na paralela do Google eu estava uma metralhadora de currículos, aplicando pra tudo que era vaga de desenvolvimento de software que eu via pela frente. Era questão de tempo até começarem a aparecer as entrevistas, pensava eu.

Parte 2: O silêncio do inbox

Todo dia, depois da aula, eu chegava em casa, pesquisava as vagas de estágio, separava as que interessavam, editava meu currículo para cada uma delas e escrevia uma carta de apresentação para cada uma delas - e só após passar uma ou duas horas pesquisando sobre a empresa na internet para personalizar a carta e demonstrar o maior interesse possível.

Enquanto isso, meus colegas iam recebendo os convites pra entrevistas. "É questão de tempo, daqui a pouco vão me ligar", pensava eu. Os meus colegas começaram a ser contratados pras vagas onde fizeram entrevistas. Eu continuava mandando currículos, às dezenas, e... nada.

Algo errado com meu currículo, talvez? Não podia ser: ele foi formalmente avaliado pela "professora" do curso de co-op e eu tirei a nota máxima tanto pra ele quanto pra minha carta de apresentação. De fato, ele tava fuderoso: tinha meu GPA(1) altíssimo, tinha meu site, meus projetos pessoais, tinha minha experiência profissional canadense, tava lindão. Ainda assim marquei uma segunda reunião com a professora pra reavaliar o CV e ela continuou falando que tava bom. Os meus colegas contratados também revisaram meu material e também ficaram sem entender por que não me ligavam pra fazer entrevista. "Você é mais bem preparado que eu pra essas vagas", disse um deles.

Um dia, tarde da noite, frustrado, abri meu currículo pela décima nona vez e, no meio da trigésima sétima revisão, me bateu um palpite bem maldoso. Mas achei que valia a tentativa. Decidi tirar duas coisas do CV:

  • O link pro meu site pessoal
  • O local onde fiz faculdade fora do Canadá - ou seja, tirei a palavra "Brasil" do CV.

Subitamente, o telefone começou a tocar e as entrevistas começaram a aparecer. Chegou ao ponto de me ligarem até depois que eu tinha sido contratado. Eu quero muito crer que a culpa era do meu site, e não do meu país de origem, mas acho que jamais saberemos...

Parte 3: As entrevistas

Ah, as entrevistas. Teve de tudo: tive que debugar scripts PHP no "bloco de notas" de um Mac com teclado desconfigurado, tive que escrever função recursiva pra imprimir árvore binária no campo de chat de texto do Skype, tive que programar à lápis em papel... e teve também as cagadas, tipo quando uma das entrevistadoras me perguntou:

- Que sites você lê pra se manter atualizado sobre tecnologia?
- Bem, eu leio bastante coisa. Atualmente eu ando acessando muito o Hacker News...

Mas ao invés de encerrar aí a resposta, eu fui tentar bancar o bonitão:

- ...mas esse é bem comum, todo mundo lê.
- Pelo visto eu não sou "todo mundo" - respondeu a entrevistadora, com uma justificadíssima cara de cu.

Lá pela quarta ou quinta entrevista eu, finalmente, fui pegando o jeito. Mesmo porque o semestre de aulas estava acabando e eu precisava arrumar um estágio. O sarrafo de seleção de vagas já tava lá embaixo: eu tava mandando CV até pras vagas de - gasp! - gerente de projeto. E então, finalmente...

Parte 4: A contratação

No último post eu comentei que tenho um lema de vida de que: "expectativas levam à desapontamentos". Lembra de quando eu comecei a caçar meu co-op, que eu tava pensando em Google e IBM? Acabou que nenhuma empresa quis me contratar.

A única vaga que me ofereceram foi no serviço público, numa divisão do Ministério da Justiça de Ontario. Em circunstâncias normais eu jamais mandaria meu CV prum lugar desses, mas a vaga pedia gente com experiência em desenvolvimento web, então lá fui eu, com a esperança de que pelo menos um Javascriptzinho eu ia fazer.

Como desgraça pouca é bobagem, eu ainda tive a desagradável surpresa de pedir pra minha futura chefe detalhar um pouco mais as responsabilidades da vaga, e eis que me chega uma lista que incluía coisas do tipo:

  • Instalar e configurar as impressoras da equipe
  • Manter o inventário dos equipamentos
  • Realizar manutenção dos cabos e equipamentos de rede, etc

Eu comecei meu semestre falando com o RH do Google e terminei prestes a virar instalador de Windows.

larrymossExpectativa (esq.) vs. realidade (dir.). De fato, meu cabelo tá mais parecido com o do Moss...

Parte 5: o fim?

Talvez vocês tenham a impressão que eu tou mais fudido que a Dilma, que tá tudo dando errado e que tou chorando até dormir todo dia. Mas é exatamente o contrário. Se segura pro momento filosófico do post.

Aquele papo de "expectativa leva ao desapontamento" parece papo de pessimista, mas na verdade tem um viés inacreditavelmente positivo, que é o de tirar a sua cabeça do futuro (ou do passado) e botá-la de volta onde importa, que é o presente. Sonhar em estagiar no Google não adianta nada. Arrumar alguém pra te indicar pro Google é que pode fazer toda a diferença. No meu caso não fez, mas mesmo assim eu colhi vários efeitos colaterais da minha mini-obsessão em descobrir como as empresas contratam desenvolvedores. Descobri que tem um monte de empresa que imita o processo do Google. Descobri até que tem livros especializados em preparação para entrevistas de vagas para programadores. Pro meu próximo semestre de co-op, ao invés de chegar esperançoso, eu vou chegar é muito mais bem preparado.

Outro ponto importante é que, depois de levar muita porrada da vida, a gente aprende que sofrimento e infelicidade são duas coisas completamente diferentes. Eu já comentei aqui da Marina Abramovic, que diz que "você não cresce quando está fazendo o que gosta". Quando fiz todo esse meu movimento de largar tudo e vir pro Canadá recomeçar uma carreira inteira eu não tinha expectativa de que seria fácil. E eu não alimento ilusões de que vai dar certo, por mais que eu trabalhe duro sempre tem um elemento fora do seu controle(2) e não tem nada que você possa fazer se a vida escolher não sorrir pra você. E no fim dela, ainda por cima, você vai estar morto. Então a única alternativa é extrair satisfação do seu próprio esforço, dar o seu melhor todo santo dia, e o que vier daí é isso mesmo, bom ou ruim.

Mesmo porque de vez em quando vem coisa boa. Por exemplo: esta semana eu comecei o meu bendito estágio de servidor público e - surpresa! - eu tou autorizado pela minha chefe a recusar demandas de TI, porque eles contrataram um help desk terceirizado justamente pra isso e querem usar meu tempo pra projetos mais interessantes. Mas, como de costume, não vou criar muita expectativa :)

Posfácio: Deus abençoe a Rainha

Como governo é igual em todo lugar do mundo, hoje é quarta e ainda não terminaram toda a papelada da minha contratação. No entanto já passei por uma etapa bastante importante: diante do meu gestor e de duas testemunhas, eu, solenemente, proferi o seguinte juramento de lealdade:

Eu juro que serei fiel e portarei lealdade verdadeira à Sua Majestade Elizabeth II, Rainha do Canadá, e seus herdeiros e sucessores. Com a graça de Deus.

Sem brincadeira. Isso foi, sem dúvida, a coisa mais fantástica de toda a minha carreira profissional.

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(1) GPA significa Grade Point Average - a média das suas notas. A minha é altíssima: 4.3, de um máximo de 4.5. Se eu me formar com essa média eu me formo com "high honors", inclusive.

(2) Essa semana mesmo, para a mais profunda ironia do destino, deu na imprensa que o Canadá entrou em recessão. Saí da frigideira pra cair na fogueira :)

Impressões sobre a mídia canadense

2015-04-24 01:18:49 +0000

Recentemente me toquei que este foi meu primeiro ano sem ouvir falar em Big Brother e sem ouvir a bendita musiquinha da Globeleza - o que me lembrou que não comentei nada sobre a tevê canadense até agora.

Mas isso é fácil: basta dizer que a mídia daqui é tão esquisita que chega a ser fascinante.

Os canais abertos: TV para a terceira idade

A sensação é que o público-alvo da tevê aberta por aqui é apenas de pessoas de mais de 60 anos, porque toda a programação tem uma vibe senil, de final de domingo. Os game shows estilo Programa Sílvio Santos estão em toda parte, de segunda à sexta. O Wheel of Fortune, de onde nasceu o "Roletrando", passa até hoje. No domingo de manhã a CBS tem um programa chamado "Sunday Morning" que parece que está sendo transmitido diretamente de 1986. Sente o drama:

https://www.youtube.com/watch?v=llTs8ajr9t0

A coisa só moderniza no final do dia, quando o público jovem volta do trabalho/escola e as séries estilo canal Sony dominam a faixa das 8 às 10 da noite.

As notícias são mais ou menos como no Brasil: passam de manhã, no fim do dia e no late night (10 da noite, já que o povo janta às sete). As notícias da manhã são, obviamente, totalmente concentradas no clima; de dez em dez minutos tem previsão do tempo. E, acredite, precisa mesmo.

Quanto aos esportes, bem... para um país com tanta liga profissional de tanto esporte diferente, achei que fosse vê-los todo santo dia. Mas, surpresa: passa bem pouco esporte na TV aberta, possivelmente porque o cabo paga caro pela exclusividade de vender pacotes com a transmissão dos jogos. O torontoniano que quer ver o Maple Leafs na NHL, por exemplo, tem que desembolsar 130 dólares pra comprar o half-season pass, e ainda assim não terá direito a ver os jogos jogados em Toronto. Não duvido que num futuro não muito distante no Brasil isso passe a acontecer...

A TV a cabo: tudo e nada ao mesmo tempo

Sobre a TV a cabo não tenho como opinar direito. A assinatura é muito cara e não compensa, portanto aqui em casa assistimos apenas os canais abertos e o resto é Netflix e demais streamings via Roku. Mas tive uma amostra da TV a cabo nos primeiros dois meses da mudança, quando morei nos AirBNB da vida. A programação me pareceu, obviamente, menos senil, mas como em todo cabo você é obrigado a pagar por canais estapafúrdios, como o The Fireplace Channel - que, sim, é apenas a imagem de uma lareira, 24 horas por dia.

A modinha dos reality shows continua firme e forte, chegando às vezes a uns extremos do tipo "Master Chef com criancinhas" (é sério) ou o assustador Beyond Scared Straight: crianças rebeldes que querem crescer e virar gangsters são levadas à prisões de verdade e colocadas com criminosos reais, que fazem a maior cena pra matar as crianças de medo de ir pra cadeia. É tortura psicológica feita com o consentimento dos pais, do Estado e explorada comercialmente na tevê. Achei triste.

https://www.youtube.com/watch?v=-MfjWBhoM2k

Os inacreditáveis comerciais da América do Norte.

Meu amigo, minha amiga, nada poderia me preparar para os intervalos comerciais daqui. Pra começo de conversa, mais da metade das propagandas é de serviços de advocacia duvidosos estilo Better Call Saul, com propagandas cheias de trocadilhos hilários tipo "Don't wait, call 888-8888!" ou o meu preferido: "hurt in a car? Call William Mattar!".

https://www.youtube.com/watch?v=Eg3JDrwa7U8

Aí vem as propagandas de remédio que, aparentemente por alguma questão jurídica, são obrigadas a conter uma enorme lista de efeitos colaterais e alertas que transformam os comerciais em inacreditáveis shows dadaístas: os atores estão lá, vivendo sua vida tranquila, passeando de barco no pôr-do-sol, e o narrador falando que o remédio pode causar úlceras, tontura, degeneração óssea, convulsões e morte.

https://www.youtube.com/watch?v=HMSv0GtzCDk

Já no cabo o nível das propagandas melhora por um lado e piora por outro: a boa notícia é que você esbarra com exemplos notáveis de boa publicidade que há muuuuuuuuito tempo eu não via, como essa propaganda de whiskey.

https://www.youtube.com/watch?v=1wlmwj765WM

A má notícia é que o cabo inclui anunciantes locais, e parece que a galera dos canais não tem nenhum pudor (ou controle de qualidade) pra passar coisas tipo o cara que compra ouro:

https://www.youtube.com/watch?v=NSQVVHyvOZU

E as piratarias?

Bom, aqui e nos EUA tem aquelas histórias dos estúdios de Hollywood processando pesado os piratas e tal. Como eu sempre faço tudo certinho nunca me preocupei com isso.

Até que um dia eu fui ver o Game of Thrones novo - tudo certinho, usando a assinatura da HBO que comprei pelo Sling.tv - e tava tudo congestionado e não consegui assistir. Aí fiquei meio revoltado e baixei o episódio pelo torrent. Baixei com a consciência tranquila, afinal eu paguei pelo bendito conteúdo.

Dois dias depois recebi um email do provedor com o assunto "copyright infringement". Lição aprendida...

Vida de estudante

2015-01-28 17:10:15 +0000

Acabou que eu ainda não falei nada sobre a minha nova vida como calouro de faculdade.


'Hello! My name is...'

Toronto é a cidade mais multicultural do mundo, e a faculdade onde estudo é famosa por acomodar muitos estudantes internacionais. Resultado: na minha sala 70% dos colegas são indianos, uns 20% são asiáticos e nos 10% restantes tem gente de lugares bem incomuns como a Guiana ou Barbados. E dois brasileiros - contando eu.

Isso gera um problema sério quando você tenta decorar os nomes dos seus colegas e eles se chamam (exemplos reais):

  • Guashti
  • Krutika
  • Jaswinder
  • Amrita
  • Divyeshkumar
  • Ashish

No caso do 'Ashish' eu sempre levo um susto na hora da chamada porque acho que o professor está falando de drogas.

Pra simplificar um pouco, os professores costumam perguntar se a pessoa prefere usar um nickname em inglês. Aí a chinesa que se chama "Yi Won He" vira "Becky", por exemplo. E como é você que escolhe seu próprio nickname sempre tem aquela pessoa que se empolga. Tipo um indiano da minha turma de College Communications: o professor perguntou qual nickname ele queria usar e ele não pensou duas vezes.

- Pode me chamar de "Jewel".
- Err.. você quis dizer "Joel"? - pergunta o professor, confuso.
- Não não. "Jewel".
- Ah, "Jewel" tipo... pedras preciosas?
- Isso mesmo.
- Bem, não sei se você sabe, mas "Jewel" é um nome feminino... se você achar melhor pode escolher um outro.
- Não, eu quero "Jewel" mesmo. Eu gosto de coisas brilhantes e valiosas.

Essa história dos nomes, além das piadas, rende também um conhecimento extra sobre geopolítica. Por exemplo: tem um monte de indianos com o sobrenome "Patel" - que é tipo o "Silva" da Índia. Outro dia perguntei a dois deles se eles eram parentes (de zoeira) e eles ficaram meio incomodados. O motivo é que, segundo eles, nenhum "Patel" quer ficar na Índia. Aí eles tentam imigrar para os EUA e rola um boato forte que se o consulado americano ver o sobrenome Patel num passaporte o visto é automaticamente negado.


Desenvolvendo sistemas com malemolência

Curso de engenharia de software tem sempre aquele aula separada em "teoria" e "laboratório", onde no laboratório você escolhe um sistema pra passar o semestre todo desenhando. E é sempre um sistema suuuuper emocionante, tipo controle de estoque. Mas dessa vez o professor deixou a turma sugerir o que queria fazer - e criou um sistema tipo speed dating onde todo mundo faz rodízio com todo mundo em conversas de dois minutos pra tentar "vender o peixe" da sua ideia.

Era a chance de ouro de eu ter um semestre menos tedioso. Mas pra isso eu precisava parir, em tipo cinco minutos, uma ideia divertida, não muito complexa, e que pudesse empolgar universitários tímidos e expatriados em uma conversa de dois minutos.

A solução saiu do próprio problema: já que estávamos prestes a fazer um speed dating, resolvi propor um site de namoro exclusivo para a faculdade :)

Funcionou perfeitamente. Todo mundo caía na risada quando eu contava a minha ideia e, no fim, ela acabou entre as mais bem votadas.

Na semana seguinte tivemos a aula teórica da mesma matéria, com o outro professor (que, pra variar, é indiano), e ele pediu aos grupos pra apresentar os projetos escolhidos no laboratório. Quando terminei de contar do site ele sorriu com o canto da boca e perguntou:

"Você é da américa latina, não é?".


A redação de hambúrger

Eu não sei dizer por que os latinos (e demais povos com "sangue quente") são mais criativos que a média - mas uma coisa que está ficando mais clara são os motivos pro norte-americano ser tão tedioso e previsível.

Meu curso tem uma aula de College Communications, que nada mais é que um curso de inglês/redação para estudantes internacionais. Cheguei na aula interessado, já que nunca tirei boas notas na parte de writing dos testes de inglês que fiz e queria entender o motivo.

Logo no início o professor foi explicando as partes que compõem a tal da essay: introdução, desenvolvimento, conclusão... nada de novo. De repente - e para meu completo desespero - a estrutura do texto começou a ser completamente esquartejada em um monte de caixinhas cheias de regrinhas descrevendo minuciosamente como as frases devem ser e como os parágrafos devem começar e terminar.

Assim sendo, seu texto deve ser escrito no formato essay hamburger (sem brincadeira, várias escolas usam mesmo essa analogia com os alunos):

essayburger

Tem tanta regra que, semana passada o professor gastou três horas de aula explicando como deve ser o thesis statement: a frase que explica sobre o que o seu texto vai falar. Três horas de aula sobre uma frase.

Aqui, escrever uma redação ou ensaio é praticamente a mesma coisa que preencher um formulário. Não tem espaço pra inventar moda. Tem que seguir o padrão. Aí eu entendi o motivo dos meus textos terem notas ruins nos testes de inglês: eu servi um prato com arroz e feijão, cheio de tempero, achando que estava arrasando, e eles queriam o hambúrger.

Agora, me diz: como é que a criança norte-americana desenvolve alguma espontaneidade crescendo numa cultura onde até as atividades básicas de criação são cheia de regras?

Impressões do primeiro mês de Canadá

2015-01-13 04:21:59 +0000

Imóveis: tem, mas acabou

Eu achava que o mercado imobiliário de São Paulo era difícil - até procurar um lugar pra alugar em Toronto.

O problema principal não são nem os preços (obviamente altos), e sim o fato de que a taxa de desocupação dos imóveis na cidade não chega a 2%. Isso, casado com uma demanda muito grande, faz com que os bons imóveis que ficam disponíveis pra alugar sejam ocupados em questão de HORAS. É tipo procurar vaga pra parar o carro no shopping na semana antes do Natal.

A treta é muito séria. Logo no começo da procura eu e Bethania visitamos uma casa linda às quatro da tarde de um sábado, com a antiga locatária lá ainda, encaixotando as coisas pra se mudar. No domingo de manhã, quando eu estava mandando a minha application pra ficar com a casa, ela já tinha sido alugada.

A busca por um novo lar só não foi um mar completo de frustrações graças à uma brilhante ferramenta chamada PadMapper - um integrador de buscadores de imóveis com um zilhão de filtros, incluindo um que é fundamental: a "idade" do anúncio. Foi assim que achei nosso apartamento: ajustei o filtro para me mostrar apenas anúncios com um ou dois dias de existência e todo dia olhava as novidades.

Vou te contar que deu muito medo alugar um apê anunciado no sinistríssimo Craigslist - mas o lugar é ótimo, os proprietários são gente finíssima e já nos mudamos de vez.


Clima - o dedo médio da mãe-natureza

"Ah, aí neva e faz frio né!" é a descrição mais incompleta possível do clima canadense.

Por exemplo: antes de vir pra cá eu achava que "neblina" era aquela fumacinha bonitinha, que só surgia em lugares muito altos, de manhã cedinho, e que logo se dissipava. Aí antes do Natal tivemos dois dias seguidos de névoa densa e ininterrupta. É absolutamente surreal ficar dois dias inteiros sem poder ver o sol, o céu, ou qualquer outra coisa que esteja à mais de cinquenta metros de você. Tipo Silent Hill, mas de verdade e por dois dias. Imagine sua vida sem paisagem nenhuma. Imagine o mundo temporariamente deletado da sua vista.

Aí passou o ano novo e o noticiário passou a anunciar um deep freeze de todo o sul do estado de Ontário, com temperaturas em torno de 10 graus negativos e com sensação térmica de -20 por causa do vento. Dia desses, de manhã, fui andar com o cachorro, bateu uma brisa e achei que meu rosto tinha congelado e ia cair da cabeça. O noticiário tá cheio de alertas de "extreme cold", com conselhos do tipo "vá visitar seus parentes idosos e certifique-se que eles estão OK". Os abrigos da cidade estão todos mobilizados para tentar convencer os mendigos a se abrigarem neles - porque uns três deles morreram de frio nas últimas semanas. Literalmente.

Por isso, você que está no Brasil lendo este post, ao terminar, saia e vá curtir o sol e o calor imediatamente - e sem reclamar. Porque vocês não tem ideia do paraíso que é o clima brasileiro, especialmente quando comparado com o de um lugar onde a natureza está constantemente mostrando o dedo médio pra você. O recado da mãe-natureza por aqui é: "não era pra existir seres humanos por aqui! Vão logo para a Flórida!".

(Um parêntese necessário: é assustador também o quanto é boa a previsão do tempo por aqui. Se a tevê fala que vão cair 2,5cm de neve, caem exatamente 2,5cm de neve. A previsão das temperaturas ao longo do dia também é sempre na mosca).


Cultura, parte 1: mais difícil de entender que o clima

Mês passado fui ao Detran daqui pra saber como eu começava o processo de tirar a carteira de motorista de Ontario. Só que o processo começa com você fazendo a prova teórica logo de cara, e eu não sabia disso.

Aí cheguei no guichê do Detran e a conversa foi assim:

- Bom dia. Eu vim me inscrever para obter uma carteira de habilitação canadense.
- Ok. Você está pronto para fazer a prova teórica?
- Er... c-como assim? Eu já posso fazer a prova?
- Volte quando estiver pronto para fazer a prova. Próximo!

Sabe, o clima daqui é difícil, a grana vai embora rápido e tem uma série de outras dificuldades, mas uma coisa que eu subestimei MESMO foi a dificuldade de adaptação cultural. O motivo é simples: cultura não é "ensinável". Tudo que você lê sobre o canadense (e eu li muito sobre ele e sobre o norte-americano de uma forma geral) é apenas a ponta de um iceberg completamente indocumentável, indescritível, que você só consegue começar a enxergar quando chega aqui e que só vai começar a entender de verdade depois de anos. É como explicar o "jeitinho brasileiro" para um gringo: ele pode até aprender o conceito, mas nunca vai compreendê-lo no mesmo nível de um brasileiro nativo, muito menos conseguir navegar num país onde todo mundo é governado por ele.

Mas voltando à história do Detran: depois de levar umas duas ou três patadas dessas é que eu comecei a entender que não era grosseria ou nada pessoal. É que, como as pessoas daqui seguem as regras muito certinho, elas ficam cegas pro que foge delas ou pro que não está explícito. O que eu deveria ter feito no Detran, por exemplo, era ter perguntado: "o que eu preciso fazer para tirar carteira?", explicitando que eu não tinha a informação completa do que precisava ser feito. Porque, se eu não fizer isso, a mocinha do Detran não vai subentender que eu estava desinformado e me informar: ela vai simplesmente fazer o papel dela.

(Um parênteses: hoje fiz meu primeiro exame de direção e, felizmente, passei. Agora sou um motorista plenamente habilitado para a província de Ontario - e em tempo recorde: 53 dias desde a minha chegada).


Cultura, parte 2: New York in your fucking face, motherfucker

A melhor forma de deixar alguma coisa bem evidente é colocá-la do lado de algo que seja o oposto dela, pra dar contraste.

Entre o natal e o ano novo viajamos para Nova Iorque para visitar alguns amigos brasileiros que estavam por lá. A viagem foi ótima, mas no metrô era comum ver as pessoas segurando a porta (e atrasando o trem inteiro) para poder embarcar. Teve um dia que vimos bate-boca no vagão, com "shut up bitch" de um lado, "nobody cares" de outro, suco de climão total. Na rua as pessoas se olham feio, não respeitam os sinais de pedestre, e sempre tem alguém fazendo merda no trânsito - e alguém buzinando logo atrás. As placas de "no smoking" são meramente decorativas na maior parte das vezes. E o padrão de atendimento e serviços beira a polidez forçada e a rudeza total.

Aí, na volta pra Toronto, logo que pousamos fomos alugar um carro. A locadora estava fechando, mas as mocinhas do atendimento estavam super agilizadas e tomando conta de uns três clientes ao mesmo tempo - e sorrindo para os três. Aí chegou mais um cliente, dizendo (sorridente) que o carro que tinha acabado de alugar estava fedendo a cigarro, uma das atendentes pediu mil desculpas e foi (sorridente) verificar e ficamos eu, a atendente que restou e o cliente do carro fedido comentando, sorridentes, da falta de consideração das pessoas que fumam num carro alugado. E ficamos um tempão de conversa fiada, falamos do tempo, do preço da gasolina (menos de um dólar por litro e caindo ainda mais) e depois nos despedimos - sim, todos sorridentes :)

"Foi exatamente por isso que eu me mudei" - disse eu pra Bethania, com um calorzinho no peito de quem sente que escolheu certo, quando saímos da locadora.

Até pra dar esporro o canadense é educado. Antes de alugar o apartamento moramos temporariamente num basement - o porão duma casa que, pra não ficar sem uso, é convertido em um pequeno apartamento e alugado em separado pelo dono da casa. Um domingo desses estávamos fazendo faxina e eis que a dona da casa desce pra nos visitar - trazendo um bolo enorme e dizendo que tinha sobrado da festa de natal do escritório dela e ela queria oferecer pra nós. Ela foi super simpática, ofereceu até o metropass dela (o "bilhete único" daqui) emprestado enquanto ela estiver de férias, e bem no meio da conversa pediu - cheia de dedos - pra gente não deixar a porta do basement aberta quando estivéssemos fazendo faxina, porque acaba esfriando também a parte de cima da casa, onde eles moram.

"Ah, já tinham me contado disso no trabalho, quando me falei que estava vindo pro Canadá" - disse Bethania, depois que ela foi embora. "Quando as pessoas aqui precisam te dizer alguma coisa mais delicada eles te trazem comida antes e fazem esse floreio todo".


Língua - A importância de entender tudo que Taylor Swift diz

Uma coisa que tem facilitado muito, mas muito mesmo, a minha adaptação por aqui é ter um bom inglês. Não estou querendo me gabar, e sim explicar uma impressão que tive desde o começo e que tem ficado cada vez mais forte: aprender a língua é aprender o país.

Eu tenho visto muita gente por aqui com inglês "fluente com sotaque", tipo inglês de vilão russo de filme de ação. Essas pessoas se viram bem, chegam aqui, arrumam trabalho e vivem bem a vida e, como elas conseguem se comunicar numa boa, estacionam neste ponto do desenvolvimento da língua. Mas eu acho que, com isso, elas perdem muito da experiência canadense. Comunicação é a sua forma de perceber e interagir com o mundo ao seu redor: por que fazer isso com, digamos, apenas 70% de eficiência? É como se você vivesse apenas 70% da sua vida. Quantas portas fechadas e oportunidades perdidas não se perdem nestes 30%? Por exemplo: na faculdade conheci um cara de Barbados (onde se fala inglês) e outro dia ele comentou o quanto é difícil fazer amizade com algumas pessoas porque não consegue entender o que elas falam.

Por isso, minha meta linguística por aqui é fluência total, completa e natural, sem sotaque, exatamente como um nativo falaria. Felizmente o cérebro é um órgão fantástico e reage bem quando estimulado. Outro dia reparei que minha capacidade de entender letras de música em inglês - algo que sempre foi meu calcanhar de aquiles linguístico - melhorou drasticamente.

Mas isso teve um outro efeito colateral inesperado: tenho prestado mais atenção que o normal nas músicas da Taylor Swift...

A saga bancária Brasil-Canadá

2014-12-22 04:18:14 +0000

Eu sei que é meio babaca essa negócio de se mudar e ficar comparando Brasil com outros países, mas permitam-me contar pra vocês uma pequena historinha.

Tudo começa em outubro de 2014, quando chegou a hora de pagar o primeiro semestre dos estudos na faculdade canadense. Como de costume, tentei fazer a operação pela internet, mas não consegui porque meu banco, por segurança, tem um limite bem baixo de valor para movimentações financeiras. "Hmm, que bom que descobri esse problema - isso vai complicar as transferências do meu dinheiro do Brasil pro Canadá", pensei. Aí tive que ir à agência e fazer a transferência em pessoa e, pra prevenir problemas futuros, tentei entrar em contato com o meu gerente. Achei que ia ser fácil, pois pelo volume de dinheiro que guardei eu estava enquadrado naquela categoria premium de cliente bancário.

Foi aí que meus problemas começaram.

Demorei DIAS para conseguir FALAR com o meu gerente. Quando finalmente consegui, pra não passar o mesmo aperto, pedi a ele que já deixasse cadastrada a conta corrente de uma casa de câmbio para contornar essa questão do limite e eu pudesse transferir valores maiores sem precisar falar com ele. Ele disse que tinha cadastrado tudo e que eu podia ficar tranquilo.

Aí chega novembro e olha eu, todo pimpão, chegando no Canadá. Naturalmente, precisei fazer outra remessa de dinheiro pra cá e qual não foi a minha surpresa ao descobrir que a conta da casa de câmbio não tinha sido cadastrada e eu continuava travado pelos limites de transferência que eu tinha pedido meu gerente pra aumentar. Ou seja: eu simplesmente não conseguia trazer pra cá nenhuma parte do dinheiro que eu passei anos juntando para a viagem.

Começou, então, a segunda novela de conseguir falar com meu gerente - dessa vez com o agravante de que eu tinha que apelar para telefonemas via Skype feitos em wi-fi emprestada dos Starbucks da vida, que eu tinha que achar saindo de casa e encarando a neve, o vento e a friaca próxima de zero graus. Passei quase uma tarde inteira tentando contato com o filho da mãe até que consegui conversar com o assistente dele, que me confirmou que de fato não tinha rolado nenhum aumento de limite de transferência e que ele não poderia fazer muita coisa porque meu gerente estava fora da agência num treinamento.

Depois de reclamar no SAC, depois na Ouvidoria do Banco, e só depois de ameaçar ir reclamar na Febraban é que, após MESES de briga com o banco, consegui que aumentassem meus limites de transferência. Ironicamente eu tive problemas até pra reclamar na ouvidoria, porque só existe um link para acesso a ela e esse link fica escondido na versão beta da nova interface do internet banking - que foi feita usando como referência o Orkut (não, eu NÃO ESTOU BRINCANDO).

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Agora eu gostaria de contar um pouco sobre as minhas experiências bancárias aqui no Canadá.

Logo que chegamos fui ao banco para abrir uma conta corrente. No sábado (sim, os bancos aqui abrem no sábado) visitei uma agência e, usando como documento apenas o meu passaporte, me deram uma conta corrente, uma conta poupança, uma conta específica para dólares americanos e isenção de tarifa por seis meses. O processo todo levou menos de uma hora.

Mas o melhor foi o problema que tive esse final de semana: fui comprar um colchão para a casa nova e, como a compra tinha um valor maior que o usual, o meu cartão do banco daqui deu erro de "limite de compras excedido" - problema bastante parecido com o que tive com a conta brasileira.

Eu já estava prevendo o pior quando o próprio vendedor da loja de colchões falou: "liga lá pro seu banco que eles resolvem isso". Olhei o número do 0800 atrás do meu cartão e, meu amigo, minha amiga... NADA poderia me preparar para o que aconteceu:

  • O tempo de espera até eu ser atendido foi de ZERO segundos.
  • Após explicar a situação, a atendente confirmou a minha identidade da forma mais simples e intuitiva possível: perguntou o nome da pessoa com quem eu tinha conta conjunta (Bethania) e pediu pra eu contar alguma transação recente que eu tivesse feito com o cartão - valia até mesmo o café que eu havia tomado no Tim Hortons algumas horas atrás.
  • Depois, mudou o meu limite de compras INSTANTANEAMENTE - e ainda aguardou na linha enquanto eu passava o cartão novamente pra comprar o colchão.
  • Sem que eu pedisse, ela se ofereceu pra fazer o cadastro de uma segunda senha pro SAC via telefone - pra facilitar na hora de confirmar minha identidade e agilizar os próximos atendimentos (que, veja você, tinha levado até aquele momento MENOS DE TRÊS MINUTOS).
  • Não satisfeita em resolver meu problema, ainda aproveitou pra me orientar melhor sobre o uso da minha conta poupança, dando macetes (que ela mesma, como pessoa física, usava) de como usá-la para construir um bom score de crédito com o Banco.
  • No fim, ainda me parabenizou pela compra do colchão e desejou boa sorte na montagem da nova casa aqui no Canadá.

Desliguei o telefone e chegou a escorrer uma lagriminha de emoção.

Impressões da primeira semana de Canadá

2014-12-03 07:19:23 +0000

Porque Toronto é uma cidade muito horizontal e espalhada, os subúrbios tem uns momentos meio "terra de ninguém": é comum você ir pegar o metrô e ter só umas duas pessoas na estação. E quando eu saio pra andar com o cachorro de manhã normalmente não tem NINGUÉM na rua.

Não me admira o canadense ser solitário. Hoje, por exemplo, eu já ia voltando do passeio canino matinal quando um senhor, que estava sentado sozinho num banco do parque, fez uma brincadeira com Pavlov e emendou uma conversa e começou a contar dos filhos e de quando imigrou da antiga União Soviética pro Canadá e de que é um absurdo a história da Criméia e que essa guerra é só pra capitalista lucrar e que não acredita em religião mas em um "poder maior" e falou sem parar por uns quinze minutos (num frio de cinco graus negativos, vale frisar). Mas sabe aquela conversa de quem não tem com quem falar o dia todo e, quando acha alguém, acaba virando um monólogo catártico? Pois é.


Essa coisa de andar com o cachorro deu outra história engraçada também: logo que cheguei, lá ia eu com Pavlov em mais um passeio pelas vizinhanças desertas quando, de repente, ouço aquela voz grave e densa, típica de um negão de dois metros de altura:

"HEY!"

Olho pro lado e, de fato, era um negão de dois metros de altura, que apontava pra mim e dizia: "I'M GONNA PICK A FIGHT WITH YOU!" ("eu vou comprar uma briga contigo!")

"Pronto. Vivi anos em São Paulo e nunca fui assaltado, agora vou morrer espancado no meu segundo dia de Canadá", pensei por um instante... até ver que o negão se referia ao meu cachorro e, obviamente, a "luta" era daquelas de brincadeirinha.


Levei pouco menos que uma hora para abrir uma conta no banco, meia hora para fazer um plano de celular e uns quinze minutos pra tirar o SIN (o "CPF" canadense). Tudo isso apresentando como documento apenas o meu passaporte.


Se você é um casal sem filhos e precisa ir ao supermercado por aqui, meus pêsames: as embalagens são todas "tamanho família". TODAS. Leites e sucos de dois litros, manteiga de 500 gramas pra cima, e por aí vai. E eu não percebi o quanto a comida no Brasil era barata até Bethania comprar uma banana canadense ao preço de uma DÚZIA de bananas brasileiras.


Por outro lado, um belo Cabernet Sauvignon californiano sai por 12 dólares e a Vedett (a mais incrível cerveja belga de trigo) sai por 3 dólares. E hoje, na volta do trabalho, confirmamos uma dica que eu havia lido no Reddit: surpreendentemente, os supermercados chineses/coreanos são muito mais baratos que os "normais".


Eu estava achando o trânsito de Toronto até bom, comparado com o de São Paulo. Até que nevou muito e de repente e o asfalto virou uma "pista de patinação", e TODOS os carros passaram a dirigir a 20km/h. Na estrada vi um Dodge, na faixa bem do lado da minha, patinar de traseira por uns cinco segundos. O cara só não rodou por completo porque teve muito sangue frio e conseguiu impedir o pior. Foi muito assustador.

Ah, e levei duas horas pra voltar pra casa.

Ainda assim o motorista canadense é muito mais cortês e tranquilo que o de São Paulo: todo mundo usa a seta, ninguém trafega no acostamento, ninguém sai costurando na estrada feito louco e colando na sua traseira e piscando farol. Comparando com o trânsito daqui num dia normal, o trânsito paulistano é absolutamente SELVAGEM. Incrível como a gente se acostuma e não percebe.


Às vezes Bethania olha pra mim e fala: "a gente é doido de largar tudo e mudar de país, né?". E eu respondo: "sim, a gente é doido". E aí eu percebo que eu não estaria aqui se não tivesse casado com a mulher perfeita.

Por que estou deixando o Brasil

2014-11-04 19:53:46 +0000

Sim, é isso mesmo. Talvez este seja o mais longo e mais importante post deste blog. Se ajeite aí na cadeira.

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Preâmbulo: como assim você está saindo do Brasil?!?

Pois é, cara. Depois de anos considerando casualmente a possibilidade de morar fora, este ano começamos a levar a coisa à sério e, após muita fritação de "vamo/não vamo", eu e Bethania decidimos: vamos pro Canadá.

O plano é eu voltar pra faculdade, para um curso de 2 anos que é um semi-bacharelado em engenharia de software. Em termos de carreira eu até poderia ir e procurar emprego direto, mas decidi voltar a trabalhar na área técnica. Não tem jeito, é o que eu gosto mesmo de fazer. Depois do curso, quero arrumar um emprego lá e, a partir daí, o objetivo é conseguir cidadania canadense e ficar. Bethania, que é muito mais ninja profissionalmente do que eu, já tem inclusive um emprego esperando por ela.

A escolha do país, tecnicamente, foi fácil: o Canadá tem uma política de imigração bem aberta em função da população envelhecida e da demanda por profissionais qualificados. Além do mais eu morei lá por seis meses, em 2005, a trabalho, e não somente conheci como adorei o lugar.

filosoficamente falando, trocar de país é uma coisa bastante complicada - e é o que me motivou a escrever este post.

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Você não precisa ficar onde está

"Menino, vai na padaria pra mim!", me diziam quando eu era criança e vivia em Belo Horizonte. Eu não gostava de ir à padaria porque a distância pra mim era enorme e cheia de ladeiras, e ir comprar pão parecia uma maratona. Aí pula para 2014: dia desses eu estava visitando os parentes em Beagá e acabou coincidindo de eu passar exatamente pelo mesmo trajeto entre meu antigo prédio e a padaria.

Eram só dois quarteirões.

Talvez eu estivesse morando exatamente no mesmo lugar até hoje se não fosse o meu emprego de consultoria, que me fez viajar o Brasil todo - e me levou ao Canadá pela primeira vez. Passar por lugares novos muda o tamanho do lugar onde você vive e, também, quebra a regra invisível de que a sua vida só pode acontecer onde você mora. Em função do hábito, conveniência e da família sempre próxima é fácil se limitar ao que existe (ou não) na sua cidade e moldar sua vida de acordo com o que existe a dois quarteirões de casa, ou achar que o mundo é só aquilo ali, e passar a vida achando que aqueles dois quarteirões são uma distância enorme. Mas você não precisa ficar onde está. Essa frase banal esconde uma verdade universal, libertadora. Foi pela ausência dessa regra que eu e Bethania nos mudamos pra São Paulo: invertemos a lógica de "gostar do que se tem" e fomos pra onde o que a gente gostava estava.

Agora está acontecendo mais ou menos a mesma coisa. A gente quer trabalhos legais mas com menos stress, quer impostos que voltem de fato, quer poder andar na rua sem medo de assalto, quer poder ter filhos em um lugar mais amistoso (e mais acessível!). E São Paulo não permite tudo isso junto. Talvez o Brasil não permita isso - talvez nunca permita.

E este é o gancho importante para falar justamente de algo que me incomoda há muito tempo mas que só fui entender depois dos trinta e muitos anos de idade: o Brasil tem muita DR pra fazer consigo mesmo antes de se tornar uma grande nação, coisa que não vai acontecer tão cedo. Talvez nunca aconteça. E, como só se vive uma vez, eu não posso esperar.

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A inigualável cultura brasileira (ou: por que o Brasil é do jeito que é?)

Minha diversão mais recente aqui em São Paulo é usar a ciclovia novinha que o Haddad resolveu passar bem na esquina da minha rua. Todo dia eu arrumo motivo pra ir pra algum canto de bike, muitas vezes só pra dar o exemplo.

No começo, sempre tinha alguém com carro estacionado na ciclovia, e eu sempre reclamava com o motorista. A maioria se fingia de bobo ou arrumava uma desculpa. Uns até xingavam de volta. Uma vez um deles ameaçou me bater e quebrar meu telefone, porque tirei uma foto do seu furgão estacionado bem em cima da faixa vermelha.

Talvez você esteja pensando: "mas cara, tu ta indo embora, pra quê ficar cobrando os motoristas de respeitar ciclovia? Daqui a alguns meses tu nem vai usá-la mesmo, e ainda periga apanhar ou levar um tiro".

Então, cara! O problema é exatamente esse. Meu primeiro impulso também foi pensar e agir assim - e é precisamente por isso que o Brasil é do jeito que é e não vai mudar tão cedo: aqui o individual é mais importante que o coletivo.

Esta cisão entre indivíduo e coletividade provoca um efeito colateral bizarro, que é a divisão mental do brasileiro. Sabe a mania que temos de criticar o país na terceira pessoa? "Brasileiro é tudo burro", "o povo só quer saber de futebol", etc, etc? Quem fala, fala como se não fosse brasileiro, efetivamente se separando da própria crítica - afinal sua moral individual é superior à ignorância coletiva.

Se essa cisão fosse só socioeconômica ou política tava bom. O problema é que ela é pior e muito mais profunda: é uma divisão cultural.

Ela aparece, por exemplo, quando tem um mendigo dormindo no meio da calçada e a gente desconsidera mentalmente que ali existe uma pessoa. Ou você olha para aquele cara caído na saída do metrô, preto de fuligem, com uma unha do pé que parece a garra de um bicho, e se pergunta de onde ele veio, se tem filhos - ou se ainda tem sonhos? (por sinal uma fan page genial chamada "SP invisível" faz exatamente isso, vale muito a leitura). Essa divisão está aí o tempo todo, quando você reclama do trânsito (o trânsito é você) ou que o preço do cinema está um roubo (sua carteirinha de estudante é legítima?).

"Mas tudo isso aí pode mudar!", você poderia alegar - e com razão. A questão é que tem problemas nacionais que dá pra resolver relativamente rápido, como a economia ou a distribuição de renda, mas a questão do "individual sobre o coletivo" é cultural - e mudar uma cultura é incrivelmente difícil. Leva séculos, e pode dar muito errado. Olhe para a história do mundo moderno e me aponte quantos países conseguiram mudar sua identidade nacional da água pro vinho: eu só consigo pensar na Alemanha pré e pós-Hitler e pré e pós muro de Berlim, e ainda assim a mudança só veio com grandes traumas nacionais. Vale o mesmo pro Japão antes e depois das bombas atômicas. Mas mudança orgânica, sem neurose, derramamento de sangue ou hecatombes político-sociais, aí eu não sei de nenhum exemplo.

Eu não queria, mas não tenho como não mencionar as eleições de 2014 - porque elas exemplificam muito do que eu falei aí em cima. No início eu tentei encarar a sujidade e a baixeza com a qual as pessoas, candidatos ou não, se comportaram nestas eleições como imaturidade, efeito de uma democracia que ainda é muito jovem. "Todo mundo quer um Brasil melhor, mas como crianças, estamos todos fazendo birra para isso", pensava eu. Aí tou vendo milhares de pessoas na Av. Paulista, enquanto escrevo este post, pedindo o retorno do regime militar. Vi o nascimento do chamado "discurso do ódio", com coisas deprimentes como molecada xingando nordestinos no Twitter pelo resultado da eleição. Com gente do naipe de Ricardo Amorim, economista renomado, postando que "quem estuda não vota na Dilma" - isso só pra citar alguns poucos exemplos. E só consigo entender tudo isso da forma que mencionei anteriormente: com a preponderância do individual sobre o coletivo que, aplicada num processo democrático, vira uma briga de "quem tem a maior melancia na cabeça".

Faça um auto-exame: ao escolher em quem votou, você pensou no que seria melhor pro país ou no que seria melhor para você? E, se você pensou no coletivo e não no individual... você se lembrou do mendigo na saída do metrô?

Pra piorar ainda mais o banzo: enquanto aqui as eleições terminavam, lá no Canadá um maluco entrou atirando no parlamento, matou Nathan Cirillo (um dos guardas que vigiava o Memorial de Guerra) e depois foi morto. A reação da mídia e das pessoas por lá foi, simplesmente, inacreditável:

  • A cobertura da imprensa canadense foi tão sóbria, factual e isenta de sensacionalismo que arrancou elogios pelo mundo.
  • Kevin Vickers (o "chefe da segurança" do Parlamento) foi o responsável por matar o atacante. No dia seguinte aos ataques, ele simplesmente foi trabalhar normalmente. O vídeo dele sendo aplaudido de pé, ao voltar ao trabalho no parlamento me deixou embasbacado. E no Reddit, além dos elogios, tava todo mundo preocupado em dar apoio psicológico a ele, porque matar alguém pode ser traumático, etc, etc...
  • Ainda no Reddit a outra fonte de preocupações era a única vítima: Nathan Cirillo. Tinha um monte de gente preocupada em abrir um fundo para doações para o filho dele, que era pai solteiro, e inúmeros comentários sobre sua bravura e o quanto isto era uma perda para o Canadá. E ninguém sequer mencionou o atacante. Até hoje eu não sei o nome dele. Mas tinha gente preocupada até em quem ia cuidar dos cachorros do Cirillo daqui em diante.
  • E o cartunista do principal jornal de Ottawa ainda me publica isso aí embaixo.

Em resumo: um evento importante sacudiu o Brasil e saiu muita coisa ruim. Mas quando um evento importante sacode o Canadá...

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Pontualidade e outros superpoderes inúteis - e um grande dilema

Outra questão cultural menos grave, mas que me incomoda desde sempre, é o modus operandi brasileiro: improvisado, espontâneo, altamente orientado à relacionamentos pessoais. Não estou criticando este jeito de ser, mas passei quase quarenta anos tentando me adaptar a ele e... não dá, eu não sou assim.

Eu gosto de ordem, planejamento e regras bem definidas. Eu chego no horário quando combinam comigo - e normalmente fico esperando feito bobo, porque ninguém chegou. Eu faço cronograma de viagem de férias. Eu assino Rdio e Netflix (sem proxy!), compro MP3 no Bleep, meu Office é original e licenciado e tenho três backups dos arquivos do computador. Na verdade, culturalmente falando, eu nunca me identifiquei com as coisas nativamente brasileiras (futebol, samba, praia). No entanto eu consigo te explicar todas as regras de um jogo de curling, o único esporte com o qual tive afinidade instantânea foi o esqui e uma das minhas camisetas prediletas é de uma banda chamada Set Fire to Flames - que é canadense.

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Não parece, mas esta é uma camiseta de banda.

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E aí eu e o Brasil ficamos muitos anos nesse casamento de aparências: não temos nada a ver um com o outro mas estamos aí, juntos.

E é isso que me dói e me gera uma crise de consciência enorme. O momento nacional é sério, é importante. Não se trata só de um rebuliço econômico, ou de uma maluquice traumática como foi a ditadura: o Brasil está meio que "entrando na puberdade" do ponto de vista ideológico, e é um momento ímpar onde todo mundo deveria dar o melhor de si pelo país. E a mítica hora que a gente canta no hino, dizendo que "o filho teu não foge à luta", e no entanto é exatamente isso o que eu estou fazendo.

Mas essa luta é longa demais, e talvez seja impossível vencê-la. Quem me conhece sabe que eu não sou otimista, mas pense comigo: você se enxerga indo ao Mineirão assistir um Atlético e Cruzeiro onde as torcidas não ficam separadas no estádio? Você vê esta realidade em um futuro próximo? E em um futuro distante? E o quão distante está este futuro? Pra mim, este é o melhor indicador possível pra se melhoramos ou não na questão do "individual sobre o coletivo".

A vida já me deu bastante porrada (felizmente, nenhuma nos estádios). E o que eu aprendi com isso foi que é fundamental saber quais brigas comprar. Então, decidi comprar a da imigração - que é uma senhora briga, vale frisar.

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E como faz pra ir pro Canadá?

Ah, rapá, aí nem com dez páginas de post dá pra explicar. É um processo demorado e de MUITA burocracia, até pros padrões brasileiros. O melhor a fazer é ver o site do Ministério da Imigração Canadense, mas em resumo você tem que ter curso superior - ou grana pra fazer um por lá -, tu tem que ter experiência de trabalho numa das profissões que estão em demanda e inglês ou francês bom (e comprovado por um teste tipo IELTS ou TOEFL).

No meu caso eu tinha dois planos (lembra da minha paranóia com backup? Pois é!)

Plano A) Imigrar pelo processo federal (Federal Skilled Worker). Nela, você já chega com visto de residente permanente, o que te permite trabalhar e/ou estudar onde quiser e virar cidadão depois de alguns anos. O problema desta opção: a burocracia dela é inacreditável (o processo que enviei tinha quase cem páginas!), o formato atual dela, que te permite ir sem achar emprego antes, vai ser extinta em 2015 e as vagas de 2014 foram limitadíssimas - apenas 1.000 por profissão.

Plano B) Ir como estudante de um curso superior. A burocracia é beeem menor, não tem limite de vagas e dá pra aplicar pro visto pela internet mesmo. O duro desta opção é o custo (e a ausência de renda), mas você ganha direito a um visto de trabalho quando se forma e seu cônjuge pode trabalhar enquanto você estuda.

No meu caso o plano A foi a maior decepção do mundo: passei MESES reunindo documentos, DIAS preenchendo os formulários, gastei uma bolada com cópia autenticada e tradução juramentada, outra bolada fazendo o teste de inglês (IELTS, que fiz de ressaca e com três horas de sono, mas tirei 8 em 9 - história para outro post...), mandei meu diploma (físico) pro exterior pra ser validado, foi uma via crúcis. Aí mandei tudo, fiquei meses fritando se eu ia conseguir entrar nas mil vagas, até que numa segunda-feira vi a cobrança da taxa de análise no meu cartão de crédito indicando que sim, eu havia entrado.

A alegria durou três dias, que foi o tempo de vir um email do consulado avisando que faltou incluir uma data em um documento, que foi desconsiderado e que, por isso, me desqualificou do processo por um ponto.

Agora estamos indo de plano B: já escolhi uma faculdade, fiz matrícula e exatamente hoje, dia que este post (que estou escrevendo há MESES) finalmente vai ao ar, nossos passaportes estão no consulado para receber o visto.

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E suas coisas do Brasil?

Ué, tou vendendo tudo! A lista está aqui e aumenta todo dia. Se quiser algo nem precisa comprar pelo Mercado Livre, fale comigo e a gente se acerta.

Quanto ao nosso apartamento, vamos deixá-lo alugado - e se quiser você pode morar nele ou indicar para os amigos. Aproveita que tá barato :)

Open Cola é isso aí

2007-05-24 17:42:00 +0000

Viva o lado open-source da vida

Sim, existe uma receita de bebida à base de cola, de "código aberto", licenciada sobre a Licença Pública Geral GNU.

A história da Open Cola é engraçada. Segundo a Wikipedia...

"Embora tenha sido planejada como ferramenta promocional para explicar o software livre/de código aberto, a bebida ganhou vida própria e foram vendidas 150 mil latas. A empresa Opencola, com base em Toronto e fundada por Grad Conn, Cory Doctorow e John Henson, ficou conhecida mais pela bebida do que pelo software que pretendia promover. Laird Brown, o estrategista-sênior, considera este sucesso como resultado de uma desconfiança generalizada em relação às grandes corporações e à 'natureza proprietária de quase tudo'"

Note que ela nasceu em Toronto, no Canadá. A cada dia que passa eu me convenço mais e mais de que, em termos de vanguarda cultural e tecnológica, Toronto é uma Nova Iorque disfarçada. Mas isso é assunto para outro post...

Winnie the Poo

2007-05-23 06:45:00 +0000

Depois o pessoal duvida do frio canadense.

Winnipeg, no estado canadense de Manitoba, é conhecida por ter duas estações: um inverno de 8 meses (com temperaturas de até 40 graus negativos) e depois 4 meses da "estação dos mosquitos". Porque você não faz idéia do tamanho dos pernilongos no verão canadense.

Mas aí estava eu aproveitando a queda do dólar e comprando meus disquinhos no eMusic e descobri que Aaron Funk, produtor de IDM/Breaks conhecido como Venetian Snares, fez um disco em homenagem a Winnipeg chamado Winnipeg is a frozen shithole (Winnipeg é um buraco de merda congelado).

A capa é alegremente ilustrada com uma granada, e todas as faixas são intituladas "Winnipeg alguma coisa", então temos "Winnipeg é um dildo de cocô de cachorro", "Morra Winnipeg morra morra morra seus bostas fudidos morra" e por aí vai.

E o mais legal é que, se fosse pra eu me mudar pra Winnipeg, eu iria. Ah, saudades do Canadá...

Cidade Maravilhosa

2007-04-13 20:22:00 +0000

Ranking das 100 melhores cidades para se viver, da Business Week.

Zurique, na Suíça, ganhou. Toronto, minha "melhor cidade" favorita, está em décimo quinto lugar - é a segunda melhor cidade canadense no ranking, perde apenas para Vancouver. Essa lista me deu saudades de Toronto...

Nossos "hermanos" vão bem também. Buenos Aires e Santiago estão na lista, respectivamente nas posições 79 e 83. Já as cidades brasileiras... não aparecem. Fora da lista das 100 melhores, a melhor colocação é de Brasília na posição 108. São Paulo e Rio são, respectivamente, 114 e 115, e perdem até pra Tel Aviv.

Minha cidade, Belo Horizonte, nem foi considerada neste ranking. Obviamente.

De volta a tudo de novo

2006-03-08 13:16:00 +0000

Foi uma boa semana, essa a do carnaval. Acabou tão rápido quanto veio. Já estou de volta ao turbilhão de stress chamado São Paulo.

Depois do carnaval, como de costume, teve a grande reunião anual da minha empresa de consultoria. Os destaques(*) foram dois:

O pudim de leite condensado de depois do almoço. Meus caros, eu só sei de uma coisa: se existe um paraíso, ele é feito daquele pudim.

Rever o pessoal do projeto no Canadá. Eu dei muita sorte neste projeto: afinal, meus colegas de trabalho se tornariam também meus companheiros de casa, de quarto e de final de semana. Se eles fossem uns malas sem alça, o trabalho ia ser um saco, e depois das seis minha vida também seria um saco. Mas aconteceu exatamente o contrário. Conforme eu reencontrava o pessoal, só tinha coisa boa para lembrar.

Deu muita saudade daquela época.

(*) - Na verdade tem mais destaques, mas eu trabalho sob um contrato de confidencialidade e não posso ficar contando tudo por aí. Caso contrário eu iria dizer que teve uma palestra do Joelmir Beting que foi horrív... ops!

Voltei

2005-06-15 20:07:00 +0000


Pista do Pearson International Airport, em Toronto

14 horas de viagem e muito chá-de-sala-de-embarque depois, chegava eu, no sábado, em Belo Horizonte. O post aqui só veio dias depois: tinha muita saudade pra matar, gente pra ver, coisas pra arrumar...

A viagem transcorreu tranquila. Tive apenas meus dois últimos micos internacionais:

Ainda em Toronto, ao passar pelo raio-x do aeroporto, tirei a chave do cadeado da minha mala do bolso e... esqueci por lá.

Estavam servindo o jantar no avião. A aeromoça que servia as bebidas tinha um crachá escrito "ANA LUIZA", tinha a pele bem morena, olhos negros e cabelo encaracolado. Assim que ela chegou no meu assento, soltei meu pedido em bom português:

- Eu queria um suco de maçã, por favor.

Lentamente, Ana Luiza se debruçou sobre minha cadeira e, com um ar confuso, perguntou: "What?"...

No domingo minha primeira providência ao chegar em casa foi fazer as malas e... sair de novo. Passei o dia dos namorados (e os dois seguintes) com Bethania na Estalagem do Mirante, na Serra da Moeda.


Encosta da Serra da Moeda, com os chalés da Estalagem

Um pouco da vista da pousada...

Pôr-do-sol visto de dentro dos quartos

Essa pousada recebe o "selo Primo" de recomendação: excelente, desde as instalações até o atendimento. Vale cada centavo.

Agora, prosseguindo com nossa programação normal (de viagens da minha cabeça)...

Filmes para ver (ou não)

Curiosamente, uma coisa que eu fiz todos os dias desde que cheguei aqui no Brasil foi assistir algum filme. Até no sábado (dia em que cheguei), de noite eu já estava no cinema pra ver o tal filme da Angelina Jolie e do Brad Pitt...

Sr. e Sra. Smith

Até agora eu não descobri se o Sr. e Sra Smith era pra ser comédia, ação ou romance. Mesmo porque o filme fracassa em todos estes aspectos. A ação, bem executada mas ainda assim no lugar-comum, acaba sendo algo colocado no roteiro como "cenário" para o romance, que é insosso devido à falta de profundidade dos personagens, que tentam parecer engraçados ao mesmo tempo que precisam manter a cara de "agente misterioso e durão". Enfim, misturaram tudo e no final não deu nada. Dá pra se divertir um pouco com as forçadas de barra hi-tech estilo "Missão Impossível", mas nada além disso.

O Vilaça deu duas estrelas, xingou o roteirista e viu méritos na direção e na "química" entre Pitt e Jolie...

Magnólia

Só agora consegui assistir o famoso filme de Paul Thomas Anderson. Assim que as três horas do longa terminaram, eu não conseguia pensar no filme como nada além de esquisito. Mas era um esquisito bom, bem filmado, com atuações consistentes e uma trama eficiente, que se estende por mais de três horas sem cansar o expectador.

O esquisito é por causa do roteiro. Você fica duas horas se perguntando onde diabos vai dar aquilo tudo, quando de repente tem a famosa cena da chuva e complica tudo um pouco mais. Diferentemente de Cidade dos Sonhos, eu não cheguei ao final do filme entendendo tudo o que aconteceu e completamente fascinado com a perspicácia do diretor. Já o Vilaça conseguiu...

O Informante

Eu já havia visto esse filme, mas acabei alugando de novo sem querer. É uma história muito bem contada, com Russell Crowe como ex-executivo da indústria do tabaco, prestes a dar revelações bombásticas no famoso programa 60 minutes, produzido pelo personagem de Al Pacino. Aí segue-se a trama de furações de olho, traições, chantagem emocional, corrupção e o escambau.

Um belo filme, despretensioso e eficiente, com destaque pras atuações de Pacino (sempre ótimo) e Crowe (surpreendendo). O roteiro é muito bem escrito, algumas frases do personagem de Pacino são simplesmente geniais. Só não gostei da trilha sonora, repetitiva em alguns trechos. O Vilaça deu cinco estrelas pra ele.

Kinsey - Vamos falar de sexo

Kinsey é aquele cientista que publicou, em 1948, o famoso livro intitulado "o comportamento sexual do homem". Na época, o cara chocou a sociedade e provocou um belo avanço no estudo da sexualidade humana.

O filme é a história de Kinsey, e . Mais parecia um documentário, e o roteiro é um insulto: algumas cenas eram, claramente, a posição do roteirista sobre as idéias e ações de Kinsey. A atuação de Liam Neeson e de todo mundo é OK, o figurino, cenografia e etceteras foram todos OK, mas a história, na minha humilde opinião, poderia ter sido mais "bem contada".

Discordo das quatro estrelas do Vilaça. Daria no máximo duas...

Curiosidade: o filme é escrito e dirigido por Bill Condon...

O último post no Canadá

2005-06-10 19:40:00 +0000


Frenchmen's Bay, janeiro

Eu não sei se você sabe, mas os canadenses reclamam o tempo todo do clima. Se você mencionar que é brasileiro, aí eles ficam malucos: "Mas o que diabos você veio fazer aqui com essa neve toda?!?".

Se você pensar bem, eles tem toda razão pra reclamar. O número mágico pra mim é 34. Em janeiro eu vi trinta e quatro graus negativos. Em junho, trinta e quatro graus positivos.


Frenchmen's Bay, maio

Aí você sai dos extremos do clima e vai para os extremos culturais: educação extrema, disciplina extrema... a maioria dos brasileiros acha um saco essa devoção canadense às regras e leis. Eu gosto. Parece extremismo, mas eu prefiro pensar nisso como zelo por um país que eles querem manter como está: estável, seguro e funcionando. E funciona que é uma beleza.


Highway 401 - Exemplo da boa infraestrutura canadense

E isso até justifica um pouco o comportamento normal do canadense: um pouco individualista, até meio retraído, se você comparar com o padrão brasileiro de ser. Bom, se eu tivesse um país desenvolvido como o deles, eu realmente não faria como os americanos, que ficam se achando os melhorzinhos e fazendo pouco caso do resto do mundo: eu simplesmente aproveitaria, quietinho, o ótimo lugar onde eu moro. É mais ou menos isso que o canadense faz.

E é por isso que ele reclama do clima. Porque o resto é excelente, não tem mais nada pra reclamar...


Fim de tarde no parquinho "mais ou menos" que tem perto de casa

A minha estadia aqui não foi fácil ou difícil, ruim ou boa. A única coisa que eu afirmo é que aprendi muito, principalmente sobre a diferença. Viver uma outra cultura é bom justamente por isso: ver gente fazendo tudo ao contrário do que você conhece, e sendo feliz do mesmo jeito. E me senti bem por poder experimentar um mundo onde você pode deixar a porta de casa destrancada, onde os bancos não tem detector de metal na porta, e onde o guarda-volumes do parque de diversões não precisa de cadeado. Eu queria muito que meus filhos vissem um Brasil assim um dia.

Resumindo: o Canadá é um país e tanto. Vou sentir saudades daqui. Mas o inverno, aff...

Fatos do dia

2005-06-07 21:55:00 +0000

Tou com sinusite de novo. Este vai ser um looongo dia...
A noite passada foi longa também. Sempre que eu durmo mal ou cansado eu me lembro dos sonhos que tive, e dessa vez não foi diferente. Sonhei com meu irmãozinho, que não vejo há uns quatro meses.

Meu pai (o da foto acima) me enviou por email aquela notícia do urso que matou uma mulher aqui no Canadá. Acho que ele ficou meio impressionado, embora seja mais perigoso uma gaivota fazer cocô na minha cabeça do que eu encontrar um urso na rua.
Se você não parar de olhar para a cruz no meio dessas bolas roxas, aparece uma bola verde, depois as roxas somem. Ilusão de ótica...
Como sobreviver a um chefe mau. A cada dia que passa eu gosto mais dos artigos do Scott Berkun.

É nessa sexta o meu vôo de volta pro Brasil. Ô saudade.

Wonderland - Que maravilha!

2005-06-06 04:44:00 +0000

(Eu sei, é um trocadilho ridículo, mas não resisti)

Este foi o meu último fim de semana no Canadá. O programa de domingo foi um passeio no famoso parque de diversões chamado Wonderland.

O dia foi cheio de surpresas: a primeira delas foi o inacreditável calor de 34 graus. Há uns quatro meses eu estava batendo queixo debaixo de 34 graus negativos, e agora eu suei o dia todo e até peguei um daqueles bronzeados ridículos de camiseta.

As pessoas passeavam pelo parque de bermudas e roupas leves, e várias mulheres andavam somente de biquini. E não faz nem dois meses que caiu a última neve...

O parque é enorme e tem a maior variedade de montanhas-russas da América do Norte. Apesar das filas deu tempo de ir na maioria delas e ainda ver uma ou outra coisa diferente.

As atrações que eu visitei foram essas:

Thunder Run
Destaque: Os carrinhos são vagões de trem e a montanha-russa passa por dentro da enorme montanha artificial que fica no meio do parque.
Emoção: Ih, nem pega nada. Eu e um amigo que me acompanhava (o Alladin) ficávamos conversando durante o passeio: "Ué, você viu aquilo ali passando?", "Vi... que coisa né..."

Shockwave
Destaque: As fileiras de cadeiras giram sobre o próprio eixo enquanto a máquina chacoalha tudo pra tudo que é lado.
Emoção: Agora eu sei como a minha roupa se sente dentro da secadora...

Tomb Raider: The Ride
Destaque: Você anda deitado no melhor estilo Super-Homem. E sabe o que isso tem a ver com Tomb Raider? Absolutamente nada...
Emoção: Os giros e as curvas eram legais, mas na maior parte do tempo você ficava é batendo a cabeça dos lados da cadeira.

Top Gun
Destaque: Os carrinhos são invertidos (presos nos trilhos por cima) e o trajeto, com inúmeros loops e giros, foi projetado para dar a impressão de que você está voando num jato F-14.
Emoção: Eles conseguiram.

The Bat
Destaque: Assim que o carrinho passa por todo o trajeto, ele começa a correr de trás pra frente e você refaz tudo ao contrário.
Emoção: A descida inicial é alta: dá muito medo!

Vortex
Destaque: Os carrinhos são suspensos por cima e o trajeto percorre um belo cenário, com laguinho e tudo.
Emoção: Normal, até os segundos finais. Antes da freada final, o carrinho deu uma balançada e eu podia jurar que ele ia bater numa viga de metal.

Dragon Fire
Destaque: Dois loops seguidos.
Emoção: A descida inicial nem dá medo. Até que você dá de cara com os dois loops...

Drop Zone
Destaque: Essas cadeiras aí são elevadas até o topo da torre, 70 metros acima do chão. Depois, eles soltam você lá de cima, caindo a 100km/h por quatro segundos.
Emoção: Essa vai ter que ser no detalhe.

Quando chegou a minha vez de ir, eu vi uma menina descer da cadeira chorando e tremendo. "Bobagem", pensei eu.

Sentei lá, a subida começou e foi ficando tudo muito pequeno lá embaixo. A máquina deu um estalo quando chegou no topo da torre e ficou um segundo parada. Depois, outro estalo, e a cadeira começou a cair numa velocidade assustadora.

No primeiro segundo da queda eu agarrei as alças da cadeira como se fosse morrer. Tentei gritar: não saía nada.

No segundo segundo da queda eu já estava em pânico, abraçado com as alças da cadeira no melhor estilo "mulherzinha". Até fechei os olhos, desesperado.

No terceiro segundo, não me pergunte como, eu pensei: "CALMA que isso é só um brinquedo e você não está aproveitando nada assim, de olhos fechados". Abri os olhos, vi o chão chegando, e me arrependi.

No quarto segundo, os famosos superfreios eletromagnéticos a prova de falhas foram acionados. A cadeira levou meio segundo para reduzir a velocidade para agradáveis 5km/h e instantes depois eu estava no chão.

A foto abaixo sou eu, logo depois da queda, sem saber se ria ou se chorava.

Wonderland é meio que como a vida: você sofre mas se diverte.

Falha na Matrix

2005-05-30 19:25:00 +0000

Hora do almoço e nós fomos no Swiss Chalet. Resolvi ir ao banheiro.

Peguei um corredor estreito e abri a porta com o desenho do homenzinho. Depois de tirar a água do joelho, saí do banheiro, saí do corredor e estava de volta no... Harveys?!???

Cinco segundos depois eu descobri o problema: os dois restaurantes são vizinhos e compartilham os mesmos banheiros. O corredor onde passei começa num restaurante e termina no outro...

Eu realmente preciso de férias.

Falando nisso, contagem regressiva... faltam 11 dias pra eu voltar pro Brasil. Depois, só Deus sabe pra onde eu vou. Enquanto isso, vamo brincar de TOP 5...

TOP 5 coisas do Brasil das quais eu tenho saudade

(Tirando o óbvio, é claro)

Guaraná Antarctica, especialmente o de garrafa.
Encostar em pessoas. Acho que nesses cinco meses aqui eu nunca ganhei um abraço de nenhum canadense.
Terça Standard, a tradicional saída com os amigos que acontece há uns 10 anos. Começa no Stadt Jever e termina de madrugada no Recanto Verde...
Dirigir um carro com câmbio manual
Milk-shake de ovomaltine do Xodó da Praça da Liberdade. Nham.

TOP 5 coisas do Canadá das quais eu vou sentir saudade

Entrar numa loja de CDs e ver CDs que eu realmente gosto
Minha casa canadense. Pelo lugar e pelas pessoas. Ah, como é bom chegar do trabalho e ficar sentado na varanda, jogando conversa fora com os caras e olhando os barquinhos pescando na Frenchmen's Bay...
Segurança. Eu podia escrever um post inteiro só sobre isso. A sensação de poder deixar a porta de casa aberta, ou de andar no centro de Toronto com sua câmera digital pendurada no pescoço, e ter certeza que NADA vai acontecer, é indescritível.
Internet sem fio absurdamente rápida. Ontem eu baixei um filme, Monty Python em busca do Cálice Sagrado. Foram 700 MB em apenas duas horas.
Comidas nada saudáveis e deliciosas. Café sabor french vanilla, rosquinha Boston Cream do Tim Hortons, chicken wings gordurentas e crocantes...

Dusk

2005-05-27 01:14:00 +0000

...e esse é o céu de oito horas da noite aqui no Canadá.

Algonquin

2005-05-25 03:06:00 +0000

Segunda-feira passada foi Victoria Day aqui no Canadá. Tem uns fogos no fim do dia, a Rainha aparece na TV e tal. Aproveitando o dia extra, resolvemos viajar para Algonquin, o famoso parque da província de Ontario.

Durante a semana passada, sempre que eu dizia pra alguém que estava indo pra Algonquin, ouvia de volta:

- Não esqueça o repelente de insetos.

Nem precisou tanto. A chuva intermitente dos três dias ajudou a espantar a mosquitada (que, realmente, era assustadora). Mas a chuva e os mosquitos foram a única coisa incômoda dos três dias. O resto foi muita caminhada, canoagem e paisagem de livro de geografia: "Fig. IX - Vegetação de países de clima temperado"...

Mas nos livros não era tão bonito assim.

Além das belíssimas paisagens, outro destaque do parque é a organização: No começo de cada uma das dezenas de trilhas, por exemplo, tem livretos com informações sobre a caminhada. O centro de visitantes tem um pequeno museu e um mini-cinema, que passa um filme de uns 10 minutos sobre as origens e as atrações do parque. Quando o filme termina, aparece uma mensagem que diz: "Agora vá e veja você mesmo a melhor das nossas atrações". Na sequência, abre-se uma porta ao lado da tela, que dá acesso ao deck de observação...

No primeiro dia ficamos passeando pelas trilhas. Éramos nove pessoas no total, divididos em dois carros, um "prata" e um "bege". No fim do dia, como estava chovendo, eu e uma das meninas desistimos de uma das trilhas e ficamos conversando fiado dentro do carro prata. A chave do carro bege estava comigo, porque era onde minhas coisas estavam.

Algum tempo depois o pessoal completou a trilha e decidimos ir embora pro hotel; o carro prata começou a viagem de volta primeiro e, como eu já estava dentro dele, continuei lá. As viagens de carro eram longas mas interessantes, porque a gente sempre topava com algum bicho. Dessa vez foi uma raposa com filhotes...

Além da raposa, tinha também uma anta: eu, que só percebi que estava com a chave do carro bege depois de meia hora na estrada. Mais meia hora pra voltar e reencontramos um pouco mais da fauna do parque: um bando de homo sapiens revoltados...

No hotel, na hora do jantar, pedi um prato chamado Arlington's Poor Boy. Nada mais apropriado.

Falando no hotel, o Arlington na verdade era um albergue que, por fora, dava até medo. Mas por dentro ele era simples, limpo e confortável.

Outra coisa divertida pra se fazer em Algonquin é andar de canoa. No domingo passamos o dia remando pelos extensos lagos do parque, parando nas ilhas pra algumas fotos e aproveitando a vista. Numa das ilhas deu até pra ver um pouco mais da fauna do lugar: um cara usando apenas uma toalha enrolada na cintura...

Mas o bicho que mais tinha em Algonquin era o alce. No total vimos uns quatro ou cinco alces. Apesar do tamanho eles parecem ser bastante dóceis: no domingo eu pude tirar fotos tranquilamente, a uns três metros desse aqui da foto. Só faltou a gente ver algum urso, mas não apareceu nenhum.

De noite, quando acabavam as atrações do parque, era hora de fazer uma bagunça no melhor estilo brasileiro. Depois do jantar do domingo, por exemplo, o carro prata (uma Cherokee) virou uma boate ambulante na viagem de volta. No som tocava Fatboy Slim, enquanto todo mundo piscava loucamente as luzes internas e gritava em coro:

Cheroka! Cheroka! Boate da Cheroka!
O urso! O urso! Eu quero ver o urso!

Algumas fotos extras do passeio:

O hidroavião da brigada de incêndio do parque;
Os restaurantezinhos de beira-de-estrada onde a gente comia. O café da manhã que eles serviam era sempre alguma coisa 'levinha': ovos, bacon, torradas cheias de manteiga e batata frita. Haja coração;
Veados. Esse aí a gente viu passando saltitante pela estrada. Realmente, veados são, hã, muito gays;
A estação de trem abandonada da cidade de Maynooth. Teoricamente era pra ser uma atração turística, mas não é nada mais do que um prédio caindo aos pedaços. Valeu pela pichação do lado de fora: "NIRVONA RULES". Coitado do Kurt Cobain;
Pra encerrar, mais uma panorâmica do parque...

Newsflash

2005-05-20 13:33:00 +0000

E ontem teve a fatídica reunião. As chances de que eu passe uma temporada extra aqui no hemisfério norte variaram bastante durante o dia. De manhã elas caíram pra 10%.

No final do dia eram de 90%...

Surpresa: o preço da gasolina aqui no Canadá varia durante o dia. No posto aqui perto de casa, de manhã o litro é mais caro: 0,845 CDN$. No fim do dia o preço cai pra 0,775 CDN$.

Segunda que vem é feriado aqui, o tal Victoria Day. Agenda do feriadão: ir para Algonquin, dar um alô pros ursos e alces...

Hoje

2005-05-19 05:31:00 +0000

Já passou de meia noite. Daqui a algumas horas eu descobrirei se volto em definitivo pro Brasil no dia 10 de junho ou se passo mais uma temporada por aqui. Tudo depende de uma reunião e das pessoas certas gostarem do nosso trabalho.

Agora há pouco eu colocava minhas carnes de molho na banheira. Trilha sonora: The Delgados - Universal Audio. A letra da sexta faixa era profética...

are you gonna sink or swim?
from coast to coast is more than you bargain for
are you gonna lose or win?
from ties and lies is something worth trying for

Rotina

2005-05-18 04:20:00 +0000

Pelo menos até as 8 da manhã eu sei exatamente o que vai acontecer no meu dia

6:40 - Algum dos meus housemates vai entrar no banho e eu vou acordar com o barulho do chuveiro e logo em seguida dormir de novo.
7:00 - O despertador vai tocar.
7:05 - Vou criar coragem de sair da cama e ir até o banheiro lavar o rosto.
7:08 - Três itens vão estar cumpridos: cabelo, desodorante e lentes de contato.
7:09 - Ao olhar para a direita eu vou ver exatamente a mesma cena lá fora: a equipe de remo treinando na Frenchmen's Bay e um dos vizinhos passeando com o cachorro. Sempre, exatamente isso.

7:20 - Estarei sentado com uma colher na mão direita e uma tigela na minha frente. Na tigela vai ter leite e cereal (70% de Cheerios, 30% de All Bran). A TV vai estar ligada no Breakfast Television.

7:30 - Aquele bipe chato do carro avisando que falta botar o cinto de segurança vai me irritar.

7:50 - Se nesse horário ainda estivermos antes de Ajax, o trem interestadual vai passar à nossa direita.

8:00 - Pegarei, hesitante, a maçaneta da porta principal do escritório, com medo de levar um choque por causa da eletricidade estática. Depois de entrar, direi good morning para a secretária que fica logo em frente, e ela responderá com um sorriso.

Depois disso eu já não garanto nada.

Fim de semana

2005-05-16 23:13:00 +0000

Na sexta-feira começaram a pipocar emails com um subject 'latino': Festa no apê...

Era a convocação para a festa da noite. Um grupo de colegas que estão trabalhando numa cidade próxima veio passar o fim de semana conosco. A festinha foi madrugada adentro...

Curiosamente, um dos assuntos da noite foi este blog que vos fala. Tinha gente querendo saber se aquela história do cartaz de "U R NOT HOT" era verdade mesmo, outros querendo saber quem eram as pessoas por trás dos pseudônimos...

O sábado só começou lá pelo meio-dia. Almoçamos no Mongolian Grill, alguns foram pra casa cochilar, outros foram andar no shopping. O dia estava bem bonito.

No fim do dia um dos nossos colegas (que pediu que seu pseudônimo fosse Alladin) foi estrear sua vela de limpar ouvido. Este peculiar artefato, comprado dia desses na mão dos chineses do Pacific Mall, é um tubo que você coloca na orelha e acende. Enquanto queima, a tal da vela traz diversos benefícios: remove toxinas, limpa seu ouvido e dá milhares de razões pros seus amigos fazerem piada com a sua cara.

Mais à noite o pessoal caiu na night, todo mundo foi ao Bier Market, em Toronto. Exceto eu, que tive preguiça e fiquei em casa. Maniac Mansion Deluxe (!!!!) me fazendo companhia.

O domingo também começou tarde. Novamente em Toronto, almoçamos no ótimo Spring Rolls. O assunto da vez era a dondoca Paris Hilton e a famosa história do seu vídeo, espalhado pela net, onde ela aparece com o namorado em momentos, hã, horizontais.

Depois teve uma caminhada rápida pela região da Bloor Street, a parte podre de rica de Toronto. Numa das lojas eu peguei a etiqueta de uma calça da Diesel pra ler:

"Este jeans foi cuidadosamente desgastado, à mão, pelos nossos designers, para que ele vista da mesma forma que aquele seu velho e confortável jeans surrado. Cada mancha e cada remendo são únicos para cada calça..."

O preço era algo acima de 300 dólares. Então é assim: quanto mais estragado o seu produto, mais caro ele fica.

No final da tarde passamos no Eaton Centre.

Entramos na Godiva, famosa loja de chocolates caros finos e supostamente muito gostosos. Experimentei uma barrinha de chocolate branco (4 CDN$), que não ficou devendo em nada para um velho e bom Laka...

Do lado de fora do shopping descobrimos um cantinho que era o point de paquera dos mendigos da cidade (?!), e aproveitamos pra rever algo que há muito tempo estava sumido: folhas nas árvores.

Depois, acabou. A segunda-feira ficou perigosamente próxima e fomos pra casa...

Créditos devidos: O layout das fotos deste post é cópia descarada do que o Ricardo Freire usa no seu ótimo viaje na viagem. Como dizem por aí, "o plágio é a forma mais sincera de elogio"...

Québec, Montreal e Ottawa, parte 2

2005-05-16 04:23:00 +0000

Algumas horas de estrada, pontes e túneis: é o que atravessamos pra chegar em Montreal, cidade famosa por ter sediado os jogos olímpicos de 1976.

No caminho para o hotel passamos ao lado da vila olímpica, com a peculiar torre inclinada sobre o estádio e tudo. Tivemos um probleminha de "propaganda enganosa" com o hotel que eu tinha reservado (as fotos que vi na internet não tinham nada a ver com o lugar) e acabamos nos hospedando no hotel vizinho, melhor e mais barato. Acho que Murphy mora mesmo é nos Estados Unidos...

Depois, fomos direto pra a região do antigo porto, que é onde aconteceria a apresentação do ultrafamoso Cirque du Soleil, com o espetáculo chamado Corteo. Eu vou fazer apenas um comentário sobre o show: se um dia eles passarem pela sua cidade e você ver o preço dos ingressos, não diga: "OQUÊÊÊ? Isso tudo?! Que roubo! Eu não vou nisso nunca!".

Em vez disso, vá lá e PAGUE. Eu nem sou tão fã dessas coisas assim e várias vezes me peguei com o queixo caído durante a apresentação. Então saiba: Vale cada centavo.

Depois do show já era quase noite e, com a alma devidamente alimentada, faltava reabastecer o corpo: fomos jantar num restaurante grego. Achei que eu estava sendo altamente experimental quando pedi um souvlaki... até ver que era apenas um espetinho de carne. Além disso, eu e Bethania comemos um pouco mais do nosso vício: caesar salad, a salada mais besta (e mais gostosa) que tem.

O dia seguinte (aniversário de Bethania) foi dia de explorar rapidamente a cidade, já que queríamos passar em Ottawa antes de voltar pra casa. Passamos pela ponte Jacques-Cartier e fomos para o Parc Jean Drapeau. Vimos a Biosphere (um museu meio ecológico-ambiental) e tentamos achar um museu, mas só achamos uma torre no meio do mato...

Depois, mais estrada. Confirmei que, em Quebec, os canadenses dirigem como doidos: eu andava a 130 por hora na estrada e sempre tinha um fominha colado na minha traseira. E um detalhe: vimos que Montreal tem dois grandes aeroportos, chamados Dorval e...Mirabel?

Falando em estrada, eu devo ter dirigido por umas 18 horas nesses três dias, mas como todo mundo já deve imaginar as estradas são excelentes. Tem até um detalhe interessante: a beirada da pista tem um "sinalizador sonoro", esse aqui.

Se você dormir e seu carro começar a sair da pista, o barulho das rodas no sinalizador serve pra te despertar novamente. Idéia simples e genial.

Algumas horas depois chegamos em Ottawa, capital do país e centro estratégico dos tabuleiros de War. Apesar dos prédios de época (como esse, do parlamento), Ottawa tem um clima de cidade grande. Mais uma vez, fomos procurar um centro de informações turísticas pra descobrir o que dava pra fazer nas poucas horas em que ficaríamos na cidade.

Em Montreal tínhamos usado novamente esses serviços públicos de informação, e fomos muito bem atendidos de novo. Como Ottawa era nosso último destino, achei que Murphy ia aparecer e fazer o centro de informações ser bem ruinzinho.

Eu não podia estar mais enganado: no meio do lugar havia uma maquete enorme da cidade inteira. Aí você selecionava alguma atração turística e, ao pressionar de um botão, uma luz acendia-se na maquete, indicando onde era o lugar.

Como o tempo era curto, atravessamos a Pont Macdonald Cartier e fomos tirar algumas fotos no Museu da Civilização. A vista de lá era uma coisa...

Aí acabou, era hora de ir pra casa. Como Bethania só tinha recebido os parabéns de mim, paramos num lugar qualquer pra ela poder telefonar pro Brasil.

E foi isso, três ótimos dias. Semana que vem é feriado e devo voltar à Ottawa, para ver o festival de tulipas. Espero que vocês não tenham se cansado de ver fotos...

O Primo no show do Autechre

2005-05-12 14:50:00 +0000

Faltavam poucos minutos para as nove da noite da quarta-feira quando entramos na pequena fila que se formava na porta da Opera House, em Toronto. As portas iriam se abrir pontualmente às nove para apresentações de Rob Hall, SND e, no fim, do Autechre.

Digo "entramos" porque acabei arrumando companhia para o show: Kay, uma colega de trabalho, me ouviu comentando que ia e quis vir comigo. Não adiantou alertá-la de que não se tratava de música "fácil", que ela iria ouvir alguma coisa parecida com um CD riscado a noite toda: ela não desanimou.

A tal Opera House é um velho teatro que acabou virando casa de shows. No palco, Rob Hall tocava alguns discos de um "electro-tech-house" bastante confortável. Devagarinho a casa foi se enchendo de um público bastante diversificado: tinha gente de bermuda, de terno, de uniforme de frentista de posto de gasolina, de vestido velho daqueles comprados em brechó, de roupa de marca, de camisa do Kraftwerk. Tinha gótico, tinha cult, tinha gay, mas a grande maioria era de nerds - feios, magrelos, branquelos, de óculos e com a cabeça meio raspada.

Acho que você vai rir, mas eu me sentia em casa. Já a Kay olhava em volta, sorridente: "Ah, eu gostei! Não é programa pra um sábado à noite mas eu gostei..."

Depois de algum tempo, Mat Steel e Mark Fell subiram discretamente no palco: era o SND que ia tocar. Os dois foram responsáveis pela parte mais "CD riscado" da noite: quando o ritmo parecia que iria tomar a forma de alguma coisa convencional, logo se desmanchava numa batida sem o menor sentido, que fazia um bonito contraste com os arpeggios sintetizados, às vezes delicados como um pianinho de brinquedo. A Kay, já não muito sorridente, arrumou um cantinho na beirada do palco e se sentou.

Rob Hall voltou para as pickups apenas para dar tempo de preparar o palco para o Autechre. Eu não fazia a mínima idéia de como eles iam tocar, então fui consultar o FAQ da banda e achei minha resposta no item 1.05:

1.05 - Como é o Autechre ao vivo?

Bem, ou eles fazem um DJ set, ou um mix set ou uma produção completa com sintetizadores. Eu vi o mix set, que é quando o Sean e o Rob tem cada um um laptop e um mixer customizado no meio deles. Usando minidiscs, eles se apresentam fazendo músicas customizadas a partir de loops que eles tem gravados, e/ou colocam músicas conhecidas (...). De qualquer um dos jeitos, Autechre ao vivo é algo pra se ver.

Quase todas as luzes se apagaram durante o show, e muita gente no público (incluindo eu) passou grande parte da apresentação de olhos fechados, balançando discretamente junto com a batida: era a melhor forma de "ver" o show. E o cara do FAQ tem razão, Autechre ao vivo é uma coisa de louco. Um dos caras passou o tempo todo debruçado sobre um sequencer, programando as duas horas de loucura rítmica, enquanto o outro recortava e colava texturas sonoras de tudo que é tipo, atrás de uma pilha de equipamento que eu não consegui reconhecer. O chato é não poder mostrar isso aqui: infelizmente não me deixaram entrar com a câmera.

Aí no meio do show eu olho pra Kay, toda encolhida na beirada do palco. Levei um susto e fui ver o que tinha acontecido:

- Kay! Tudo bem?!
- Hã... sim... eu tava dormindo...

No fim das contas os caras mandaram muito bem e eu me diverti como nunca. Outros detalhes:

Antes de entrar um cara meio lesado puxou conversa conosco na fila. Papo vai, papo vem, depois de ver que éramos brasileiros o cara me manda a fatídica pergunta:

- Pô legal... mas... no Brasil como é que é, é selva mesmo?

Ainda teve outras pérolas...

- Pô, aí, eu não sei os detalhes mas eu vi no jornal que cês tiveram um lance tipo uma guerra civil...
- Hmmm... acho que não foi no Brasil não, cara.
- Pô, sei lá, foi tipo um lance aí com o presidente...
- Não, esse aí é o Equador, não é o Brasil.
- Mas num teve um país aí que quebrou e tal?
- Não, essa aí é a Argentina...

O único problema que tive no show foi quando uns três caras ficaram na minha frente. Um deles tinha, juro por Deus, uma barba de pirata. E o que estava do meu lado dançava como um epilético. E estava com o desodorante vencido...

Claro que tinha muita gente usando drogas. A maioria ficava em frente às caixas de som, dançando descoordenadamente. Teve uma menina que ficou o tempo inteirinho imóvel, de boca aberta, olhando sem parar para o palco. E um outro cara que de repente apareceu pulando na nossa frente.

Quase no fim do show ele me cutucou e disse, risonho:

- Cara!! Você está QUASE DANÇANDO!!! Cuidado!

Québec, Montreal e Ottawa, parte 1

2005-05-10 19:32:00 +0000

Ah, finalmente terminei de escrever sobre a viagem do dia 30. Três dias, três cidades...

A jornada do fim-de-semana começou cedo no sábado. Cinco da manhã e já estávamos na estrada, consumindo lentamente os mais de 700 quilômetros que nos separavam de...

Québec

A província de Québec é bem peculiar. Foi colonizada pela França e tem o francês como língua oficial, coisa que deu pra notar assim que o carro passou pela fronteira. Várias placas de trânsito ficaram ilegíveis...

Era mais ou menos uma da tarde quando chegamos em Québec City, a capital da província. Como não podia deixar de ser, ficamos perdidos enquanto procurávamos o hotel, o que acabou sendo excelente porque acabou forçando um "reconhecimento" da cidade velha, a parte histórica de Québec que fica dentro da muralha (a cidade é murada por causa dos antigos quebra-paus entre franceses e ingleses). Para você ter uma idéia de como ela é, imagine como seria Ouro Preto se ela fosse na Europa.

Fica assim...

Depois de achar o hotel, almoçamos e começamos o tour. Nossa primeira parada foi num posto de informações turísticas. Perguntamos a atendente o que ela sugeria que fizéssemos durante a tarde, ela sacou da gaveta um mapa e, extremamente atenciosa, foi indicando os lugares que poderíamos visitar. Marcava os trechos com caneta marca-texto, falava o que tinha, a que distância ficava, dava mil e uma opções. A explicação da mulher foi tão boa que eu comecei a ficar preocupado: "quanto ela vai me cobrar por esse roteiro todo??". Mas era de graça.

A primeira parada foi no prédio mais alto da cidade, onde havia um observatório. O tempo estava ruim mas mesmo assim deu pra curtir a vista (clique aqui e passe o mouse sobre a foto).

Depois passamos a muralha e entramos na cidade velha, que se mostrou muito mais bonita de baixo do que de cima. Québec ainda conserva todos os detalhes da época (até o Burger King é estilo "old skool").

Mais tarde pegamos o funiculaire, um elevador inclinado que leva até a cidade baixa. Vimos algumas outras coisas e voltamos pro hotel.

O jantar foi uma boa massa num tal Pennelo Bistro (se não me engano o nome era esse mesmo). Enquanto víamos as pessoas passarem, eu e Bethania concluímos que as mulheres de Québec são muito bonitas. Mas muito mesmo. Desde a recepcionista do hotel, passando pela faxineira no corredor até as garçonetes do restaurante, todas elas eram extremamente bonitas. Tanto que, quanto Bethania voltou ao Brasil, me deixou uma recomendação: "NÃO OLTE em Québec!!"...

O dia seguinte amanheceu com neblina. Demos mais uma voltinha pela cidade, visitamos a Catedral de Notre-Dame número 1 (porque em Montreal e Ottawa também tinha igrejas com o mesmo nome), depois botamos de novo o pé na estrada.

Quatro horas depois, estávamos em Montreal. Conto tudo na parte 2, prometo.

Coisas que tem em excesso no Canadá

2005-05-10 16:04:00 +0000

Indianos e chineses. Muitos. Muitos mesmo.
Tim Hortons. Tem uns três ou quatro Tim Hortons num raio de 1 quilômetro de onde eu vivo. Dizem que em Halifax há um cruzamento que, das quatro esquinas, três tem um Tim Hortons. Também pudera, as rosquinhas são absurdamente gostosas...
Placas de carro personalizadas. Já vi umas medonhas, tipo, "MINE" ou "VROOOM" ou "COVER ME".
Mini Coopers.
Bandeiras. Folhinha vermelha dominando...
Gaivotas. Equivalem aos pombos das cidades brasileiras.
Fumantes e, paradoxalmente...
Campanhas antitabagismo.
Aviões que deixam aqueles rastros brancos no céu.
Gente passeando na rua com fone de ouvido. Normalmente são aqueles fones brancos do iPod.
Gente passeando na rua com câmera fotográfica pendurada no pescoço.
E, por incrível que pareça... pernilongos. Centenas deles. Chegaram junto com a primavera.

Os livros passaram e eu nem vi

2005-05-08 16:59:00 +0000

Passeando pela lista de shows do site do Feedback Monitor eu descubro que o The Books tocou em Toronto... na última QUINTA-FEIRA!!!!!!!

Eu consigo contar nos dedos da mão esquerda do Lula quantas bandas eu tinha vontade de ver ao vivo. The Books era uma delas. E eu não fui.

Droga.

Hoje mesmo vou comprar ingressos pro Autechre na quarta e vou de qualquer jeito.

Update: Comprei...

Comprei numa lojinha chamada Rotate This que era inacreditável. Eu pensava numa banda bizarra, ia procurar na prateleira, e lá estava o CD. Tanto que não resisti e comprei o "In Through the Out Door", disco do The Rip Off Artist.

O Rip Off Artist é um cara é bem humorado: no site oficial tem dezenas de biografias dele, todas falsas. E os nomes dos discos dele costumam ser cópia de nome de disco de outros artistas. "In through the out door", por exemplo, é um disco do Led Zeppelin. Os outros discos dele (New Clear Days, The Kids Are Alright, Brain Salad Surgery, Pet Sounds e Pump) são, respectivamente, discos do The Vapours, The Who, Emerson Lake & Palmer, Beach Boys e Aerosmith...

Mudando de assunto, vão aí umas fotos do meu novo quarto. Na antiga casa meu quarto era esse:

O quarto novo é uma suíte enorme, com banheiro e closet. Dentro dele cabem uns quatro quartos do tamanho do meu quarto no Brasil...

Irish Pub Madness

2005-05-06 00:34:00 +0000

Na sexta-feira, antes de ir pra Quebec, resolvemos dar uma passadinha no pub irlandês que tem aqui pertinho de casa. Fomos eu, Bethania e um dos nossos colegas de casa.

Sentamos em frente ao lugar onde a banda da noite se preparava pra tocar. Na segunda música o vocalista vira pra mim e pergunta:

- Essa aí é sua namorada?
- É sim - respondi
- O nosso amigo aqui pediu que fizéssemos uma surpresa pra namorada dele, então vamos tocar esta música em homenagem a ela...

E a guitarra saiu emendando a introdução de "My Girl", do The Temptations. No refrão o vocalista botou ainda mais pilha e disse pra nós: "Vocês deviam estar dançando!"

E lá fomos nós pra frente do palco... Bethania, dando risada, cochichou no meu ouvido:

- Você combinou isso com esse cara mesmo?
- Não.
- Imaginei.

Cara romântico é isso aí: faz uma surpresa pra namorada que é tão surpresa que nem ele mesmo sabe dela...

A noite ainda teve outros eventos engraçados. O principal dele foi uma tia bêbada que volta e meia saía correndo pelas mesas e colocando o pessoal pra dançar. Bethania até tirou uma foto do exato momento em que ela se aproximava para capturá-la. Essa é imperdível, clica aí.

P.s.: Eu ia até comentar que a tia ainda ficava colocando meu colega pra dançar com as meninas do lugar, porque ele era, segundo a definição dela, "so cute" (tão bonitinhuuuu), mas agora que meus colegas de trabalho andam lendo esse blog eu não vou fazer isso.

Ops, fiz...

Tempo? Não tem.

2005-05-05 12:16:00 +0000

Continuarei devendo as novidades de Québec/Montreal/Ottawa por falta de tempo de escrever um post decente.

Toma aí umas fotos só pra ir abrindo o apetite.

Toronto à noite, vista do restaurante Panorama, que fica no 53o andar do Manulife Centre. Eu e Bethania fomos lá na semana passada, ela tirou essa foto.

Ainda no jogo de baseball, Bethania me fotografou olhando o policial que olhava pra mim no melhor estilo "vai encarar??"...

Segunda feira passada foi aniversário de Bethania. Como estávamos viajando, paramos em algum lugar pra ela poder ligar pra casa e receber os parabéns.

Pra aumentar ainda mais a curiosidade: uma amostra de Quebec City, Montreal e Ottawa...

Despedidas

2005-05-04 04:44:00 +0000

E hoje foi dia de levar Bethania no aeroporto e dizer tchau. Ela passou um mês aqui e o mês passou voando.

Agora tenho a minha cama toda só pra mim. E vocês não tem idéia do quanto isso é ruim.

Em tempo: várias dessas fotos que eu ando postando aqui foram tiradas não por mim, mas por ela. O tosco aqui está esquecendo de dar os créditos devidos.

Mas espantemos o bode e falemos de algo interessante...

Wednessday Night Baseball

Quarta foi dia de conhecer o Rogers Centre, antigo SkyDome, famoso estádio que fica do lado da CN Tower. O time local (Toronto Blue Jays) foi jogar contra o Tampa Bay Devil Rays e venceu com facilidade: 7 a 4.

Baseball pela TV é um saco. Ao vivo é muito mais emocionante. Mais real, sei lá. E é divertido ver o batedor correr igual louco pra primeira base, pular no chão, se sujar todo e ser eliminado porque a bola chegou na base uma fração de segundo antes dele...

O jogo realmente é longo, mas sempre tem algo pra distrair: nos intervalos, por exemplo, a TV fica focalizando o público no melhor estilo "filma eu Galvão". E no sétimo intervalo (o jogo tem 10) tem o tal do "seventh inning stretch", que é meio que uma dancinha que o mascote do time faz com o público, com o objetivo claro de fazer todo mundo levantar e esticar um pouco as pernas.

O estádio é muito organizado, cadeiras numeradas, segurança... e torcidas misturadas: duas fileiras atrás de mim tinha um pessoal torcendo pelos Devil Rays, na maior tranquilidade. Destaque também pro telão enoooorme que mostrava estatísticas do jogo, foto do rebatedor e outras firulas. Mas o destaque mesmo do Rogers Centre é o teto "retrátil", que fica aberto nos dias de sol mas pode fechar se o tempo fica chuvoso. Coisa comum aqui no Canadá...

Cenas do próximo capítulo: ainda falta contar do restaurante Panorama, do irish pub na sexta-feira e da viagem para Quebec/Montreal/Ottawa. Não "perda".

Nota rápida

2005-05-03 14:56:00 +0000

Só pra avisar que eu não morri. Tem muita coisa pra contar e pouco tempo. Vou ver se consigo me organizar e colocar tudo aqui até quarta.

Falta falar sobre:

- O jogo de baseball que vi na quinta
- A viagem do fim de semana: Quebec, Montreal e Ottawa

Tem centenas de fotos também. É só ter um pouquinho de paciência.

Shutter Bug

2005-04-27 19:15:00 +0000

E dá-lhe foto. Acho que minha Olympus C740-UZ nunca trabalhou tanto, coitada.

Esplanade Bier Market, o lugar com cervejas de todas as partes do mundo (menos do Brasil)
Na lateral do prédio dos estúdios da CityTV tem uma surpresa...
Passei na porta do Hockey Hall of Fame, provável lugar de inspiração para Hannibal Lecter.
Música do Kraftwerk: Neon lights... shimmering neon lights...
A entrada do Royal Ontario Museum
Voltando do Pacific Mall outro dia, e o céu me fica assim.
Show de luzes da Guvernment. Ah, se o DJ fosse tão legal quanto os lasers...

Não quente

2005-04-27 13:12:00 +0000

Ontem à noite, eu e Bethania passávamos de carro na DVP.

Olhei pro lado. No carro à minha esquerda havia uma mulher no banco do passageiro. Ela estava olhando pra mim, rindo e segurando um bloco de notas aberto contra o vidro. No papel, estava escrito:

U R NOT HOT

Que significa "you are not hot" que significa "você não é gostoso".

Abri o vidro e gritei:

- Well, but I got a girlfriend anyway! (Mas mesmo assim eu tenho namorada!)

Chalé Suíço

Tem uma rede de restaurantes aqui no Canadá chamada Swiss Chalet. Dois acontecimentos em dois deles:

Toronto, Bloor Street. Eu e Bethania entramos no restaurante e uma garçonete veio falar conosco:

- Good night, table for two?
- Yes, pl...
- Follow me please...

Uma senhora, provavelmente latina (percebi pelo sotaque) nos atendeu. Trouxe o pedido todo errado. Virei pra ela pra explicar o problema:

- Excuse me, but this meal here...
- Oh, do you want the rrrrrrice? - cortou ela, sarcástica e arranhando os "erres".
- Yes, but I...
- I can brrrring you the rrrrrrice...

Whitby, Consumers Drive. Aniversário de um colega de trabalho.

No finalzinho do almoço, todas as garçonetes vieram em grupo até a nossa mesa, batendo palmas e segurando uma fatia de torta com uma vela em cima. De repente, todas elas começam a cantar em estilo militar: sabe quando o pelotão está fazendo cooper, o sargento diz uma frase, depois todo mundo repete?

E a letra era essa:

I don't know but I've been told!
Someone here is getting old!
It is someone's special day!
Greetings from the Swiss Chalet!

Sobre o clima

2005-04-25 17:10:00 +0000

Tou aqui ouvindo o pessoal chegar no escritório:

- Olá fulano, como foi o fim de semana?
- Foi molhado...

Sai a neve, vem a chuva: começou sexta à noite e a previsão é que ela vá até terça. Que beleza viu...

Sábado

Durante o dia fomos tomar chuva em Toronto: deixamos o carro num estacionamento e compramos um passe do metrô para perambular pela cidade. Passamos a tarde no Royal Ontario Museum. O museu é enorme, são três andares de exposições variadas: dinossauros, coisas egípcias (incluindo uma múmia de verdade), artefatos greco-romanos, história natural e mais uma pá de coisa.

À noite fomos ao Esplanade Bier Market, um lugar especializado em cervejas. O menu tinha cerveja de dezenas de países... mas nenhuma brasileira. O garçom passou e perguntamos o porquê. A resposta dele:

- É porque não existe cerveja brasileira boa.

Depois disso eu teria me levantado e ido embora na mesma hora. Mas éramos muitos e o pessoal acabou ficando.

Tinha música ao vivo: uma bandinha-padrão tocava um pop-padrão para uma platéia animada que se espremia em frente ao palco. Acabei sendo arrastado pra lá e fiquei tempo suficiente pra ver algumas bizarrices:

Tinha um cara peidando no meio do público. Volta e meia formava-se uma rodinha vazia em meio à multidão por causa das bufas que o cara soltava.

Um outro mané estava dançando com um óculos estilo Elvis... com costeletas postiças penduradas nas hastes do óculos.

Quase no fim do show fiquei surpreso ao ver uma cena genuinamente brasileira: uma senhora, gorducha, vendendo rosas no meio da multidão. Fiquei ainda mais surpreso quando a véia foi para a frente do palco e começou a tirar a roupa. Bem, na verdade ela só tirou as duas blusas de frio que usava e depois ficou levantando uma das duas saias para a vocalista. Medo.

Quando o show acabou, a vontade de dançar do pessoal ainda não tinha passado, então acabamos indo mais uma vez (a anterior tá aqui) na Guvernment. Bethania entrou e ficou uns 10 minutos embasbacada com o lugar, as luzes e as drog... digo, a animação do pessoal.

Dessa vez o som estava mais pro lado do trance, o que automaticamente significa que de cinco em cinco minutos vai ter um break no meio da música. Só que o DJ da noite se empolgou demais e a cada break ele cismava de fazer alguma coisa: fazia uns scratches estranhos, parava a música por completo pro público ficar gritando... até que ele entrou numa egotrip e ficou DEZ MINUTOS com o som parado, fazendo apenas uns barulhos medonhos com o sampler. DEZ MINUTOS de "Bzzzz!! Bzzzzzzzzzzzzz! Bzzz! Bzz!".

Ficamos pouco mais de uma hora lá dentro e fomos embora.

Domingo

A programação original do domingo incluía um passeio em Toronto Island e, depois, um joguinho de baseball no Rogers Centre, com os ingressos gratuitos que eu havia ganhado.

Deu tudo errado: a chuva não deixou irmos em Toronto Island. E quanto ao jogo de baseball... bem, eu confundi o horário: achei que era às seis e descobri às três que o jogo era uma da tarde.

Só deu pra almoçar e ir no Pacific Mall para um momento muamba. Meu pai havia pedido uma câmera digital e acabei comprando uma uma Fuji A345. É uma câmera point-and-shoot, sem firulas avançadas pra confundir os usuários mais básicos, mas com qualidade de gente grande: 4.1 megapixels, zoom ótico de 3x, etc. Perfeita.

Duas línguas

2005-04-22 20:55:00 +0000

A coisa mais comum entre nós, consultores, longe do Brasil e morando juntos, é que depois de um tempo a gente passa a misturar as línguas.

Não, não estou me referindo a nenhuma safadeza. Estou falando de misturar inglês com português...

Por exemplo: No carro, voltando da academia, os papos são mais ou menos assim:

- Mas e aí, cê fez os gráficos ontem lá no serviço?
- Pois é, fiz tudo e mandei pro Stephen, logo depois ele me ligou falando: "You cannot put it like this", and I was like: Who does he think he is to talk to me like that?
- Oh, he's such a jerk...
- Pois é...

Algumas palavras do inglês já viraram até verbo aportuguesado: "Sharear", por exemplo, é o ato de "share" (compartilhar) alguma coisa: "Ei, depois você shareia essas fotos na rede pra nós?"

E pra completar, acabo de receber a seguinte frase no meu email:

Ok, apenas let me know quando updatar...

Polvos malucos e estúdios de TV

2005-04-22 05:24:00 +0000

Hoje foi dia de passear com Bethania em Toronto, de novo. Passamos na parte chinesa da cidade pra olhar um pacote turístico.

Aproveitei pra fotografar esse bicho estranho, que é servido num restaurante vietnamita. Da primeira vez que vi, achei que aquilo ali era um dos bichos do Half-Life...

Depois ficamos zanzando pela cidade e achamos o prédio do canal CityTV, que transmite o Breakfast Television. É aquele programa matinal que eu citei no post passado. Bastou um pouquinho de cara-de-pau e deu até pra entrar no estúdio e tirar fotos.


Cena de um dos programas


...e nós no estúdio!

Spam is the new art

2005-04-21 01:25:00 +0000

Ai meu saquinho... estou recebendo SPAM-ART agora...

Alguém processa esses caras, por favor...

Outro dia me chamaram aqui no serviço:

- Hey, brother from other mother!

Nossa casa aqui no Canadá já tem uma certa rotina televisiva. Entre nossos programas de TV favoritos estão:

- Pimp My Ride, que passa no Much Music, a MTV canadense. O rapper XZibit pega um carro véio de um moleque qualquer aí, leva numa oficina e reforma o carro todinho de uma forma, hã, boyzada. Afinal, não sei de tradução melhor para pimp do que boyzar.

- CSI, o primeirão mesmo, em Las Vegas. Por sinal, foi com o closed caption da TV que descobrimos que o tema de abertura tem até letra: "Whoooooooo are you..."

- Breakfast Television, programinha matinal de notícias e variedades apresentado por um casal de jornalistas. Esse é de lei: toda manhã, na hora do café, mesmo que ninguém esteja vendo, a TV tem que estar ligada no BT. A diversão mesmo é ficar vendo os sem-teto zoando o programa, já que o estúdio tem uma janela enorme que dá pra rua.

Hoje de manhã tinha um doidão com gorro de papai-noel pulando pela calçada...

Em tempos de papa alemão, nada como uma igreja feita de lego. Amém.

Curtinhas

2005-04-20 04:42:00 +0000

Yippie!! Tem show do Autechre em Toronto no dia 11 de maio! É numa quarta-feira, mas eu vou de qualquer jeito.

Hoje é terça, dia de Feedback Monitor na CIUT. Hoje teve participação especial da cantora Laurel MacDonald. Ouvi Nenia Sirenes, primeira faixa do disco dela intitulado Luscinia's Lullaby.

Nenia Sirenes foi escrita originalmente por Philip Strong usando restos de gravação da voz de Laurel, originalmente destinadas a outros projetos. Basicamente ele picotou a voz dela e montou a faixa. Laurel gostou tanto do resultado que regravou, com vocais reais, o que Philip montou com vocais sintéticos. O resultado é um ambient vocal belíssimo. Você consegue ouvir um trecho da música aqui.

Hoje eu e Bethania fomos no Harbourfront Centre, meio que o Palácio das Artes de Toronto.

Gostei de ver a exposição chamada Average Pictures, de Scott Conarroe. O cara leva sua máquina pra um lugar e deixa o filme exposto por um amanhecer (ou um anoitecer) inteirinho. O resultado são paisagens urbanas desertas e bonitas.

Falando em paisagens urbanas, há tempos eu queria tirar esta foto em Toronto...

Começa aqui

2005-04-20 04:22:00 +0000

Mais um comentário sobre a competência do marketing canadense.

Tem uma cerveja chamada Molson Canadian. O anúncio na TV (sem link para download, sorry) é todo filmado em "primeira pessoa", e é basicamente uma sequência de cenas curtinhas: um amigo bate na porta da sua casa e te fala todo animado: "Vambora! Pega seu casaco!", depois aparece outro na porta da sua casa, porta-malas do carro aberto, gritando "Vai fazendo as malas ae!", depois um outro amigo com um par de ingressos na mão, dizendo "nem pergunte como, nem por quê!", e por aí vai.

Depois vem várias cenas curtinhas de mulheres bonitas, uma esquiando, outra no avião, outra num restaurante, todas apresentando-se: "Eu sou a Beth", corta a cena, "Me chamo Daisy", corta a cena. A música de fundo é o crescendo dos primeiros minutos de "Right here, Right now", do Fatboy Slim, tudo para favorecer o clima de "vem algo bom por aí".

Depois vem o slogan: It starts here (começa aqui). E a música entra na sua parte mais agitada.

Basicamente, os caras vincularam a cerveja como o ponto de partida pra a diversão, e ainda alimentaram as fantasias amorosas dos zilhões de canadenses que acabaram tendo a impressão de que as mulheres estavam falando diretamente com eles, graças à câmera em primeira pessoa. Tudo isso sem ofender a inteligência de quem vê, coisa que infelizmente acontece nas propagandas brasileiras.

Hoje no trabalho eu fui pegar um café e vi, no jornal sobre a mesa, uma reportagem sobre esta nova campanha da Molson. Fiquei surpreso ao ver que o tom da reportagem era de incerteza quanto ao sucesso dela frente à campanha anterior, que havia sido um arraso, ficado famosíssima, gerado fãs por todo o país. O texto do comercial anterior havia sido impresso em camisetas, recitado em coro por torcedores antes dos jogos de hóquei, etc.

A campanha era intitulada "I am canadian". Vi o vídeo e tive que concordar. Se eu fosse canadense, sairia de casa pra comprar cerveja na mesma hora.

E tome foto

2005-04-18 20:56:00 +0000

Porque aqui no primo é assim: numa semana não tem foto nenhuma. Na outra tem milhares.

Certifique-se de ter clicado em cada um dos links deste post. Modéstia à parte, as fotos estão boas...

Sexta

À noite, eu e Bethania começamos o fim de semana enrolando brigadeiro para a festa-surpresa de aniversário para um de nossos housemates. Fizemos uma bagunça no carpete do quarto, já que, pela surpresa, não dava pra usar a cozinha.

Depois era hora de sair. O plano era tentar, novamente, achar um bar de jazz. Mas não foi dessa vez...

Acabamos indo parar num restaurante vizinho, chamado Red Violin, especializado em coisas latinas, inclusive rodízio à brasileira. Na entrada, a funcionária perguntou:

- Oh, are you brazilians?
- Yes - dissemos nós.
- I know some words... bom dia, boa tarde, obrigado, calaboca...

O lugar estava fechando e só deu tempo de ver um pouquinho da banda que tocava salsa e de rir de um cara, de terno e gravata, que insistia em dançar como um epilético.

Sábado

O sábado marcou o início oficial da maratona pelas atrações turísticas oficiais de Toronto. A primeira delas foi a Casa Loma, um castelo que pertenceu a um tal Henry Pellatt, comerciante ricaço do início do século. O coitado do Henry acabou falindo e a casa foi vendida a preço de banana.

O que eu gostei mesmo na Casa Loma foram duas coisas:

O órgão Wurlitzer. O diabo do órgão é a vapor, mas tem timbres de piano, xilofone, celesta, um kit completo de percussão e efeitos sonoros, totalizando 18 instrumentos diferentes.

O guia turístico eletrônico. Você entra num dos quartos e vê uma plaquinha com um número. Aí é só discar o número no aparelho que uma simpática voz de guia turística lhe fala alguma coisa sobre o local.

Ah, e a piada da vez era que o Sir Henry Pellatt construiu a casa naquele local só pra ter uma boa vista da CN Tower...

Falando em CN Tower, foi pra lá que nós fomos depois. Trocadilhos à parte, foi o maior passeio que fizemos até agora aqui no Canadá. A vista lá de cima é simplesmente espetacular.

Ainda fomos ver o famoso "chão de vidro", a 342 metros de altura. Era muito engraçado ver as pessoas andando pelo chão, medrosas, ou ver todo mundo sair correndo quando alguém resolvia começar a pular...

Pra tornar tudo ainda mais bonito, subimos até o SkyPod, o ponto "habitável" mais alto da torre, a 447 metros do chão. E, de lá, ficamos vendo o pôr-do-sol e a cidade anoitecendo (mais fotos aqui, aqui, aqui, aqui e aqui)

E na saída da CN Tower eu vi esta propaganda, simplesmente genial, do Royal Ontario Museum. É sobre uma exposição chamada "dinossauros com penas e a origem do vôo". Volta e meia eu levo um susto com a competência do marketing aqui no Canadá.

Depois voltamos pra casa para a festa de aniversário-surpresa, com direito a velinhas, balões, brigadeiro e conversa fiada até de madrugada.

Domingo

Continuando a maratona de atrações turísticas, fomos ao Toronto Zoo, pra matar a vontade que Bethania tinha de conhecer um urso polar. O zoológico é enorme: não deu pra andar nem metade dele porque também queríamos ir no Ontario Science Centre.

O passeio no OSC também foi bastante divertido, porque as experiências são bastante interativas: muitos botões pra apertar, coisas pra ler, vídeos pra ver. Até entramos na fila do gerador de Van Der Graaf pra tirar uma foto com o cabelo arrepiado. Mico total: além de nós, só tinha criança na fila...

Depois de passar pelo zoológico e pelo OSC, deu pra perceber que os canadenses tem uma preocupação crescente com o futuro: a preocupação evidente da administração do OSC é que as crianças que visitam o lugar tenham uma experiência divertidíssima com a ciência, pra que possam vir a se tornar os cientistas de amanhã.

Gerais

2005-04-15 22:57:00 +0000

Ultimamente estou com abundância de falta de tempo. Vamos a um resumo dos últimos dias...

Meu pique deu uma mudada drástica na última semana: estou acordando cansado e ficando com sono o dia todo. Estou desconfiado da minha alimentação diária, bem pouco nutritiva. Comprei umas pílulas daquelas de suplemento vitaminico e comecei a tomar. Vamos ver...

Me dei bem, já tenho data marcada para ir ao antigo SkyDome, hoje Rogers Centre, famoso estádio de baseball da cidade de Toronto. Ganhei dois pares de ingressos para uns jogos do Blue Jays, que valem CDN$ 200 no total. Presente do nosso cliente...

Na quinta comi pita no almoço. Pita é um "enrolado indiano": basicamente, alface, tomate, temperos e uma carne, tudo enrolado em um pão sírio. Assim.

Notei que o cara que estava na chapa, preparando os pitas, não usava luvas. O cara jogou os ingredientes na chapa, salpicou uma cebolinha por cima e depois tossiu, cobrindo educadamente a sua boca com a mesma mão que usou pra mexer nos ingredientes.

Fazer o quê, tive que comer o pita todo depois. Tudo pelas vitaminas.

Depois o pessoal daqui quis passar no supermercado pra comprar bombons importados do... Brasil. Confesso que fiquei até orgulhoso de ver a prateleira cheia de Serenata de Amor...

Aí hoje eu estava almoçando com o pessoal daqui, sossegadamente, quando um deles quase me mata de susto:

- Mas e o seu BLOG hein?

Depois tive que ficar ouvindo todo tipo de piada gay só porque eu tenho um blog. Aparentemente, ter um blog é mais uma daquelas coisas comuns que as cabeças maliciosas acabam considerando viadagem, como por exemplo fazer ginástica olímpica ou cantar num coral...

Sabe aquelas fotos todas que eu estava devendo? TOMA!

- Neve na estrada. Bethania que bateu essa foto, ficou excelente.

- Mini-estúdio da rádio Q107 transmitindo de dentro do Hard Rock Cafe de Toronto.

- A Universidade de Toronto é tão fotogênica...

- Menino no balanço, aproveitando o clima ótimo de ultimamente.

- Eu, usando a máquina do estacionamento rotativo daqui. Funciona assim: a máquina, que é alimentada por energia solar, recebe o pagamento via moedas, notas ou até cartão de crédito. Você paga apenas o tempo que vai usar o estacionamento, de cinco minutos a algumas horas, e imprime um tíquete para colocar no painel do carro.

- Foto-padrão das Cataratas do Niágara. Fico pensando quantas centenas de milhares de fotos exatamente iguais à minha existem por aí.

- Torre externa do Niagara Casino. Como expliquei, fotos lá dentro, nem pensar.

- Dundas Square, na rua Dundas com Yonge, em Toronto. Lembra a Times Square.

- Eu com cara de bobo olhando o "binóculo 3D / Menu de sobremesa" do East Side Mario's.

The kind of lyrics that goes boom

2005-04-13 14:35:00 +0000

Meu inglês tem melhorado bastante por aqui. Ontem descobri o lado ruim disso...

Tava ouvindo rádio e começou a tocar um desses tech-house de boate. Era um tuntistum básico mas muito bem produzido. Aí veio um vocal feminino. Comecei a prestar atenção na letra e...

I like fast cars...
The kind of car that goes "boom"...
I want to ride a fast car...
Do ya have a fast car?
I like fast cars...
The kind of car that goes "boom"...

Tradução básica: "Eu gosto de carros velozes, aqueles carros que fazem 'bum'. Eu quero dirigir um carro veloz. Você tem um carro veloz? Eu gosto de carros velozes..."

E a diaba da mulher repetiu isso até a música acabar...

Hoje de manhã meus colegas estavam ouvindo uma Shania Twain da vida e a letra também me deixou impressionado:

She's a geologist--a romance novelist
(...)
She's not just a pretty face
She's got everything it takes

"Ela é geóloga, escritora de romances/ela não é só um rostinho bonito/ela tem tudo que é preciso". Uau. É bom o Charlie Brown Jr. ficar esperto porque está prestes a perder o trono das piores letras de música do mundo...

Radio Activity

2005-04-13 04:23:00 +0000

Parece que minha terça-feira começou a ficar interessante só no fim do dia...

Depois do trabalho encontrei com Bethania em Toronto. Ficamos andando de bobeira lá pelos lados da Victoria University e tirando fotos.

Na volta pra casa, sintonizei no melhor programa de rádio do mundo: Feedback Monitor, que toca na CIUT das 11 à meia noite (horário brasileiro), toda terça.

O Feedback Monitor toca o que há de mais fino (e obscuro) em termos de música eletrônica e experimental; justamente o que eu mais amo. Você pode ouvir pela internet no site da rádio.

Razões pelas quais o Feedback Monitor é o melhor programa de rádio do mundo:

Ele toca na CIUT, que é a rádio comunitária da Universidade de Toronto...
... o que significa que NÃO TEM COMERCIAIS durante o programa.
O apresentador, Greg Clow, sempre faz uma introduçãozinha sobre cada faixa antes de tocar, então você tem a chance de saber direito o que está ouvindo.
Mesmo assim, se tudo o mais falhar, no site do programa tem o playlist de TODOS os programas já transmitidos...
... coisa que é altamente necessária, já que na maior parte das vezes vai estar tocando uma coisa tão bizarra e desconhecida que você provavelmente nunca mais vai ouvir em lugar nenhum. E é por isso que o Feedback Monitor é um programa único.

Aí veio o susto na estrada: todas as placas eletrônicas, que normalmente dão informações sobre o tráfego, diziam:

AMBER ALERT - PLEASE TUNE INTO LOCAL RADIO STATION

Apertando a tecla SAP: "Alerta âmbar - Por favor, sintonize uma estação de rádio local". Fiquei sem entender, mas a primeira coisa que pensei foi na usina nuclear que fica a 1 quilômetro da minha casa...

Assustado, dei uma percorrida no rádio e, ironicamente, todas as estações estavam tocando música. Digo "ironicamente" porque, normalmente, tem muito mais conversa fiada do que música no rádio. Como o trânsito fluía normal e as luzes dos postes pareciam inalteradas, resolvi despreocupar e continuar ouvindo o Feedback Monitor.

Só agora, chegando em casa, que descobri o que é o "Amber Alert". Pelo que entendi no site da CBC, o Amber Alert é "uma estratégia de resposta rápida onde a descrição de vítimas e suspeitos de rapto de crianças são transmitidos pelo rádio, TV e sinalização eletrônica das auto-estradas, minutos depois do crime acontecer".

Amber, na verdade, é o nome de uma menina de nove anos, raptada e morta no Texas em 1996.

E a cada dia que passa eu me impressiono um pouco mais com o Canadá.

Relatório

2005-04-12 04:50:00 +0000

Prezados leitores,

Segue anexo o relatório do fim de semana.

P.s.: Continuo devendo as fotos, pois ficaram na câmera e a câmera ficou com Bethania, em Toronto...

Sábado

Depois de acordar meio tarde, fomos todos dar um passeio pela Swan's Bay, aquela que eu vivo indo de bicicleta.

Agora que a primavera realmente chegou, parece que estamos em outro país: as pessoas voltaram a sair na rua. Como o dia era de sol e de agradáveis 10 graus positivos, não precisamos nem de jaqueta pra ficar ao ar livre.

O almoço foi no East Side Mario's. Comemos uma massa e, quando eu ia ver as sobremesas, um dos meus colegas disse:

- Peraí. Deixa eu pegar o menu de sobremesas pra você.
- Mas tem sobremesa aqui nesse menu, ó...
- Sim, mas espera só um pouco...

Pouco depois a garçonete nos trouxe o menu 3D de sobremesas... era um brinquedinho como esse aqui, onde você via as opções de sobremesa, em 3D, enquanto seus colegas fazem piada com a sua cara de bobo.

Acabei escolhendo uma taça enorme de sorvete com brownies. É engraçado, aqui no Canadá as sobremesas são pequenas no menu e enormes na realidade. No Brasil é o contrário: as coisas parecem enormes no menu e, quando você pede...

Depois demos uma voltinha pelo Pickering Mall, depois no Best Buy (um colega queria comprar um cartão de memória para o palmtop) e voltamos pra casa. O plano era sair à noite, ir novamente no Madison, mas acabei indo dormir.

Domingo

Eu e Bethania acordamos mais cedo e fomos ao supermercado, comprar coisinhas pra fazer um café-da-manhã reforçado. O menu da manhã foi:

Suco de uva verde (muito bom isso!)
Morangos
Canapés quentinhos, dourados no forno
The Damned Cookies of Doom: Biscoitos com gotas de chocolate (tipo esses) que são tão gostosos que ganharam esse apelido.

Depois, pegamos o carro e fomos para Niagara Falls, o lugar onde ficam aquelas cataratas que o Pica-Pau desceu num barril. Muito bonitas, elas. Eu e Bethania passamos a tarde tirando fotos e procurando o resto do pessoal: é que, logo que chegamos, nós dois nos separamos do grupo por 10 minutos pra tirar umas fotos e, quando voltamos, eles tinham sumido. Não foi nada agradável ficar perambulando por horas atrás deles...

Depois de encontrar todo mundo almoçamos e fomos ao Niagara Casino, que acabou sendo tão interessante quanto as cataratas...

É engraçado ver cassinos em filmes e, depois, na vida real. Logo que entramos, Bethania até falou comigo:

- Olha Zé... isso existe mesmo!

Realmente, o cassino é um lugar que faz tudo pra parecer meio mágico: o sonho do dinheiro fácil, as luzes e os jackpots piscando e o barulho das máquinas, é tudo meio que uma lavagem cerebral.

Eu e Bethania compramos cinco dólares de fichas e jogamos um pouco nos caça-níqueis. Deu pra entender facilmente porque existe tanta gente viciada em jogo: o tempo entre cada vez que você ganha é exatamente o tempo que leva pra você começar a cansar de perder dinheiro. Mesmo que seja um prêmio pequeno, tipo, duas moedas, é o suficiente pra te dar vontade de tentar ganhar mais.

O público dominante no cassino era, de longe, o de aposentados. Inúmeras velhinhas sentavam-se, hipnotizadas, repetindo o movimento de inserir a moeda e pressionar o botão para o caça-níqueis rodar. Outra coisa que tinha em excesso no cassino eram câmeras: No teto haviam CENTENAS delas. Só não tenho nenhuma foto porque era expressamente proibido usar, hã, câmeras dentro do cassino. Segundo me informaram, se eu tirasse alguma foto eu iria ser abordado por dois seguranças gigantes que iriam me tomar a câmera e apagar a foto.

No entanto continua valendo a velha regra dos jogos de azar: the house always wins, ou seja, a casa sempre ganha. Fizemos uma conta rápida na hora de ir embora e constatamos que nós, oito pessoas, que passaram não mais que 40 minutos dentro do cassino, deixaram por lá a quantia de 80 dólares.

Depois, em Toronto, hora de ir ao cinema ver...

O Primo recomenda: Sin City

Eu tinha uma certa familiaridade com o trabalho de Frank Miller: havia lido a minissérie Demolidor: Homem sem Medo, mas nunca havia lido nenhuma edição da série Sin City.

Quando Hartigan, o personagem de Bruce Willis, avançava cambaleante pela tela, repetindo frases para si mesmo em pensamento, eu enxergava claramente aqueles diálogos em caixinhas no canto do quadrinho. Ou quando Marv (Mickey Rourke) fumava um cigarro em frente à persiana semi-aberta, e o brilho da rua desenhava o perfil do seu nariz largo, eu enxergava perfeitamente o traço reto da caneta de Frank Miller.

A estética dos quadrinhos foi copiada para a telona numa perfeição assustadora. Sin City é altamente recomendado. Agora, vá avisado de que ele é violento: cabeças cortadas, por exemplo, tem toda hora.

Um detalhe: fui ao banheiro antes da sessão começar. Quando terminei, estava quase na hora do filme e saí andando distraído... até ver que havia errado de corredor e entrado no banheiro feminino.

Regra é regra e vice-versa

2005-04-08 22:38:00 +0000

Ontem à noite eu e Bethania fomos no Hard Rock Cafe de Toronto.

Logo na entrada, Bethania pisou em falso e deu uma torcida no pé. Nada grave, só dolorido. O pessoal do restaurante foi bastante solícito, trouxeram uma cadeira, perguntaram se ela queria gelo e tal.

Mais tarde a gerente do restaurante veio nos perguntar se estava tudo bem. Depois, disse, meio sem graça:

- Se o senhor não se importa nós precisamos dos seus dados, telefone, endereço e tal, porque a gente tem que reportar todos os acidentes que acontecem dentro do recinto e, como se tratou de um acidente...

Eu já sabia da fama dos canadenses de seguirem regras e leis todas à risca, mas isso é ridículo...

Kottke tá legal hoje. Olha uns links que saíram lá:

Pessoas altas e bonitas ganham mais: Diz que, entre outras coisas, mulheres obesas ganham salários 17% menores do que as magrinhas. Engraçado que nessa vida de consultoria eu tenho passado por muitas empresas e, realmente, da diretoria pra cima, as pessoas feias vão ficando cada vez mais escassas.

James Kunstler escreve sobre um futuro mundo sem energia barata e acessível: A previsão dele é que o mundo vai encolher a um status quase feudal, num período chamado "long emergency". Deu medo de ler, principalmente porque é muito, muito possível de virar verdade.

Vou falar de novo: A saga do iPod no Help Desk continua.

Problemas domésticos

2005-04-06 16:20:00 +0000

Claro que nossa mudança de casa não poderia passar sem problemas...

Na segunda já tivemos o primeiro arranca-rabo doméstico, quando um colega reclamou que não tinha um armário pra guardar suas coisas. Teve gente apontando o dedo pra mim e tudo.

Na manhã de terça acordei morrendo de frio: o aquecimento da casa não tava funcionando. De noite descobrimos que faltava ligar um botão no aquecedor e tudo voltou ao normal.

Aí hoje de manhã a geladeira parou de funcionar e perdemos um monte de comida. Até as caixinhas de leite longa-vida, fechadas, viraram iogurte azedo. É duro perder comida aqui: o câmbio real/dólar canadense, somado com o custo de vida alto daqui, triplicam o prejuízo.

Além disso, o controle remoto da TV também não funciona. Nem nossa internet. Provisoriamente estamos pegando "carona" na rede wireless dos nossos vizinhos.

Continuando com nossa programação normal...

Tá dominado. O Orkut agora é em português. O "Bad, bad server. No donut for you" continua na sua língua original...

Essa foi a melhor da semana: meu primo Luiz está sendo evangelizado pela sujeira do pára-brisa do carro!

Paris Hilton tem um PSP (via Gizmodo).

O fodasso Google Maps agora tem imagem de satélite. Façam como eu: achem um endereço e, no canto superior direito, cliquem em "Satellite". Depois repitam lentamente: "Putaquepariu"...

As fotos abaixo mostram o "antes" e "depois". O pontinho vermelho é onde eu moro aqui no Canadá. Dá pra ver a 401, a auto-estrada que eu pego todo dia pra ir trabalhar, e a Frenchman's Bay.

Newsflash Update Catch-Up

2005-04-05 04:06:00 +0000

Muitas, muuuuitas novidades desde sexta-feira... vamos em ordem cronológica.

Sexta à noite

Dia de despejo. Recebemos a chave pra mudar pra Unit 2, a casa vizinha.

Quando abrimos a porta... o paraíso surgiu. A casa nova é muito melhor do que a velha. Levei só 10 minutos pra fazer a minha parte da mudança, tamanha a empolgação.

Depois faço um "antes/depois" com fotos, pra vocês sentirem o nível.

Sábado

Dia de buscar Bethania no aeroporto. Acordei às 5:45, o avião pousou às 6:35 da manhã e ela saiu da sala de embarque só pelas 9:00...

Nesse tempo todo de espera deu tempo de me abordarem achando que eu era chileno (de novo) e de ver a Sue Johanson passeando pelo saguão.

Bethania queria muito ver neve e frio, mas a primavera tinha começado e as temperaturas estavam lá nos 10 graus. A partir do momento que ela pisou no Canadá a temperatura caiu para 0 graus e nevou o fim de semana todinho...

Além desse frio todo ela trouxe boa sorte: foi com ela que encontrei, no Best Buy da cidade de Ajax, o último CD do Godspeed You Black Emperor que faltava pra minha coleção: o maravilhoso lift your skinny fists like antennas to heaven.

O jantar da noite foi em Toronto, no Marché, o mercadinho-restaurante que eu já havia ido uma vez. Na viagem de volta, surpresa no rádio: o vocal que acompanhava uma dance music qualquer estava em bom português...

Essa boca linda... sua boca linda...
Essa boca linda... sua boca linda...
Rio de Janeiro!

E seguia o tuntistum.

Domingo - Dia

Acordar cedo de novo para ir até... sim, você acertou. Blue Mountain! Bethania estava louca pra esquiar.

O tempo trouxe ainda mais neve e deixou a montanha perfeita... e a estrada, horrível. Eu contei uns dez ou doze carros acidentados por causa da neve, e passei grande parte do tempo rezando pra que o meu não se juntasse a eles. Mas no fim deu tudo certo.

Dessa vez voltei aos esquis. O snowboard é legal, mas é uma experiência muito dolorosa. Bethania também esquiou, por sinal muito bem... aprendeu os fundamentos ainda mais rápido do que eu. Depois levei ela pra uma pista mais difícil (a graduate) e ela me matou de susto: sem que eu dissesse nada ela fez, naturalmente, as curvas que eu levei uma tarde inteira pra aprender.


Até na neve! Fomos realmente feitos um pro outro...

Na foto não dá pra ver mas ambos estávamos com camisas verde-amarelas. Na hora do almoço um canadense bebum nos abordou:

- Brazilians! Brazilians!

E chamou um amigo brasileiro. Era um cara que estava morando em Cambridge, a trabalho. Mas o destaque mesmo foi o amigo bebum, que falou: He is my homeboy! (ele é meu chapa!)

Depois ele ficou preocupado e fez uma correção:

- But I'm not gay!

E na sequência se levantou e gritou, no meio da cafeteria:

- Listen everybody, I'M NOT GAY!

Domingo - Noite

Hora de levar Bethania ao homestay onde ela ia ficar. Ela veio no mesmo esquema de intercâmbio, com hospedagem em casa de família e tal.

Parei em frente ao prédio e, assim que descemos do carro, um cara mal-encarado que estava no ponto de ônibus ficou olhando meio torto pra gente. Entramos no prédio rapidinho e estava tudo muito estranho: era um lugar meio velho, e só havia indianos mal-encarados passando pelo hall de entrada. Uns com cara de mendigo, outros com cara de traficante...

O porteiro ligou pro apartamento e a dona da casa falou que estava descendo. Ficamos esperando uns 15 minutos, ela não aparecia e o número de mal-encarados só ia aumentando, assim como o nosso medo daquele lugar. Bethania me olhava com uma cara de "eu não fico aqui nem morta", e eu rezava pra sairmos vivos dali.

De repente eu tive um estalo e perguntei ao porteiro:

- Vem cá, é esse mesmo o prédio?

Ele viu o endereço e confirmou meu engano. Depois, me orientou a ir ao prédio da frente, a uns 100 metros de onde eu estava. Logo na porta fomos abordados por uma simpática senhora que logo viu nossa cara de assustados e se apresentou:

- Você deve ser a Bethania, não é?..

Era ela mesma, a "Sra. C", nossa anfitriã. Ela nos levou ao apartamento, simples mas de muito bom gosto, e finalmente respiramos aliviados. A Sra. C também é imigrante, mas não é indiana ou chinesa: nasceu em Tobago...

Deixei Bethania e voltei pra casa, debaixo de chuva, ouvindo a primeira faixa do meu CD novo do Godspeed... a música chamava-se, coincidentemente, storm...

Dead or alive, he dies today

2005-04-01 17:53:00 +0000

Dia da mentira no Brasil, April Fool's day no Canadá, sexta-feira no mundo todo.

O Gmail já começou a tirar onda que vai dar "infinito + 1" de espaço de armazenamento....

E se o papa morrer hoje, a imprensa vai dar a notícia e todo mundo vai achar que é piada de primeiro de abril. Se ele NÃO morrer, vão dar a notícia assim mesmo, como piada de primeiro de abril. Legal né?

A previsão do tempo pra amanhã é... neve. Será que é coisa do April fool's?

Mr. Brightside, dos The Killers, é outra música que toca todo santo dia no rádio. Muito boa ela.

Tudo acaba em pagode

2005-04-01 02:31:00 +0000

Hoje o dia de trabalho foi uma bela duma porcaria. Nada deu certo.

Pra piorar, enquanto eu dirigia de volta pra casa, meus colegas de trabalho cismaram de relembrar os sucessos de pagode da década de 90.

Cola seu rosto no meeeeeeeeeeu...
Chega mais perto de miiiiiiiiiiiiiiim...

Melodias

2005-03-31 06:07:00 +0000

Hoje ouvi Time Bomb, do Rancid, no rádio...

Falando nisso, desenvolvi uma habilidade ninja para mudar de rádio, em apenas uma fração de segundo, assim que começa a tocar alguma música do U2. Depois que meus colegas de casa tocaram e repetiram exaustivamente o CD novo do U2 no carro, fiquei com ódio mortal dessa maldita banda irlandesa.

Mais rádio: os artistas canadenses, por serem canadenses, toda hora estão tocando: Rush, Alanis Morrissette, Avril Lavigne...

Já o Queens of the Stone Age não é canadense, mas a boa Little Sister também toca direto. Está no topo da parada semanal da The Edge.

Sabe o CD novo dos Chemical Brothers, o Push The Button, aquele que eu detestava, depois ouvi e comecei a gostar? Agora eu ouço todo dia.

É uma vergonha, mas o máximo de música brasileira que tenho ouvido são os sets mixados pelo casal de DJs paulistanos, o Pet Duo, quando estou fazendo cooper. Bom, tecnicamente não é música brasileira porque eles estão é tocando hard techno de produtores gringos...

Na saída da academia o som ambiente tocava Ramones, Rock'n Roll High School. Fiquei sem saber se ficava feliz ou triste.

Só agora eu descobri que o líquido azul que eu estava jogando na máquina de lavar não era amaciante, e sim detergente. Bem que eu notei que minhas roupas andavam muito amarrotadas...

Ah, e o que isso tem a ver com música? Nada.

This is static

2005-03-30 16:53:00 +0000

Com o passar dos meses desenvolvi um trauma aqui. Agora tenho medo de... maçanetas.

É que quando eu vou entrar em algum lugar eu SEMPRE levo um choque na maçaneta por causa do ar seco e da eletricidade estática. Sempre.

Orgulho ferido: ontem tentei usar meu cartão de débito no supermercado e... não consegui. E não era problema no cartão.

Em compensação, comprei uma caixa de Cheerios tamanho família: 1,3 kg. Eu adoro esse país...

Hoje estávamos eu, meu notebook e uma mexerica em cima da mesa. A mexerica eu peguei lá em casa pra comer aqui no trabalho.

Um colega canadense, chamado Moe, entrou na minha sala e, sem dizer uma palavra, pegou a mexerica, esfregou no seu saco e colocou de volta na mesa. Depois, saiu rindo.

O que diabos há de errado com esse país?!?

Easter Sunday

2005-03-28 16:16:00 +0000

Ontem o domingo de páscoa não foi nada mais do que um domingo normal. Sem ovos de chocolate, sem nada.

Acordei e fiquei vendo TV de manhã. Depois saí com o pessoal, almoçamos no Applebee's e fomos ao cinema assistir Hitch. Não achei o filme tão ruim quanto o Vilaça achou, mas obviamente não é um filme, assim, bom. Deu pra dar umas risadas, apenas.

No fim do dia os colegas que estavam viajando começaram a chegar. Conversamos um pouquinho, depois fui dormir.

Fim.

Hallelujah Saturday

2005-03-27 05:43:00 +0000

Meu sábado de aleluia começou com um passeio de bicicleta. Fiquei umas 2 horas pedalando e tirando fotos do Lago Ontario, das árvores, das gaivotas e do gerador eólico que tem aqui perto. No final, acabei dando de cara com uma parada na rua, com escoceses e gaitas de fole, bandinhas de escola e pessoas vestidas de coelhinho da páscoa. Não entendi nada.

Além disso, levei um susto: da beirada do Lago Ontario eu conseguia ver a CN Tower, em Toronto... a 40 quilômetros de onde eu estava.


Minha vista da CN Tower

Eu estava na setinha azul

Depois, voltei pra casa e almocei assistindo as quartas de final do mundial feminino de... curling. O pior foi que eu dei uma olhada na internet e aprendi as regras desse esporte bizarro. O time canadense perdeu feio para a Noruega e está fora do campeonato.

Mais tarde peguei o trem para Toronto. Descobri que a avenida Kensington é o point bizarro/underground/alternativo da cidade, com brechós e livrarias alternativas cheias de zines. E achei também, na chinatown canadense, o lugar perfeito pra quem quer se dar mal cortando o cabelo...

The Passion of the Waterloo

2005-03-26 02:05:00 +0000

Sexta-feira da paixão, feriadão à vista.

Alguns dos meus colegas acordaram cedo, pegaram um dos carros e foram para Nova Iorque. Eu acordei, bati a cabeça na parede trinta vezes, repetindo "eu vou obter um visto americano assim que voltar ao Brasil", depois saí com o pessoal para uma cidadezinha próxima chamada Kitchener, para passear na... Universidade de Waterloo.

Acabou que foi divertido. O campus é enorme e muuuito bem equipado, como tudo aqui no Canadá. No prédio de ciências naturais, por exemplo, o saguão que levava até as salas de aula parecia um museu, com minerais, fósseis e até a cabeça de um tiranossauro rex.

Também vimos uns bichos na parte da agronomia. Concluí que eu realmente sou um nerd; vi uma lhama e a primeira coisa que me veio na cabeça foi: Winamp.

Depois fomos almoçar no Mongolian Grill. O lugar é excelente: você enche uma tigela com carnes e massas ainda crus, tempera à gosto e entrega para o pessoal da grelha, que fazem sua comida na hora. É como se você escolhesse os ingredientes da sua própria comida chinesa. Comi três tigelas...

Mudando de assunto: recebi notícias do Brasil e confirmei que o meu Gambiarra Sound System funciona mesmo. Entraram no meu prédio e roubaram dois sons de dois carros. O meu ficou, obviamente, ileso.

The Birthday Party

2005-03-26 01:08:00 +0000

Ontem de noite fomos parar numa festa de aniversário de uma colega de trabalho de uma de nossas colegas de trabalho.

Depois de chegar e cumprimentar a aniversariante, fomos até o balcão onde estavam servindo as bebidas. No balcão havia um senhor que, logo que nos viu, já foi logo se animando:

- Brasileiros! Adoro brasileiros! Tem uma coisa pra vocês aqui...

E, para nosso espanto, sacou do meio das bebidas uma garrafa de cachaça, separou alguns daqueles copos descartáveis vermelhos típicos de festa norte-americana e começou a preparar... caipirinhas.

A cultura canadense para eventos sociais é curiosa. A festa esteve bem animada, mas as pessoas comportam-se de forma mais polida. Apesar das bebidas ninguém sai dando uma de bebum, conversando alto e fazendo zona.

Também confirmei o que eu temia: os canadenses realmente não sabem dançar. Eu sentia pena das "tias" rebolando assincronamente e mexendo os braços sem a menor correspondência com a música que tocava. E tinha horas que o DJ (sim, tinha um DJ na festa) colocava música lenta, e sempre tinha um casal que, em vez de ficar só agarradinho, saía como se estivesse dançando uma valsa...

O parabéns é como se vê nos filmes: ninguém bate palmas enquanto não termina o "happy birthday to you", e o aniversariante faz o clássico pedido e depois sopra as velinhas. No entanto, como no Brasil, sempre tem aquela onda de gente que vai embora logo depois do parabéns. Além do bolo, as comidas eram bem chiques: foram servidos frios, pães e frutas. Tinha até um arroz temperado.

O pessoal era muito amistoso e várias vezes vinha gente para puxar papo conosco. Dois desses momentos foram muito engraçados: num deles, o tio da caipirinha, já meio de pileque, sentou na nossa mesa e jurava de pé junto que ele era russo:

- Mas isso é impossível! - retrucava uma colega nossa - Onde você nasceu na Rússia?
- Em Leningrado!
- Não pode ser, aposto que você tá mentindo!
- Não tou não, pode acreditar.
- Ah é? Então me fale alguma palavra em russo...

O cara pensou por dois segundos e, de repente, gritou:

- VODKA!!!!

Depois de muita risada, ele saiu e um outro sentou-se conosco. Papo vai, papo vem, um colega perguntou pra ele onde ele trabalhava...

- Eu trabalho na usina nuclear... igual o Homer Simpson!

A primavera está atrasada

2005-03-25 00:30:00 +0000

Fui enganado com esse papo de "a primavera chegou"...

Ontem fez frio e nevou de novo. Hoje de manhã, nos "talk shows" da TV, os apresentadores tentavam animar o público: "Tá quase! O inverno tá quase acabando! Já já essa neve some..."

Sozinho no trabalho de novo. Hoje é dia de headphones...

Blonde Redhead - Melody of Certain Damaged Lemons: Muito bom esse disco, bonito e bem arranjado, como todos do Blonde Redhead.

The Books - Thought for Food: Geniais esses caras. Esse é o disco mais criativo dos últimos tempos.

The Chemical Brothers - Push the button: Eu tava meio chateado com a performance dos Brothers até esse disco. Tirando as partes realmente chatas (tipo a faixa "left right"), estou, lentamente, começando a gostar dele.

Air - Talkie Walkie: Bom disco, perfeito pra ouvir no trabalho. Destaque para aqueles momentos do refrão da faixa "Run", onde o vocal repete "run run run run" indefinidamente, com um vocal etéreo ao fundo. É lindo.

Do Make Say Think - & Yet & Yet : Outro instrumental ótimo pra ouvir no trabalho.

Akufen - Fabric 17: Na verdade "Fabric" é o nome de um club que lançou o álbum, que é (muito bem) mixado pelo Akufen. Por sinal, prefiro Akufen como DJ do que como produtor...

Springtime

2005-03-23 17:12:00 +0000

E a primavera chegou aqui nesse país gelado. A neve está quase toda derretida, os gansos estão todos voltando de viagem da Flórida e os passarinhos, do nada, voltaram a cantar pela manhã.

Além do mais, já posso iniciar um personal calor record: ontem, meio-dia, fez cinco graus positivos.

Descobri que há algo pior do que trabalhar com macros de Excel: trabalhar com macros de Excel feitas por pessoas que batizam suas variáveis de aux1, aux2, aux3, count1, count2...

Fim de semana

2005-03-21 03:39:00 +0000

Frases do Bash com a palavra Canadá. Boa.

"Here in canada we have a special program to deal with the homeless...it's called winter"

Sábado à noite fomos a Toronto e conhecemos o Madison Avenue Pub, um pub enorme com seis (!!) ambientes que, apesar de todo o espaço, estava lotado. Um dos ambientes mais divertidos era o "piano bar", com um pianista alternativo que tocava REM, Oasis, Beatles e similares no piano. Numa hora até um dos garçons fez uma jam session com ele...

O público estava animadíssimo, até um pouco demais por causa do álcool. Fiquei surpreso com o tanto que os jovens canadenses bebem. E outra surpresa aconteceu mais tarde, quando estávamos todos de pé em frente ao bar:

- Meu Deus! - exclamou um dos meus colegas
- O que foi?
- Alguém apalpou a minha bunda!

Ainda outra surpresa: pontualmente às duas da manhã todas as luzes se acenderam, indicando o fim da festa. É que é proibido por lei vender bebida alcoólica depois desse horário.

Na saída ainda mais uma surpresa: fomos multados por estacionamento proibido. Vamos ter que pagar 25 dólares...

Domingo teve mais snowboard, dessa vez em Lakeridge. É a saideira da temporada de esqui, já que a primavera começa oficialmente amanhã.

Minha performance não foi nada boa. Logo no começo do dia eu errei uma curva em alta velocidade, enganchei o snowboard na neve, fui de costas no chão e bati a bunda e a cabeça. Doeu TANTO, mas TANTO, que eu fiquei uns 30 segundos desorientado de tanta dor. Se tivessem me chutado no saco tinha doído menos...

Depois disso eu não estava nada animado pra continuar e fiquei fazendo umas descidas "meia boca", bem devagarinho. Só no final da tarde, passando por uma pista chamada shortcut, é que tive uma grata surpresa: errei uma curva e fui direto pro chão... que era todo de uma neve muito fofa e não doeu nada. Foi como cair sobre um colchão macio, macio.

- Aaahhhhhhhhhhhhhh que delííííciaaaaaaa.... - dizia eu, rindo até as orelhas, enquanto escorregava pela neve.

Aí no fim da pista aparece um colega:

- Cara!! Aquela outra pista ali tá cheia de neve fofa também! Vamo lá!

Passei o resto do dia nesta pista, que apelidamos de "fofinha"....

Drooling speaker

2005-03-18 17:38:00 +0000


Drooling speaker
Originally uploaded by O Primo.

Acho que agora acertei o DIV e consegui alinhar direito a foto.

Esse alto-falante eu vi quando fui a Toronto de trem. Babou, coitado.

Wonder Woman

2005-03-16 05:13:00 +0000

O almoço de hoje foi num lugar novo chamado Shoeless Joe's. Éramos sete brasileiros na mesa, quatro homens, três mulheres.

De repente, chega Katie, a garçonete que iria nos atender. Katie era uma garçonete como outra qualquer, não fosse um pequeno detalhe: ela era ABSURDAMENTE bonita.

Não, você não entendeu, vou falar de novo: ela era ABSURDAMENTE BONITA. Ela era, de longe, a mulher mais bonita que eu já havia visto em pessoa, em toda a minha vida.

Alta e magra, ela era muito parecida com a Gisele Bündchen. As únicas diferenças eram os cabelos loiros e lisos e os olhos azuis. Aí a bendita da mulher pára em frente à mesa e começa a falar quais são os especiais do dia. A cara dos meus colegas homens, completamente embasbacados enquanto ela falava, é uma coisa que eu jamais vou me esquecer. Parecia que era a Virgem Maria que tinha descido ali pra falar com eles.

A coisa ficou ainda mais engraçada quando ela anotou nossos pedidos e saiu. Os caras saíram comentando:

- Meu Deus! Droga... não consigo mais lembrar qual foi o meu pedido...
- E eu então, acho que pedi um sanduíche de frango... eu nem gosto de frango, eu só apontei pro cardápio e tentei não gaguejar muito...

A gente passou mais ou menos uma hora no restaurante, e o assunto das conversas eram apenas variações sobre um mesmo tema: ela. Quanto de gorjeta será que ela deveria ganhar por mês, como será que é a mãe dela fisicamente, será que ela tem noção do tanto que é bonita, e outros questionamentos profundos...

Subway

2005-03-14 22:55:00 +0000


Subway
Originally uploaded by O Primo.

Testando o Flickr, uma dessas novas "coisas legais" da Internet.

A foto é do metrô de Toronto.

Movie Weekend

2005-03-14 05:44:00 +0000

Resumo do fim de semana:

Sábado foi dia de preguiça infinita. Ninguém saiu de casa durante o dia e acabamos assistindo alguns filmes.

Exorcista: O início é fraquíssimo. Eu, que morro de medo de filmes assim, não levei NENHUM susto, tamanha a ruindade e previsibilidade do roteiro. Acabou entrando para o rol dos piores filmes que já assisti. junto com alguns clássicos da ruindade, tipo Anaconda ou Pecado Original.

Depois foi a vez de The Italian Job original, de 1969. Eu havia assistido o remake e gostado. Pena que, dessa vez, o sono me fez dormir por metade do filme. Mas deu pra ver a cena com os mini-coopers no final: excelente!

Domingo a gente ia ver os Toronto Raptors jogando contra os Philadelphia 76ers, mas como os ingressos estavam meio caros ($60 na mão de cambistas) acabamos indo ao cinema de novo.

Be Cool, o filme escolhido, me surpreendeu bastante, porque tem um monte de coisas legais ao mesmo tempo: sátira da indústria musical, referências e mais referências a filmes/músicas/coisas legais, humor eficiente, e um elenco surpreendente.

Danny DeVito fez só uma ponta, Andre 3000 do Outkast apareceu do nada e mandou bem como comediante, Steven Tyler também tava lá e tinha um diálogo onde dizia: "eu não sou desses cantores que aparecem em filme", Uma Thurman continua linda e o John Travolta tem um personagem extremamente interessante. Ele é o supra-sumo do cool...

Mais rápidas

2005-03-11 22:59:00 +0000

A banda Green Day, num programa do canal Much Music, falando sobre o Sonic Youth:

"Eles são um bando de arrogantes. Eles cagam num graveto e lançam como seu novo álbum"

Mexeu com meus brios.

Momento "cadê minha câmera quando eu preciso dela": na manhã da quinta-feira tinha uma raposa passeando pelos fundos da nossa casa...

Semana trágica. Domingo passado, em Toronto, tinha um suicida pendurado numa ponte. O cara jogou a própria filha e depois pulou. A menina está no hospital, ele morreu.

Dias depois, também em Toronto, um outro louco se encharca de gasolina, entra dentro do carro e acende um isqueiro.

E semana passada, em Alberta, houve a pior matança de policiais da Guarda Montada Canadense em 150 anos. Quatro oficiais foram assassinados ao entrarem numa plantação de maconha. Ontem teve uma parada militar enorme em homenagem aos caras e absolutamente todas as capas de jornal dizem: "Canadá de luto".

Hoje, por todos os lugares onde passei, a bandeira canadense está a meio-mastro...

Aqui o café é ralo e servido em porções grandes, naquelas canecas de 200ml. Os grãos às vezes são brasileiros, mas o preparo faz a coisa virar uma água quente barrenta.

Independentemente disso, no final do dia sempre tem umas três canecas vazias em cima da minha mesa.

A Jetsgo, versão canadense da Gol Linhas Aéreas, quebrou. Todos os vôos foram cancelados e os aeroportos estão meio zoados.

Na site do Globe and Mail, a foto que ilustra a matéria é, simplesmente, perfeita. Há tempos eu não via uma foto tão bonita.


Foto: Ryan Remiorz/CP - (c) The Globe and Mail

Play it again, Sam

2005-03-09 22:53:00 +0000

O almoço hoje foi retrô. Fomos a um restaurante chamado Melanie Pringles, que é todo decorado no estilo anos 60. Até as garçonetes são da época. Não, não me refiro ao uniforme, é a idade mesmo.

Em todas as mesas há um mini jukebox, exatamente igual a esse aí da foto.


Imagem cortesia de fun-inc.net

Da primeira vez que fomos, não sabíamos se o jukebox funcionava mesmo ou era só enfeite, porque ele é bastante antigo. Hoje colocamos uma moeda e, para nossa surpresa, o som ambiente do restaurante parou para que Great Balls of Fire, na voz de Jerry Lee Lewis, tocasse só na nossa mesa...

You shake my nerves and you rattle my brain
Too much of love drives a man insane
You broke my will, but what a thrill
Goodness, gracious, great balls of fire!!

Rápidas

2005-03-09 06:15:00 +0000

No domingo, na viagem de volta de Blue Mountain, passamos em frente a uma igreja. Na porta, uma placa que dizia:

Come to church and get a faith lift

Não sei se vocês perceberam o trocadilho...

Vou ser despejado. A casa onde moramos aqui é alugada, e a inquilina pediu ela de volta.

Pra vocês terem uma idéia do transtorno: nós moramos numa espécie de condomínio com casas numeradas. Vamos ter que nos mudar da "unit 3" para... a "unit 2".

Todo dia que vou na academia eu vejo alguém com seu iPod. Hoje não foi diferente.

No caminho de volta pra casa tinha um cara comentando no rádio:

"Aparentemente, os sociólogos e cientistas tem se interessado bastante por esta onda de MP3 players. Segundos estudos recentes, a razão pela qual os MP3 players são tão atrativos é porque eles propiciam ao usuário uma sensação de controle absoluto. Além disso, quem usa um MP3 player tem a possibilidade de, a qualquer momento, criar para si um espaço privado, mesmo estando em público..."

Esquiando Snowboardeando em Blue Mountain

2005-03-07 06:23:00 +0000

E o plano do fim-de-semana era ir pra montanha. Resolvi deixar os esquis de lado e experimentar o snowboarding.

Agora, dois dias de muitos tombos depois, eu tenho dificuldade para responder a pergunta: "Qual dos dois é mais legal, esqui ou snowboard?"


Eu, nos fundos da casinha onde nos hospedamos, prestes a descer a montanha pela primeira vez

O dia não podia ter começado melhor: resolvi experimentar um pouco antes de fazer as aulas, subi na prancha e desci alguns metros de montanha. Virei pra esquerda, pra direita, depois, dei uma guinada e parei a descida, sem cair. "Minha nossa, isso aqui é moleza demais!!" pensei eu. Deixei de lado as aulas e fui experimentando sozinho.

O problema foi quando eu saí do nível "super-principiante" para o nível "principiante" e comecei a descer a graduate, a pista onde eu aprendi a esquiar da primeira vez. É que os tombos começaram, e levar um tombo de snowboard dói muito mais do que levar um tombo de esqui. Acho que é porque, esquiando, você tende a cair mais "deitado" em relação à montanha, e no snowboard é como se você levasse uma rasteira e fosse de cara (ou de bunda) no chão, em alta velocidade.

Em resumo: antes eu caía do esqui, falava "droga, caí de novo" e ficava com ainda mais vontade de acertar. Agora eu caía do snowboard, gritava e gemia de dor e ficava com o moral abalado. Eu tive medo, mas não era medo de cair, e sim da dor que vem junto. Pra piorar, um dos nossos colegas torceu o pé e outra colega contou um caso escabroso de quando ela, alguns anos atrás, rompeu os ligamentos do joelho enquanto esquiava. "Chorei 72 horas sem parar por causa da dor", dizia ela.

No final do sábado, depois de muitos outros tombos e de uma pausa na cafeteria, subi a montanha para uma descida pela Happy Valley, a maior das pistas para principiantes. Foi a pior descida da minha vida: eu descia uns 30 metros, caía, e o cansaço e a dor faziam com que eu caísse novamente nos 30 metros seguintes. Voltei frustrado e muito dolorido para o quarto...

O dia seguinte amanheceu muito feio e nublado. Eu estava muito doído e cansado: até levantar da cama foi complicado. Mas o clima estava quente (2 graus positivos) e a montanha estava bem mais vazia. Aí, finalmente, consegui refinar minha técnica o suficiente para não cair tanto. No final do dia eu já conseguia descer seguidamente a Happy Valley sem me esborrachar na neve.

Incidentes memoráveis do fim de semana:

Frustração: Lá pela minha décima-quinta queda na Graduate, caí e meti o braço esquerdo no chão. Doeu ao ponto de eu ficar vendo estrelas... aí, num esforço pra não desanimar, fui até o lift de novo. Na hora de subir... meti o cotovelo direito no braço da cadeira. "AAAII!!! Deus do céu, quando diabos essa dor toda vai acabar?!???", pensava eu...

Atropelamentos e semi-atropelamentos: na minha fase "aprendiz sem noção", quase passei por cima de duas esquiadoras com meu snowboard. Elas saíram ilesas, mas gritando de medo. Mas no domingo não teve jeito, acabei atropelando uma pobre menina que esquiava com a mãe. Envergonhado, pedi milhões de desculpas, embora ninguém tivesse se machucado e as duas não tivessem se irritado.

Falando em irritação, numa das vezes que subi no lift, uma alemã, do meu lado, embolou os esquis com minha prancha e depois saiu reclamando: "Ei! Você não pode fazer isso!!". Me desculpei, embora a culpa não fosse minha. Na descida do lift, a mulher se embolou comigo de novo. Eu caí, ela continuou, e o marido dela me enfiou o dedo na cara, gritando: "SE VOCÊ FIZER ISSO DE NOVO EU LHE ENCHO DE PORRADA!!".

Fiquei furioso e não tive dúvida: desci a montanha rapidinho e... fui direto num segurança. Deixei a descrição dos dois e continuei a andar. Ora, vocês acham mesmo que eu, do outro lado do mundo, ia caçar encrenca com um bando de alemães metidos a besta?

F*ck off, hehehehe

2005-03-05 06:24:00 +0000

Só porque hoje é sexta-feira acordei as 5:50 da manhã, tendo pesadelos. Já é a terceira vez que isso acontece.

Desisti de dormir e fiquei rolando pela cama. Lá pelas sete, meus coleguinhas de casa (e de trabalho) também estavam acordando e tomando seus banhos. Assim que eu saí do quarto, os dois, educadamente, começam a trocar gentilezas.

Digo gentilezas porque é uma prática comum entre eles xingar uns aos outros dando risada ao mesmo tempo, pra que tudo pareça uma brincadeira. Até arrumei um nome pra isso: blamestorming...

- É, cara, tem que te proibir de tomar banho de manhã hein! Hehehe...
- Ué, por quê?
- Ora, você acabou com a água quente, morri de frio no meio do meu banho, hehehe!
- Não fui eu não, eu não demorei no banho hoje não, heheheh!
- Foi sim ora, não tinha mais água quente pra mim, heheheheh!

Agradeci a Deus a inspiradora idéia que eu tive de tomar banho antes de dormir. Depois, enquanto a gente tomava café na sala, o blamestorming continuou:

- E essa meia suja em cima da mesa vai fazer aniversário hein! Hehehehehe...
- Tá bom, vou tirar ela daí, hehehehehe...

Detalhe técnico: aqui no Canadá os chuveiros não são elétricos e o aquecimento é a gás. A água gelada é aquecida numa serpentina e guardada num reservatório. Só que esse reservatório esvazia rapidinho se alguém demorar no banho...

Problemas na língua: meu inglês tá melhorando bastante, tanto que está bagunçando minha língua-mãe... Outro dia eu falei em português com um cara:

- Acredite-me, isso não é assim

Essa frase horrorosa é porque eu pensei em inglês: "Believe me, it's not like this".

E hoje eu estava escrevendo um email, fui teclar "meio" em português mas acabei escrevendo "mail", depois "meil", e só acertei na terceira tentativa.

Unstoppable Meat

2005-03-04 05:35:00 +0000

Fui buscar um café na máquina quando chega perto de mim uma funcionária daqui da empresa. Notando meu jeito tupiniquim, perguntou:

- Você é daquela consultoria do Brasil, né...
- Sim, sou.
- Eu viajei pro Brasil semana passada.
- Ah é? Que ótimo, como foi lá?
- Foi excelente...

Aí passa outro canadense na salinha de café, e emenda: "Principalmente a carne, né?". Aí a menina fica empolgadíssima:

- Putz! Uau! Vocês brasileiros comem MUITA CARNE! Nossa, eu lá no restaurante, aí vinha uns pedaços enormes de carne, e vinha mais e mais e não paravam de servir a gente, eu achei que ia explodir de tanto comer...

Taí outra vantagem do contato com outras culturas: eu nunca imaginei que uma churrascaria fosse assim tão emocionante...

E agora, enquanto escrevo esse post, deu até saudade da comida brasileira. Acho que vou fazer um churrasco de boas-vindas pra mim mesmo quando eu voltar.

Newsflash

2005-03-03 05:39:00 +0000

Hoje fiz minha primeira reunião via videoconferência. Éramos nós aqui no Canadá e um pessoal na Flórida.

Detalhe técnico: a videoconferência é feita sobre linhas telefônicas ISDN. O cara que nos ajudou com o equipamento contou que a transmissão usa 7 linhas ISDN simultaneamente. O pior é que o preço de sete ligações internacionais que duram duas horas é menor do que o de passagens de avião pra todo mundo atravessar o país.

Tá um "toró de neve" lá fora. Está nevando sem parar desde domingo à noite e vai ficar assim até quinta.

A neve é linda, até que você sai debaixo dela, se molha todo, fica patinando com o carro na estrada...

Outra vantagem de estar no Canadá: assistir a transmissão do Oscar sem Rubens Ewald Filho ou Arnaldo Jabor enchendo o saco.

FDS atrasado

2005-03-01 06:58:00 +0000

Só pra não esquecer de contar: meu Gambiarra Sound System ficou popular por aí. Recebi vários emails sobre ele e esse cara até reproduziu o esquema no carro dele...

Mas vamos ao fim de semana. Com dois dias de atraso:

Toronto by foot

No sábado de manhã peguei o trem e fui, sozinho, até Toronto. Eu tinha dois objetivos: aprender a andar na cidade e, obviamente, passar algum tempo sozinho.

É muito fácil andar em Toronto. As ruas são todas perpendiculares e os pontos cardeais são usados pra indicar a direção; por exemplo, você não "sobe a avenida Spadina", você "pega a Spadina para o norte". Além disso, a cidade é dividida no meio pela Yonge Street, a maior rua do mundo. As ruas perpendiculares a ela se dividem em "West" para a esquerda e "East" para a direita. Assim, quando te falam pra ir na "King Street West" você sabe que é a parte da rua King que fica do lado esquerdo da Yonge.

Ah, e se tudo mais falhar, é só olhar para cima e procurar a CN Tower, que fica no sul da cidade. É o melhor ponto de referência.


CN Tower, refletida nos prédios

Meu almoço foi no St. Lawrence Market, o "Mercado Central" de Toronto. Comi um sanduíche enorme numa barraquinha chamada "Mustacchios". E encontrei mais tiramisu pra vender, mas dessa vez eu não estava com tanta vontade.


Panorâmica do mercado

Também experimentei o transporte coletivo: usei o metrô e o streetcar. O metro é absurdamente rápido: saí do Eaton Centre e cheguei no Royal Ontario Museum em cinco minutos. Um trajeto um pouco menor, de streetcar, levou uns 20 minutos.

E finalmente entendi o tal do PATH, o emaranhado de corredores subterrâneos que interligam o centro da cidade, formando o maior shopping subterrâneo do mundo. É que os grandes edifícios do centro têm galerias subterrâneas com lojas, e essas galerias são interligadas por pequenos túneis. Dá pra passear por grande parte do centro da cidade sem passar frio na superfície.

Outros destaques do passeio:

Achei outro CD do Godspeed You Black Emperor no Eaton Centre. Foi o Slow Riot for New Zero Kanada.

Apesar de eu ter comprado passagens normalmente, ninguém me pediu o bilhete para o trem que me trouxe à cidade. Ou seja, não tem nada que lhe impeça de pegar o trem e não pagar. Mas, obviamente, ninguém faz isso aqui.

Me pararam para pedir informações na rua. Duas vezes. E pude ajudar nas duas, graças ao mapa que levei comigo.

Ah, o destaque maior foi o visual mesmo...

Só rindo

No sábado a noite fomos ao Yuk Yuk's, que é um comedy club, ou seja, um lugar onde tem shows de stand-up comedy.

Foi, de longe, a melhor noite de sábado que já tive aqui no Canadá. Eu ri até o queixo doer.

Quando você vê o Jerry Seinfeld na TV ou assiste aquele programa medonho do Multishow (que usei pra batizar este post), não tem nem 10% da graça de ver um comediante desses ao vivo. Mesmo porque, longe das câmeras, os caras podem fazer duas coisas:

- Interagir com o público
- Abaixar absurdamente o nível das piadas

O primeiro comediante da noite, por exemplo, saiu perguntando se tinha gente de outras cidades na platéia. Xingou alguns americanos, levantou o dedo médio para alguns ingleses e, quando viu que nós éramos brasileiros, disse:

- Brazil? Fuck, what are you doing here, looking for jobs? Came to enjoy the weather? Fuck, you're retarded...(*)

Parece muito ofensivo assim, escrito, mas na hora fica engraçado porque ele estava escrachando com todo mundo. Na sequência ele saiu fazendo piadas sobre dois temas básicos: masturbação e maconha. Sem o menor pudor.

O segundo comediante foi mais ou menos na mesma linha, mas emendou também algumas piadas com religião:

- Sabe aqueles jogadores de hóquei que, depois do jogo, saem dando entrevista e falando: "Nós ganhamos com a ajuda de Jesus Cristo, nosso salvador"... porra, Jesus Cristo? Então eles trapacearam!

Depois dos risos, ele baixou mais o nível:

- Falando nisso, quem aí está dentro do bolão do Papa?

E depois começou a imitar o Papa, decrépito, se esforçando pra levantar a cabeça. Na piada dele, o Pontífice tentava se erguer pra ver uma mulher que mostrava os peitos. Depois de tentar umas duas vezes, ele exclama: "Bring me a boy!!!" (**)

A platéia exclamou um "WHOA!!" em uníssono, porque aí ele tinha pegado pesado demais...

O terceiro cara, a atração principal da noite, também pegou pesado. Falou muito sobre mulheres, mexeu com várias delas na platéia e selecionou uma das minhas colegas de trabalho para fazer um número de mágica com ele no palco.

Contando assim não tem graça nenhuma, mas eu garanto: Foi muito engraçado...

(*) Porra, o que diabos vocês tão fazendo aqui, procurando emprego? Ou vieram curtir o clima? Caralho, vocês são retardados...

(**) Tragam um menino!!

Life is random

2005-02-26 18:11:00 +0000

A falta de assunto pros jornalistas está chegando a níveis cada vez mais escabrosos por aqui. Duas manchetes do noticiário desta manhã:

- Garoto de 15 anos é suspenso da escola por atirar com arma de brinquedo em um colega.
- Polícia da cidade de Toronto está a procura de um atirador que têm disparado balas de paintball nas pessoas que passam pela rua.

Esqueci de contar: ontem, na academia, vi a propaganda do iPod Mini na TV. Genial.

Disco Inferno

E o programa de sexta-feira parecia ótimo: o pessoal combinou de ir a um jazz club chamado Alleycatz, em Toronto.

A coisa começou a degringolar logo que entramos no lugar, o palco tinha três pedestais de microfone, todos os três decorados com plumas rosa-choque. Confusos, perguntamos o que era aquilo e a garçonete nos indicou um cartaz anunciando a banda da noite: chamava-se "Disco Inferno" e iria tocar, hã, disco music.

Mas eu ainda tinha esperanças de me divertir e resolvemos nos sentar pra jantar. Pedi um tal de "orgasmic penne" que justificou o seu nome; estava excelente. Pena que foi a única coisa excelente da noite...

A banda era muito estranha. Tocou por 20 minutos, fez uma pausa de UMA HORA e depois voltou a tocar. E os caras tocaram muita coisa anos 80 (Michael Jackson, Cyndi Lauper, Snap... lembra do "Everybody dance now"?) e, pasmem, até os "sucessos" do momento, tipo Destiny's Child. Disco? Sim, um ou outro Abba e o indefectível "YMCA", do Village People. E só.

Na pausa de uma hora da banda, o som mecânico foi ainda mais bizarro: dance anos 90, R&B, popzinho MTV (tipo Gwen Stefani), depois salsa, depois uma sequência de Gypsy Kings (juro!), depois reggae... vocês se lembram que eu tinha ido a um bar de jazz né?

Pra amplificar a bizarrice, eu olhava em volta e sentia vontade de chorar. Era o oposto daquela expressão típica da night, "gente bonita". A média de idade era de 30, 40 anos. Senhoras com idade pra ser minha mãe chacoalhavam-se no melhor estilo "Elaine do Seinfeld". Era assustador. Os canadenses construíram um excelente país pra eles, pena que no processo eles se esqueceram de aprender a dançar...

Ainda no visual: Uma senhora tinha pendurado glowsticks (!??) nos brincos, outra usava uma bota com luzinhas que piscavam quando ela andava. Também contei diversos homens de terno e gravata, e tinha um com cara igualzinho aqueles atores de propaganda da Polishop. Eu ficava olhando pro cara, esperando que, a qualquer momento, ele se virasse e dissesse: "E não é só isso! Ligue agora para o número em seu vídeo para receber inteiramente grátis..."

Crayons???

2005-02-25 05:57:00 +0000

E eu achando que tinha achado um cardápio engraçado em Conceição do Mato Dentro...

O CrisDias ganhou. Olha só isso.

Uma coisa canadense da qual eu definitivamente vou sentir saudades: a velocidade da internet.

Novidade do dia: Hoje, num ato de extrema insanidade, me inscrevi na academia local. Na verdade não foi tanta insanidade assim: é que o frio e a comida daqui formam uma combinação perigosa para o meu colesterol.

Bom, pensando bem, é insanidade sim:

- A academia fica a uns 4km de onde eu moro, e eu fui de carro.
- Enquanto estava lá, eu corri mais do que 4km na esteira, mas não saí do lugar.

Em resumo: Gastei gasolina para desperdiçar energia na esteira, energia que compensaria o gasto em gasolina. Ah, e ainda paguei a mensalidade da academia pra levar este prejuízo.

Patins e PowerPoints

2005-02-24 05:03:00 +0000

Ontem, depois do trabalho, fomos até o centro comunitário da cidade de Pickering, onde a gente mora. É um pequeno centro de recreação que a prefeitura mantém.

Eu estou cada vez mais impressionado com o poder público no Canada. Aqui o treco funciona mesmo. Saca só a arena de hóquei que tem no lugar...


Foto roubada do site da cidade de Pickering

O legal foi que, quando chegamos na arena, estava tendo aula de patinação artística: dezenas de meninas, lá pelos seus 13 anos, deslizavam graciosamente pelo gelo. De vez em quando uma delas dava aquelas piruetas ou saía girando sobre um pé só. Era como ver, ao vivo, aquelas competições da ESPN. Muito bonito...

Hoje de manhã houve uma longa reunião. Apresentei nosso projeto para o pessoal, em inglês. Nem embolei muito, achei que seria pior.

Mas o melhor mesmo foi durante um dos intervalos: um cara deu um arroto fenomenal, daqueles tipo efeito sonoro de filme. No final, disse "excuse me" (desculpe-me) e ficou por isso mesmo.

Atendendo a pedidos, mais uma "fotoca" daqui do Canadá. É uma casinha geminada na beirada da Frenchmen's Bay.

Os últimos dias

2005-02-22 03:56:00 +0000

Fim de semana bem aproveitado! Tanto que mal sobrou tempo pra blogar. Vamos ao resumo dos últimos dias...

Sábado

Sábado é dia de pegar o carro e ir até Toronto. Passeiozinho rápido na "Chinatown" torontoniana para comprar uma webcam. Numa das lojas haviam mini-carrinhos de controle remoto por apenas $10.

Resumindo: Está aberta a temporada de mini stock cars aqui em casa.

Mais tarde, hora de patinar em frente ao City Hall. Eu não faço a menor idéia da última vez que patinei no gelo, provavelmente foi lá nos meus 10 anos de idade. Mas meu desempenho, mais uma vez, foi muito bom: não caí nenhuma vez. Mesmo quando tentava, com relativo sucesso, fazer um hockey stop.

Eu não sei se já mostrei pra vocês o carro alugado que a gente usa...

(Acho que não preciso explicar que eu tou brincando, né?)

Domingo

Menos cinco graus lá fora e todo mundo enfurnado em casa. Na garagem, uma bicicleta. Era de um dos meus colegas consultores. Pedi emprestada e saí pedalando.

Fui até a Swans Marina, na beira do Lago Ontario. Parecia que eu estava na praia: gaivotas, areia, ondas...

O senso de humor canadense não pára de me entreter. Na marina havia um barco com um nome peculiar. E, mais à frente, uma propaganda de colocadores de carpete com um nome, digamos, "elementar".

De tarde, mais Toronto. Na rua o vento estava congelante, e nos abrigamos num cinema. Lá dentro havia um piano no meio do hall e, sentado nele, um menino. Tocando a introdução de "In the end", do Limp Bizkit...

Mais tarde, no almoço, vi que o cardápio de sobremesas tinha tiramisu. Pedi um, coloquei o primeiro pedaço na boca e meu coração até disparou. Absolutamente delicioso. Finalmente, do outro lado do mundo, achei mais tiramisu pra comer...

Se você não entendeu nada, é só ler aqui, depois aqui.

Mais tarde, cineminha. O filme da vez foi o Million Dollar Baby. Bom filme, perfeito para o Oscar, que premia entretenimento acima de tudo. Mas o Million Dollar Baby tem um pouco mais de caldo. Não sei se eu daria cinco estrelas pra ele, mas umas quatro ele ganha, sim. Perde uma pelos clichês, como a cena entre Morgan Freeman e os valentões da academia.

Desempregado de bandeja

2005-02-19 06:15:00 +0000

Eu e mais três colegas, hoje, logo após o almoço. Um deles me interrompe quando tento pegar minha bandeja e jogar os restos no lixo:

- Faz isso não. Outro dia eu fui fazer a mesma coisa e um dos funcionários pediu pra não jogar.
- Hein? Por quê?
- Segundo ele, se todo mundo fizer isso, ele fica sem emprego.

Pensei seriamente em jogar minha bandeja no chão. Acho que eu iria criar uns dois empregos...

Sexta feira gelada. Esfriou de repente: -11 graus com muito vento e wind chill de -22 graus.

Nota mental do dia: JAMAIS sair de casa sem uma calça por baixo da calça.

Comida boa: Hoje comi das famosas 'chicken wings' canadenses, no Montana's. Tinha três opções de molho apimentado: mild (leve), medium e hot. Pedi o mild. Nota mental: pedir o hot no dia em que eu quiser me suicidar.

Blecaute. Ontem ficamos sem luz no trabalho. Precisei ir ao banheiro e acabei usando meu chaveirinho-lanterna, comprado por $1 no Dollarama. Tinha um colega canadense na "casinha" ao lado da minha, que conversava sem o menor pudor:

- You know, they *PRRRFFFTTT* should really install emergency *PRRRRRFF-PLOFT!* lights here in the bathroom... *BLOSH!*

Chile? Canadá? Brasil? Pinguim gay?

2005-02-17 15:14:00 +0000

Engraçado como o Canadá ficou tão familiar depois que voltei pra cá.

Ontem de manhã eu ouvia as notícias do trânsito no rádio:

- Traffic is very slow on the 401 between Brock and Thickson near Whitby because of a car crash, some cars slipped into the guard rail...

Antes eu ouvia apenas "blablablablabla" porque não conhecia nenhum nome de nenhuma estrada. Agora eu já me pego pensando: "Putz, essa é a saída que eu pego pra ir pro trabalho. Vou ter que pegar a Salem Road pra Ajax e ir pela paralela"...

Pra piorar a confusão de nacionalidades, fui ao aeroporto buscar um colega que estava vindo do Brasil e uma senhora me perguntou se eu era chileno. "Você tem cara de chileno", dizia ela.

Uma coisa que eu já tinha notado desde que cheguei é a falta de assunto pra imprensa. Ontem no almoço um colega comentou que viu uma discussão no jornal sobre os pinguins do zoológico. É que descobriram que vários deles são gays e algumas pessoas ficaram incomodadas pelo fato deles terem sido separados. A administração do zoológico alega que é para forçá-los a se reproduzir, para preservar a continuidade da espécie...

Mais imprensa: Ontem vi um clone perfeito da revista Caras: chama-se Hello!. A capa é idêntica. E, entre os inúmeros clones de "Contigo", "Querida" e "Minha Novela" que tem aqui, uma delas tinha uma capa inacreditável:

Momento "cadê minha câmera quando eu preciso dela" de ontem: havia uma caminhonete transitando pelos trilhos do trem. Ela tinha umas rodinhas metálicas adaptadas em frente aos pneus originais...

Momento "cadê minha câmera quando eu preciso dela" de hoje: olhei pela janela da sala e vi gaivotas sobrevoando a Frenchmen's Bay. Centenas delas. Parecia um enxame de gafanhotos.

This is a fucking country

2005-02-05 00:51:00 +0000

E daqui a algumas horas estarei embarcando de volta ao Brasil, para o feriado do Carnaval. Depois tem a super-reunião anual da minha empresa de consultoria, em São Paulo, e depois volto pro Canadá e fico três meses non-stop.

Anteontem fui com um colega meu no Best Buy e, passeando aleatoriamente pela prateleira de CDs, achei o F#A#oo, outro CD do Godspeed You Black Emperor. E na hora que entramos no carro e ligamos o rádio, tocou Brass Monkey, dos Beastie Boys.

Vou sentir saudade daqui...

Último comentário canadense da semana: aqui no escritório o pessoal diz fuck. E diz muito.

Acabei de sair do cubículo de um dos caras e, sem querer, pisei num documento que tava no chão. Pedi desculpas e ele falou:

- Nah, don't bother. If at least my office wasn't a fucking mess...

Aí passei na minha sala, depois fui buscar um café e lá estava ele, ao telefone:

- No way... fuck me... it can't be right...

E ainda ouvi outro fuck de alguém desconhecido, quando voltava com meu café.

O diretor da área é o campeão de fucks, o fucking champion. Outro dia ele tava gritando no telefone:

- Don't give me this fucking bullshit, we're talking about thousands of fucking dollars here!

Muitos fucks depois ele desligou, ligou para a esposa e saiu falando no tom mais doce do mundo...

- Hi, sweetheart...

Então, é isso. Deixa eu ir ali pegar o meu avião. Um bom fucking carnival pra vocês.

Diz aí

2005-02-03 03:47:00 +0000

Trabalhar em outra língua é muito interessante. Pra não dizer complicado.

Outro dia eu entrei na salinha de café e tinha um cara lá dentro.

- Hi, excuse me...
- Hello. Can you give me the sugar please?
- Sure... ei, você é brasileiro?
- Sou, você também?
- Sim!

Se o inglês fosse um só tava tudo bem. O problema é que tem mil e um sotaques:

O canadense: It's all aboot the prices, eh?

O indiano falando inglês: Dis is cheep, too dollars... (This is cheap, two dollars)

O asiático falando inglês: All yoo leady to order? (Are you ready to order?)

O brasileiro falando inglês bem: Dat is de biggest truck dey have (That is the biggest truck they have)

O brasileiro falando inglês mal: You are gonna fail the company! (Você vai falir a empresa!)

Hoje eu adicionei mais um à minha lista: O sul-africano com sotaque embolado da inglaterra e com gripe. É de um cara da contabilidade, ele veio aqui na nossa sala pra explicar uns números de uma planilha. No final, ele perguntou ao meu colega de sala, que de vez em quando vai lá fora com ele pra fumar:

- Yee goys wenna hovasmooke? (You guys wanna have a smoke?)

Top 10 razões pelas quais o Canadá é um país de primeiro mundo

2005-02-01 06:17:00 +0000

Qualquer criancinha de 5 anos fala inglês fluentemente
Ora, até os mendigos falam inglês!
Se você cair quando estiver esquiando, automaticamente a natureza colocará gelo no seu ferimento
As rádios não tocam nenhum tipo de funk, pagode ou axé music.
Se você for à loja de bebidas a pé, sua cerveja chega geladinha em casa
É muito fácil arrumar um emprego que pague em dólar
Aquelas propagandas de natal da Coca-Cola fazem sentido porque realmente tem neve lá fora
As pessoas pronunciam corretamente aqueles termos de informática, tipo, MP3 ('em pí frí'), Windows XP ('Uíndows Éx-Pí')...
Você não precisa pagar aqueles impostos absurdos para comprar um CD ou perfume importado
É tão rico e auto-suficiente, ou até mais, quanto seu vizinho de baixo... e não se acha a polícia do mundo.

Esquiando (de novo) em Blue Mountain

2005-01-31 02:13:00 +0000

Pra começar esse post nada melhor do que a bela cena que vi quando parei o carro, ontem, no estacionamento do resort...

O dia estava perfeito para esquiar: céu claro, máquinas de fazer neve desligadas, menos 10 graus celsius. E eu segurando a empolgação de sair como louco pelas pistas, por causa daquele velho postulado: o que mata é o excesso de autoconfiança.

Por isso comecei devagar e fui para a pista mais fácil: a easy street. Depois, desci umas duas vezes (sem cair) pela graduate, onde passei praticamente o dia todo da última vez, e em seguida fui na Happy Valley.

Aí embaixo sou eu, prestes a descer a Happy Valley e a levar o primeiro tombo do dia.

Apesar de tudo eu caí muito menos, porque finalmente peguei a manha de fazer curvas e parar com segurança. Os tombos aconteciam só quando eu me deparava com alguma circunstância nova, como gente atravessando na minha frente ou quando eu encontrava gelo no meio da neve.

Experimentei muitas pistas novas, de nível advanced: Waterfall, Cruiser, Sunrise, Dr.Doug, L-Hill, Tranquility... e completei várias delas sem cair, de primeira.

Continuei com minha fama de esquiador louco: quando a gente estava descendo alguma pista nova, o pessoal me falava:

- Ó, vai devagar hein, porque aqui é inclinado...

Eu dizia: "Tá bom". E descia em altíssima velocidade. Por várias e várias vezes eu era o primeiro a chegar no final de uma pista e ficava lá, entediado, esperando os meus colegas terminarem de descer.

Não sei o que dava em mim, quando eu via algum obstáculo eu não sentia medo, e sim uma vontade louca de passar por ele. E depois vinha a vontade de tentar pistas mais novas e mais difíceis. Só não experimentei as pistas de nível "expert" porque já tinha anoitecido, o cansaço bateu e achei prudente parar.

Hoje, dia seguinte, estou bastante quebrado, mas não tanto quanto da primeira vez. O pessoal já está marcando de ir novamente à Blue Mountain depois do carnaval. Talvez lá eu arrisque até um snowboard...

I believe

2005-01-29 06:48:00 +0000

Pois é.

Aqui no blog eu fico só contando as coisas boas e agradáveis da minha estadia aqui no Canadá. Mas, obviamente, nem tudo é moleza por aqui.

O trabalho é do jeito que eu previa: muito. As reuniões difíceis de trabalho agora são em inglês. E seus colegas de trabalho não vão embora no fim do dia: Eles vão pra casa com você. É tudo um grande Big Brother.

Já estou sentindo o stress acumulando. Sexta-feira passada eu tive dor nas costas. Passou quando eu percebi que era por causa de tensão. O inverno acentua a tendência natural de procurar o chamado food confort com consequências nefastas pro meu colesterol, então fico tendo que me defender com muito chiclete Trident (somente CDN$ 2,19 o pacote com 4 caixinhas, no Loblaws mais perto de você).

Nessas horas eu dou graças pela Internet. Plaquinha wireless aqui, webcam ali e eu posso ficar chorando as mágoas no ombro virtual de Bethania.

Outra coisa que eu dou graças é a música. Hoje, depois de matar a saudade da Bê pelo MSN, liguei um bom hard techno nos fones de ouvido. O barulho era tanto que o mundo lá fora sumiu e eu, finalmente, tive um pouco de paz...

A despeito do fato de eu ser cristão, DJ Rush, mixado por Jeff Mills, foi meu profeta particular por alguns instantes:

I believe in the rythm!
I believe in the bass!
I believe in the music!
That's gonna make my body move!...

Long time no see...

2005-01-27 04:37:00 +0000

Ah, que belo dia aqui no Canadá. 18 graus negativos lá fora, e acabou a água quente na nossa casa... no meio do meu banho.

Acho que bati meu personal tempo-sem-atualizar-o-blog record. Tá tudo muito corrido aqui. Vamos a um resumo básico dos últimos fatos relevantes:

Sábado à noite fomos lá na tal The Guvernment. Lugar legal, espaçoso, bela iluminação, sistema de som excelente. Eu esperava ficar ouvindo um trance chato mas o set da DJ da noite (Sandra Collins) foi todo de um tech-house excelente. Sente o nível:

O público da boate era basicamente de duas nacionalidades: asiático e drogado. Nunca vi tanta gente quimicamente alegre como vi lá. Foi por isso que a mulher que me revistou na entrada apalpou, com vontade, TODAS as partes do meu corpo e até enfiou o dedo dentro do meu sapato pra ver se não tinha nada debaixo do meu pé. Por sorte ela não quis enfiar o dedo em nenhum outro lugar.

Domingo foi dia de almoço em Toronto. Fomos ao Marche, que na verdade é um mercado com barraquinhas: você pega sua bandeja e escolhe onde vai pedir sua comida. Acabei fazendo uma refeição completa:

- Entrada: Salada de vegetais sortidos com uma, hã, bruschetta
- Prato principal: Rösti (batata suíça), ou melhor, batata fatiada numa frigideira...
- Sobremesa: Torta de maçã. Fatia tamanho "extra-large".

Depois, cinema: A despeito do que falaram, Elektra é um filme bom. Destaques do filme:

- Jennifer Garner
- Jennifer Garner de roupa vermelha
- Jennifer Garner beijando outra mulher

Segunda e terça foi, basicamente, só trabalho. Ao chegar em casa... trabalho doméstico, lava uma roupinha aqui, passa outra ali, etc. Mas o fim de semana promete ser melhor: vou esquiar de novo lá em Blue Mountain. Mal posso esperar...

Sexta e Sábado

2005-01-23 05:32:00 +0000

Agora que a semana finalmente acabou, deu pra ter algum lazer aqui nessa terra gelada. Sexta-feira o pessoal resolveu ir ao cinema depois do trabalho e o filme escolhido por eles foi um de "ficção científica", segundo o site do cinema: era o White Noise, estrelando "Batman" Michael Keaton.

No fim das contas o filme era de suspense/terror, usando como argumento os chamados EVP, electronic voice phenomena, ou aqueles vídeos e áudios com chiado de rádio e de TV onde aparecem imagens e mensagens de pessoas mortas. Só pra constar: eu odeio filme de terror. Passo medo e desisto de ver sim, não tenho vergonha de assumir. Mas esse eu vi até o final.

Pra melhorar um pouco mais as coisas, eu ia dormir sozinho em casa naquela noite...

Mas foi interessante ver como é o cinema aqui no hemisfério norte: o pessoal compra ingresso para um filme mas pode ficar passeando por qualquer uma das salas. A média de idade do público do cinema era de 15 anos, e o pessoal assiste os filmes mais no intuito de ficar fazendo piada com os amigos do que de realmente se deixar levar pela história.

No sábado o programa do dia acabou sendo almoçar no shopping. Aproveitei para pedir como entrada do meu almoço uma coisa tipicamente canadense: poutine. Ou, se preferir, batata frita com queijo e molho.

Só sei que o prato era ENORME. Se aquilo fosse uma entrada, era pra umas quatro pessoas. Eu sempre amei batatas fritas, mas nunca achei que um dia fosse dizer "nossa, não aguento mais batata frita". E já disse isso duas vezes desde que cheguei...

Depois o programa foi ficar perambulando pelas lojas. Acabei comprando duas coisas: um chaveiro com lanterna embutida e um par de meias. Total gasto: dois dólares...

Mas não se enganem porque as coisas aqui, no geral, são muito caras. Roupas, por exemplo: eu não achei nenhuma peça de roupa média (camisa, calça, blusa, suéter, moleton, etc) com preço abaixo de $20. E você acha, com muita frequência, coisas com preços inacreditavelmente altos, como jaquetas que custam $300 (isso dá R$ 660 com o câmbio do dia de hoje).

Na saída do shopping o pessoal resolveu parar num Tim Hortons, uma lanchonete que serve cafés, donuts, bagels, muffins e similares. O Tim Hortons é pior que McDonalds: tem em absolutamente tudo quanto é canto. Tomei um cappuccino sabor "french toffee" e comi um donut sabor canadian maple e entendi porque é que eu via gente circulando com copos de café do Tim Hortons em todos os lugares que eu ia: é muito gostoso!

Detalhe: na frente do caixa havia uma caixinha para depositarem doações para os desabrigados do tsunami na ásia. Aí eu comentei, todo sorridente, com o atendente:

- Uau, só se fala em tsunami mesmo hein...

O atendente respondeu, num tom super sério que me deixou até com vergonha:

- Eles precisam de toda a ajuda que conseguirmos.

Depois fomos fazer um "mini city tour" pela nossa vizinhança. Fomos até o porto na margem do Lago Ontario. Havia uma pequena enseada com um pier que nem parecia um pier, pois estava sem os barcos e todo congelado.

Mas do outro lado, onde a margem era maior, eu tive uma visão fantástica: ondas, como ondas do mar, batendo nas pedras da margem. E o vento estava forte, carregando a neve que caía para cima da água e formando um tapete branco sobre a arrebentação. Tentei tirar várias fotos, mas estava muito escuro e a sensação térmica estava lá nos -30 graus, daí saí correndo de volta pro carro e levou um certo tempo até que eu descongelasse a ponta dos meus dedos...

Agora eu vou encerrar este post porque daqui a pouco vou sair para conhecer o maior club do Canadá: The Guvernment. Eu só não me conformei com o fato de não ter NENHUM ambiente techno nesse lugar. Vou ter que me contentar com o house/trance mesmo.

E já estou com medo: meus colegas estão levando glowsticks...

Tá com a mão amarela!

2005-01-21 15:32:00 +0000

Ontem à noite a temperatura caiu bastante. Eu e meus colegas de trabalho passamos no shopping pra comprar alguma coisa de comer e, na pressa de sair, acabamos não colocando nossas luvas.

Aí, quando chegamos em casa, entre o instante de sair do carro e o de entrar em casa ficamos uns 45 segundos com as mãos nuas, expostas ao vento. Primeiro veio o frio, depois a dor de frio, as mãos foram ficando amarelas e depois veio uma sensação bizarra de pele queimada: era o tal frost bite começando.

Frost bite não é apenas um joguinho de Atari, é a "queimadura de frio" devido ao congelamento dos tecidos. Os casos mais graves podem acabar em gangrena e amputação. No nosso caso só doeu um pouco mas já tá normal.

E hoje de manhã o Personal Frio Record caiu de novo. Dois graus a menos na temperatura. Mas o windchill continua o mesmo da última vez.

Pra dar uma idéia de como é isso: no nosso carro tem uma garrafinha de água mineral que ninguém tomou e acabou ficando lá. A água da garrafinha está congelada desde que eu cheguei aqui.

País moderno é isso aí, nem precisa de frigobar no carro...

Greve é grave

2005-01-20 23:05:00 +0000

Uma coisa daqui que eu esqueci de contar...

Antes do início da temporada de hóquei deste ano aqui na América do Norte, a NHL quis colocar um teto salarial para os jogadores. Aí os jogadores não concordaram e a coisa ficou tão feia que hoje eles estão de greve por tempo indeterminado e a temporada deste ano está, hã, "congelada".

Ontem eu vi na TV uma propaganda da cerveja Molson Canadian cujo mote era: "Volta, hóquei"...

Ontem

2005-01-20 16:11:00 +0000


Eu, no meio da minha rua cheia de neve

Curiosidades

2005-01-19 22:00:00 +0000

O trabalho deu uma amenizada esta tarde. Aproveitei pra me lembrar de umas curiosidades inúteis que eu nunca lembro de contar...

- Como todo lugar fechado daqui tem aquecimento, o ar é bem seco e você acaba se entupindo de eletricidade estática. Levar choque quando você encosta na lataria do carro é muito comum. E quando estou tirando a roupa, depois de chegar em casa, ela sempre "estala" por causa da carga elétrica.

- Tem anúncio de games por tudo quanto é lado: na TV, no rádio, na rua. Como não tem pirataria do jeito que tem no Brasil, a indústra de games por aqui é levada tão a sério quanto Hollywood cuida dos seus filmes.

- Outro dia noticiaram um homicídio na tevê. Foi o primeiro do ano, em toda a província de Ontario. Putz, e pensar que em Belo Horizonte, onde nasci, tem uns 10 homicídios por final de semana...

- Se você fuma aqui no Canadá, azar o seu. Aqui a proibição do fumo em lugares fechados vale mesmo, e sair pra fumar unzinho ao ar livre pode ser bem desagradável nessas temperaturas daqui. Os impostos sobre cigarro são altíssimos e a propaganda anti-tabaco da TV é encabeçada, em pessoa, pela governadora da província de Ontario.

- Se você é um deficiente aqui no Canadá, sorte a sua. Absolutamente TUDO é adaptado para deficientes. Todas as lojas tem banheiros para deficiente, portas largas, rampas e o escambau. No aeroporto então, haviam dezenas de cadeiras de roda bem do lado do desembarque, caso alguém precisasse.

- Por incrível que pareça, peidar e arrotar em público é comum. Coincidentemente, enquanto eu escrevia este post, ouvi alguém soltando um "traque" num cubículo próximo...

Oh no, snow...

2005-01-19 16:40:00 +0000

Hoje a temperatura tá amena (-6 graus celsius) mas, se eu tivesse um personal neve record, acabei de batê-lo. Está nevando horrores nesta manhã.

Quando saí de casa havia mais ou menos um palmo de neve cobrindo o carro. Devido ao tanto de gelo e neve na pista, tive que dirigir muuuuuito lentamente até o trabalho (média de 40km/h) ou o carro patinava. Dá uma olhada em como estava a estrada por onde passei...


Direto das traffic cameras do site Pulse24.com

Pra piorar, tive que parar pra abastecer. Eu já contei que os postos de gasolina aqui são self service? Não né...

O lado bom foi que eu estava sozinho no carro e pude ir ouvindo o meu CD do Godspeed You Black Emperor. Combina perfeitamente com esse clima maluco...

E lá se vai o Personal Frio Record

2005-01-18 01:43:00 +0000


Direto do Weather Network, hoje à noite

Viram ali o "feels like" de -22 graus? É por causa do vento... deixa eu tentar explicar como é isso:

Na saída do trabalho eu e meu colega daqui de casa andamos por 1:30 minutos ao ar livre. Foi o tempo de sair do prédio e andar até o carro no estacionamento.

Mesmo dentro do carro saía aquela fumacinha da nossa boca quando falávamos. E ficou assim por uns 10 minutos, até o aquecedor do carro elevar a temperatura a um nível aceitável. Meu queixo estava batendo, meus dedos doíam mesmo debaixo da luva e, apesar de estar agasalhado, eu tremia de frio.

Imagine que você está dentro da sua geladeira. Agora, remova toda a sua roupa. Era mais ou menos o que eu estava sentindo.

Mas depois que entramos no carro a gente acabou indo a um jantar com um pessoal da empresa-cliente. Depois, mais frio, na hora de entrar no carro e voltar pra casa. O engraçado é que qualquer coisa que ficasse 30 segundos em contato com o ar frio da noite gelava na hora. A chave do carro parecia que tinha sido esquecida na geladeira. A bolsa do notebook, então, estava tão quente quanto uma daquelas caixas de isopor cheias de cerveja.

E segundo a Weather Network amanhã eu vou acordar com -19 graus celsius na minha porta...

O Primo esquiando no Canadá

2005-01-17 05:49:00 +0000

No sábado meus colegas de casa resolveram fazer uma pequena viagem até um ski resort chamado Blue Mountain. Passamos o dia todo e esquiamos até as 10 da noite, horário em que as pistas fecham.

E hoje, um dia depois, apesar das 10 horas de sono, foi com muito sacrifício que saí da cama para escrever este post. TODOS os músculos do meu corpo estão doendo devido ao esforço e as dezenas (sim, dezenas) de tombos. Mas eu estou louco pra fazer tudo de novo, porque esquiar é muuuuuuuuito bom.

Lá no resort a gente comprou um pacote que incluía aluguel do equipamento, passes para o lift (aquele teleférico que te leva pro alto da montanha) e um treinamento para iniciantes. O desafio já começa logo depois de calçar as botas para esqui, que são rígidas: você fica com um caminhar de quem fez cocô na calça e descer três degraus de qualquer escadaria fica impossível sem um corrimão.

Como faltava uma hora e meia para o início do treinamento, resolvemos experimentar os esquis na primeira pista, chamada Easy Lane. Apesar do meu caminhar desengonçado, fiquei olhando o que o pessoal fazia e depois escorregava alguns metros da descida, tentando repetir: "Hmm, então é mais ou menos assim que vira... hmm, e freia assim"... e, cheio de autoconfiança, resolvi pegar o lift e tentar descer sozinho.

Só que eu esqueci de um detalhe: a cadeirinha do lift não pára pra você descer no alto da montanha, então você tem que se levantar dela e sair esquiando. Mas como diabos eu ia sair esquiando dela se eu não sabia esquiar? O resultado, obviamente, foi meu primeiro tombo. Ainda tive mais três para terminar de descer a pista. Resolvi esperar a hora do treinamento na cafeteria mesmo. Mal sabia eu que, ao invés do lift, tinha também uma esteira rolante que eu poderia pegar para subir até metade da pista e que era muito mais fácil para principiantes...

Aí deu a hora do treinamento e, finalmente, aprendi alguns fundamentos do esqui, incluindo a famosa pergunta: onde diabos ficam os freios dessa coisa. Também graças ao treinamento eu peguei a dica mais importante do dia, sem a qual eu jamais teria aprendido a esquiar: lean forward, ou seja, incline-se para a frente. Mais no fim do dia, enquanto subia pelo lift, ficava vendo os outros iniciantes se esborrachando na neve: sempre de costas, exatamente por não observarem este sábio ensinamento, que lhe ajuda a distribuir seu peso corretamente, aumentando o equilíbrio e, consequentemente, o controle.

Já mais confiante (porque agora eu podia parar antes de bater dos outros), comecei a usar a esteira e descer, devagar, primeiramente tentando aprender a virar direito. Depois, passei a usar o lift e descer a pista toda, ainda com um pouco de dificuldade mas bem melhor do que no começo. "Ok, agora que já estou bom acho que posso tentar uma pista mais difícil", pensei.

Segui as plaquinhas até a pista chamada "Graduate", feita para quem, hã, já se "graduou" no treinamento de iniciante. Ela era 30% maior e mais inclinada que a anterior. Depois que desci do lift, lá em cima, fiquei completamente embasbacado com a vista: dava para ver todo o resort, com a baía Georgian ao fundo (com um farol na margem e tudo).

Esta foi a vista mais linda que já vi em toda a minha vida. E, obviamente, a anta aqui havia trancado a máquina fotográfica num guarda-volumes e deixado a chave com um outro colega... por isso não tenho foto. Mas essa abaixo, do site do Blue Mountain, tem um pouquinho da vista...

Mas era hora de vencer o pensamento de "eu vou morrer quando descer isso aqui" e começar a esquiar. Da primeira vez que tentei descer a pista toda, foram três tombos. Até perdi um dos esquis num deles. Aí minha meta passou a ser fazer a descida completa, sem cair. Precisei de umas seis tentativas...

Falando em tombos, foi nesta pista que tive o meu pior tombo do dia. Numa das descidas eu desisti de ficar fazendo curvas e fui direto: no final da pista, demorei a começar a freiar... e só parei na rede de proteção, bem do lado da fila do lift. Todo mundo ficou olhando quem diabos era aquele louco que não conseguiu parar...

Mas eu estava muito empolgado e, conforme me sentia mais seguro, tentava coisas novas. A última delas era um salto, usando um morrinho de neve que havia no final da pista, mas não consegui subir mais do que um palmo do chão.

Enquanto tentava, um colega me viu e saiu correndo para a cafeteria, onde estava o resto do pessoal (havia outra equipe de consultores, colegas nossos, esquiando naquele dia). Ele chegou gritando:

- Gente! O Zé é louco, tá tentando dar um salto lá na Graduate!

Foi por isso que quando cheguei na cafeteria levei um susto: todo mundo foi logo gritando e estava numa empolgação danada querendo saber se eu tinha conseguido, se eu já tinha esquiado antes, etc, etc. Aparentemente o marketing havia me tornado "o esquiador louco-revelação do dia" e todo mundo queria sair pra esquiar comigo.

Ah, olha aqui uma foto minha, já de noite, no alto da Graduate, com meu uniforme "esquiador Counter-Strike". Se um dia você for esquiar, siga meu conselho e leve uma balaclava como a minha: cobre o rosto todo, é uma maravilha contra o vento frio.

Mas a turma acabou voltando na Graduate para umas duas descidas e depois o pessoal começou a pedir que eu fosse com eles em outra pista, chamada "Happy Valley". Teoricamente, tamb&;eacute;m era uma pista de iniciantes e acabei concordando.

Subimos no lift e o lift foi subindo, subindo... e eu fui ficando preocupado. Lá do alto é que deu pra ver o tamanho da encrenca: a pista era umas quatro vezes mais longa que a Graduate, e cheia de curvas e inclinações traiçoeiras. E como era noite, os refletores projetavam a sombra dos pinheiros na neve branca e lembravam um cenário d'A Bruxa de Blair. "Pronto. Hoje eu morro aqui", pensei. Mas desci assim mesmo e contabilizei três novos tombos...

As pistas iam fechar às dez da noite e, apesar do cansaço, estava na fomeagem e voltei para a Graduate: depois de oito horas de "esquiagem" eu já estava bem habilidoso: descia em zigue-zague parecendo um esquiador de verdade e aproveitava a velocidade no fim do percurso pra ir parar apenas na fila do lift. Depois, saltava do lift lá em cima, fazia uma curva e ia direto para a descida...

Eu definitivamente quero fazer isso de novo.

Turismo no trabalho

2005-01-15 05:09:00 +0000

Hoje foi um dia de turismo no trabalho: visitamos dois grandes pátios de ferro-velho. Vimos pilhas enormes de sucata e ouvimos as histórias dos funcionários.

Uma delas é curiosa: o supervisor de um dos pátios vivia preocupado com o sumiço dos capacetes de segurança. Às vezes ele comprava uma dúzia de capacetes e no fim do mês todos haviam sumido. Desconfiado de que os funcionários andavam fazendo coleção de capacete em casa, ele teve uma idéia: encomendar capacetes na cor rosa choque.

Nenhum deles sumiu desde então...

Devido a tanta atividade ao ar livre acabei batendo meu personal frio record: sensação térmica de -15 graus celsius (por causa do vento) no alto de um maquinário de uns 12 metros de altura. Minhas orelhas começaram a doer de frio e eu não sentia meus lábios direito.

Mais tarde fomos almoçar com um funcionário brasileiro, chamado Guile, que nos deu carona até o restaurante. O Guile foi falando com o Ryu:

- O som desse carro é muito bom, cara. Tem até um CD aqui que eu gosto de usar pra testar o som, saca só.
- Que disco é esse? - perguntei, enquanto ele apertava o play
- Dire Straits...

E aí começou a tocar "Money for Nothing" no último volume. Guile e Ryu, no banco da frente, iam sorridentes, balançando a cabeça. Além desse acabei ouvindo mais dois CDs brasileiros durante o trajeto: o da banda Cálix e o novo disco do Skank.

Quando estávamos voltando, o disco do Skank começou a tocar uma das prediletas de Bethania; "Amores imperfeitos". Aí a saudade bateu forte, conforme o Samuel Rosa ia cantando:

Sei que amores imperfeitos
São as flores da estação...

Salad King

2005-01-14 04:51:00 +0000

Hoje foi um dia quente em Pickering, tivemos quinze graus positivos. E de manhã as nuvens deixaram ver meu primeiro nascer do sol do hemisfério norte...

Taí, direto da janela da sala aqui de casa.

O dia foi normal, ou seja, trabalho em ritmo alucinante. O almoço foi no Burger King onde eu e o Ryu comemos... salada.

No jantar, acabei comendo... salada de novo. Nem parece que tou na terra das batatas fritas.

E ficou definido o meu programa para sábado: esquiar. Aguardem as fotos...

Too many info

2005-01-13 06:19:00 +0000

Novamente, muitos acontecimentos e pouco tempo pra blogar...

Terça

Na casa onde moro somos três pessoas: eu, Ryu e Ken (nomes fictícios, é claro). Existem duas chaves da porta de entrada. Na manhã de terça, o Ken avisou que ia para um jantar de negócios e pegou uma das chaves. Peguei a outra chave e entrei no carro pra irmos trabalhar.

Quando chegamos no trabalho a chave não estava mais comigo e eu não a encontrei em nenhum dos meus bolsos: ela sumiu. Quando disse isso ao Ryu ele falou

- Ah, deixa isso pra lá, a outra chave tá junto com a chave do carro, então não vai ter problema.

Acontece que era junto com a chave do carro do Ken, que a essa altura já tinha ido para o jantar...

Quando percebemos a desgraça, saí pra procurar a outra chave que tinha sido perdida dentro do carro. Acabei batendo meu personal frio record: Quinze minutos ao ar livre num frio de -8 graus, escarafunchando cada canto do carro. Às vezes eu tirava a luva pra enfiar a mão debaixo do banco, mas não conseguia ficar assim mais do que um minuto porque a mão começava a doer.

Aí não teve jeito, a gente teve que ficar fazendo hora no serviço até dar tempo do Ken chegar em casa com a chave.

No fim do dia a fome estava brava, então fui até a vending machine que fica na área do café. Me ferrei, porque só tinham chocolates e batata frita na máquina. Me ferrei ainda mais porque encontrei uma fonte pecaminosa de calorias: uma barra de chocolate chamada Oh Henry. Eu já tinha comido Oh Henrys no Brasil, mas com um nome diferente: Rally. E o pior: aqui existe Oh Henry de chocolate branco, meu favorito.

Terei sérios problemas para resistir a isso.

Já no fim do dia, sem mais o que fazer no trabalho, fomos a uma academia (enorme) de ginástica na qual o Ryu queria se inscrever e, depois, ao supermercado. Só depois dessa maratona é que conseguimos entrar em casa.

Quarta

Eu nunca tinha entendido porque diabos os canadenses são tão vidrados em previsão do tempo. Até que hoje me peguei, de manhã cedo, ligando a TV pra ver como estava o clima. E já é a terceira vez seguida que faço isso.

Lá estava escrito: 2 graus positivos e, ao lado, a frase "Freezing Rain". Isso significa que estava chovendo e que a chuva congelava em alguns pontos do chão, tornando-o super escorregadio: isso é o chamado "black ice".

Graças a isso chegamos no trabalho muito atrasados. Houve um acidente na auto-estrada e levamos uma hora pra achar um outro caminho. No trabalho ouvi relatos impressionantes de gente dizendo que viu carros patinando em giros completos de 360 graus...

Na hora do almoço fomos ao banco: eu precisava abrir uma conta para receber reembolso dos meus gastos por aqui. A moça sentou-se no computador e foi digitando meus dados. Com uma risadinha, ela exclamou:

- Tem uma pessoa com nome exatamente igual ao seu que já é cliente aqui do banco. Olha aqui. Inclusive ele mora em Kitchener, Ontario.

A tarde de trabalho transcorreu normal. Até ouvi uma frase infladora de ego de uma funcionária da contabilidade: "Oh, você é brasileiro? Seu inglês é muito bom"...

Quando o dia acabou eu saí pra fazer compras num shopping: precisava me preparar para o frio bravo previsto pro final de semana. Logo que entrei fui olhando as lojas e pensando:

- Hmm, preciso de agasalhos, boas luvas e... ei, aquilo ali é uma loja de discos?

Era uma tal Music World. Entrei só pra dar uma olhada quando vi uma prateleira enorme escrito: "Alternative". E aqui cabe uma explicação:

Aqui no Canadá eu já andei sobre um lago congelado, já dirigi um Ford Explorer a 120 por hora, já tive reuniões cabulosas de trabalho em inglês, já fiquei trancado fora de casa com frio de -8 graus, já comi comidas desumanamente picantes e em NENHUM desses momentos eu me alterei, senti raiva, medo ou ansiedade.

Quando eu me coloquei de pé sobre a prateleira dos "Alternatives" e, num passar de olho, vi bandas como Blonde Redhead, The Coral, Modest Mouse, Wilco, The Polyphonic Spree, Peaches e muitas outras, ao alcance da mão... meu coração disparou.

Pela primeira vez em toda a minha vida eu estava numa loja de CDs onde eu conseguia encontrar bandas que eu gosto.

Após um breve minuto de contemplação, não resisti e fui direto na letra "G". Meus olhos mal acreditavam no que eu via: Estava ali, na minha frente, o CD "Yanqui U.X.O.", do Godspeed You Black Emperor

Este aqui:

Eu juro: Foi com mãos trêmulas de emoção que levei este CD até o caixa.

Fui procurar as roupas de inverno e só achei coisas caríssimas. Andei no shopping até as 9 da noite, que foi quando as lojas começaram a fechar e não tive escolha a não ser ir pra casa. Obviamente, coloquei o CD pra tocar no carro.

Mais um momento "coração disparado". Não sei se já mencionei aqui mas os caras do Godspeed... são canadenses. A sensação de dirigir pela noite gelada do Canadá ao som de GYBE é absolutamente indescritível, parece que a música foi feita para a estrada.

Agora são 23:15. Meu quarto está uma zona, eu tenho louça pra lavar, minhas lentes de contato estão embaçando por causa do sono e eu preciso muito de um banho. Mas, depois de achar assim por acidente o CD do Godspeed, eu vou dormir muito, mas muito feliz.

E olha que ainda faltam 3 CDs...

Canadian Leg Stretching

2005-01-11 02:36:00 +0000

Ah, tantas novidades, tão pouco tempo pra escrever aqui... vamos a um resumo dos dois últimos dias:

Domingo

Eram oito da manhã, hora local, quando acordei. Ainda não estou totalmente adaptado ao fuso horário e não consegui pegar mais no sono. Aproveitei pra matar a saudade de Bethania e do pessoal da minha casa, graças ao Skype e ao MSN.

Como todos os meus colegas de trabalho estavam dormindo, resolvi fazer um passeiozinho ao ar livre e andei em direção à Frenchmen's Bay, que é o "braço" do Lago Ontario logo atrás da casa onde estou.

Esta parte do lago está totalmente congelada. E, mais ou menos 600 metros à frente, haviam carros no meio do lago. Abaixo, na foto, eu estou de pé sobre o gelo da beirada.

Havia um rastro que iniciava onde eu estava e ia até bem longe no meio do gelo. Aí tomei coragem e resolvi dar uma de Jesus Cristo: "caminhar sobre as águas". Andei alguns minutos e cheguei ao meio da baía.

Os carros eram de canadenses que estavam pescando. Eles traziam uns "saca-rolhas" gigantes, usavam-os para furar o gelo (que tinha uns 40cm de espessura) e deixavam varas apoiadas em suportes. As varas tem sininhos nas pontas, de modo que quando um peixe morde, o sininho toca e os pescadores saem correndo pra tentar pegar o peixe.

Conversei um pouco com um dos pescadores, um velho banguela, com brinquinho na orelha e que arrotava sem parar. Depois voltei pra casa e fomos almoçar em Toronto.

Além do lugar onde almoçamos (chamado Red Lobster), passeamos um pouco pela cidade. Visitei a famosa loja de ofertas chamada Honest Ed's. A loja tem a fachada de um cassino e por dentro, zilhões de cartazes de musicais e filmes antigos. E mais zilhões de cartazes de preços, pintados à mão, e outros com dizeres sobre o quanto o Ed era um idiota de vender tão barato.

Por sinal, o Canadá é o país dos trocadilhos. Do lado da minha casa tem um cartaz de uma imobiliária que diz que "X-Sell". Em Toronto vi uma loja de botas chamada "Body and Sole" e, no Ed's, vi um cartaz que dizia:

Ed's got prices just like the birds - Cheap, cheap, cheap!

Quando saímos do Ed's acabei vendo, do lado do prédio, uma portinhola escondida sob um tanto de cartazes esquisitos: era uma locadora de vídeos underground. Mas MUITO underground mesmo, com todo tipo de bizarrice que você imaginar. Tanto que lá dentro a prateleira dos vídeos pornôs fica no meio dos filmes normais e tem categorias inacreditáveis, como "Sexploitation & other weirdnesses". E na porta tem um cartaz procurando atrizes jovens para estrelar em um filme que envolvia "retro roleplaying and some nudity". Medo.

Outras coisas curiosas que vi em Toronto:

Sem-teto pedindo esmola na rua
Sinal de pedestre com aviso sonoro de que está aberto
Pichações
Cartazes, daqueles baratos de papel mesmo, anunciando o lançamento do GTA San Andreas, espalhados pelos tapumes de madeira de uma construção.
(Update: Acabo de ver um comercial na TV também!)

Depois voltamos para o centro. Um colega resolveu patinar em frente ao modernoso City Hall (abaixo) e o resto da equipe foi ao Eaton Mall, que já estava fechando.

Acabei descobrindo que no Canadá, quando uma loja está fechando, ninguém vai atendê-lo, porque os atendentes não recebem hora extra. E eles são bem disciplinados quanto a isso.

À noite o fuso horário somado com a noite mal dormida acabou me fazendo ir pra cama mais cedo. Afinal, o dia seguinte ia ser um dia de trabalho: meu primeiro dia de trabalho aqui no país da folhinha vermelha.

Segunda

Eu e um dos meus housemates acabamos madrugando pra buscar outro colega no aeroporto, e depois fomos trabalhar. Acho que bati meu Personal Frio Record no estacionamento do trabalho, porque estava ventando e a sensação térmica me fez sentir algo que até então, curiosamente, eu não tinha sentido: frio.

O escritório onde estamos é um típico escritório do hemisfério norte: baias por toda parte. Até o corredorzinho da máquina de xerox e da máquina de café é exatamente igual à aqueles dos filmes. Mas o pessoal se veste bastante informalmente por lá.

Agora, o mais inacreditável foi quando entrei na sala de um gerente, pra ser apresentado, e na parede do seu escritório havia nada mais nada menos que uma reprodução, em tamanho natural, daquela pintura do Kramer que é feita num dos episódios de Seinfeld (que pode ser comprado aqui)

Eu estou embasbacado até agora.

O dia de trabalho foi bom e corrido: na hora do almoço comemos fast-food num lugar chamado Wendy's e só voltamos cedo do trabalho porque meu colega mal dormiu no vôo da noite anterior e está ali agora, capotado no sofá, enquanto escrevo essas palavras. Por sinal, não preciso procurar por nenhum colega canadense de trabalho depois das 4:30 da tarde: todos vão embora nesse horário.

Um detalhe: quem dirigiu no trajeto de volta do trabalho fui eu. Foi a primeira vez que peguei na direção aqui. O trânsito canadense é muito peculiar por uma série de coisas:

Toda conversão à direita é livre. Se você estiver num sinal vermelho e quiser virar à direita, não precisa esperar o sinal abrir.
TODO MUNDO, eu disse, TODO MUNDO dá seta quando vai virar ou mudar de faixa. Estou fascinado!!!
As highways são excelentes transportes entre as cidades. Estou trabalhando numa cidade chamada Whitby e morando em outra chamada Pickering, ambas ao leste de Toronto. Tem uns 25km entre Whitby e Pickering, mas a viagem de volta depois do trabalho leva apenas 15 minutos numa velocidade média de 120km/h. E é perfeitamente seguro dirigir nesta velocidade na auto-estrada.
A gasolina aqui é caríssima. Encher o tanque do carro custou uns 70 dólares canadenses.

Por sinal, nosso carro é alugado: um Ford Explorer supermodernoso. Ele tem câmbio automático: foi difícil conter o impulso de pisar na embreagem a cada sinal vermelho...

O primeiro dia do Primo no Canadá

2005-01-09 04:13:00 +0000

(Nota: horários na hora canadense, ou seja, Brasília menos 3 horas)

06:01 - O avião começou a descer. Atravessou a cadeia de nuvens e permitiu que eu tivesse a primeira visão, ainda noturna, da cidade.

Toronto, à noite, de cima, é uma visão espetacular. O detalhe que mais chama a atenção é que é tudo absolutamente plano. Só se vê o contorno das ruas e dos quarteirões, desenhado pela iluminação dos postes. Conforme o avião descia, dava pra ver a neve amontoada ao lado das estradas, os caminhões passando, as luzes de freio dos carros, os nomes dos luminosos das lojas...

06:44 - O avião pousou e estabeleci a marca inicial do meu "Personal Frio Record": menos 2 graus celsius, na pista de pouso. A sensação é mais ou menos como entrar dentro da sua geladeira. Aposto que esse recorde aí não dura nem uma semana...

07:25 - Passei pela imigração e demais burocracias e, finalmente, estava a caminho da casa que vou dividir com outros colegas consultores. Como já havia amanhecido, deu pra ver melhor como é a cidade e papear com meus novos colegas de trabalho.

07:50 - A cena, enquanto descarregávamos os carros na frente da casa, era de um filme. A vizinhança compunha o cenário, enquanto uma leve camada de neve caía lentamente.

A casinha onde vamos ficar é muito boa, com vista para o Lago Ontario (congeladíssimo) e tudo. Volta e meia passam esquilos pelo peitoril da janela, e no céu vêem-se grupos e mais grupos de gansos passando, voando em "V". A calefação permite ficarmos de camiseta dentro de casa sem o menor problema.

Eu comecei a descarregar minhas malas mas acabei me mudando pra casa ao lado (tem duas casas por conta dos consultores), então não deu tempo de arrumar tudo.

11:40 - Parada no banco canadense pro pessoal tirar dinheiro e pra que eu pudesse trocar meus dólares americanos por canadenses. Eu estranhei muito o banco onde fui: na entrada não tinha porta giratória com detector de metal, eu fiquei apenas 5 segundos na fila e, no fim, o caixa foi extremamente educado comigo.

12:20 - Chegamos no local do almoço: um tal de Pacific Mall, que é um shopping localizado ao lado de uma vizinhança toda chinesa. Portanto, o shopping só tem lojas de chineses, e 99% do público era asiático. Eu nem me sentia no Canadá, parecia que eu fui parar em Pequim.

Mas antes de vermos as lojas, fomos pra praça de alimentação, já que os estômagos estavam todos vazios. Sentamos num restaurante de comida tailandesa/japonesa/Sri-Lankesa e, tentando me orientar pelo menu em chinês/inglês, pedi um prato chamado "chicken fried noodle", que é macarrão chinês frito com frango.

Só não me disseram que era com pimenta. Muita, MUUUUUITA pimenta.

Pelas "casquinhas" que contei no prato deveriam haver aproximadamente umas seis pimentas vermelhas enormes, de uns 8cm cada, misturadas na minha comida. Eu nunca havia comido nada tão picante. Resisti bravamente e comi 70% do prato, rebatendo a queimação bucal com um suco de banana que também pedi.

13:15 - Hora de compras. O Pacific Mall tem de tudo: roupas, eletrônicos, ervas medicinais, mangás, CDs... Eu vi até escapamento de carro e DVD que toca DivX à venda. Acabei ficando com dois itens essenciais para a sobrevivência aqui:

- Um adaptador Wireless PCMCIA (porque a internet da casa é sem fio)
- Uma webcam vagabunda.

17:18 - Por incrível que pareça já é noite em Toronto. Aproveitamos o final do dia pra comprar comida num supermercado próximo.

A coisa aqui é engraçada: os eletrônicos tem preços inacreditavelmente baixos, mas as coisas "do lar" são bem caras. Um exemplo: um identificador de chamadas telefônicas (o velho e bom BINA) e um vidro de xampu tem o mesmo preço: sete dólares canadenses.

21:01 - Meus housemates saíram pra uma festa de aniversário e estou sozinho em casa, escrevendo este post. A televisão está ligada num canal parecido com o Bloomberg, mas que tem 2 horas que só fala no Tsunami da ásia. Vou terminar de desfazer minhas malas, tomar um bom banho e cair na cama.

Acho que amanhã vai ser dia de turismo em Toronto...

Godspeed you, Brazil!

2005-01-07 18:38:00 +0000

Então é isso. As malas já estão prontas.

A Bê está aqui do lado enquanto escrevo estas últimas palavras em solo brasileiro. Teve um almoço-surpresa de despedida que ela e a família armaram pra mim. Agora é só esperar mais cinco horas, entrar no avião e ir parar no hemisfério norte, aonde é frio como num freezer e a água da privada desce girando no sentido contrário.

Já no espírito canadense, atualizei o logotipo deste blog. Vai ficar assim para os próximos cinco meses.

O próximo post já deverá ser escrito de lá da gringolândia. Amanhã, se possível, deixo alguma notícia aqui.

Aos leitores que conheço e que não conheço, até logo e me desejem sorte.

Tá tudo branco

2005-01-06 16:24:00 +0000

Hoje resolvi dar uma olhada em como estará o clima canadense quando meu avião baixar no aeroporto.

Toronto está com -7ºC. No sábado deve oscilar entre 1ºC e -4ºC.

E graças a este link, tive uma imagem ao vivo de como está a coisa por lá...

A Minha Cidade

2005-01-06 05:09:00 +0000

Ontem à noite eu estive na casa de Bethania, assistindo Cold Mountain com ela. O filme é loooooongo e nem é lá muito bom.

Quando terminamos de ver, já passava de meia-noite. E aí eu atualizei mentalmente o "Canada Countdown" - falta 1 dia para a viagem. A ficha começou a cair... aquele era o começo dos meus últimos momentos de Brasil.

No caminho de volta pra casa acabei mudando meu itinerário de sempre; saí da Via Expressa, rápida mas sem-graça, e passei lentamente pelo centro da cidade. Aproveitei pra rever a Praça da Estação e a Praça Sete, cartões postais daqui de Belo Horizonte que foram revitalizados pelo prefeito reeleito. Abri o vidro e fiquei vendo as pessoas nos pontos de ônibus, nos botecos... putz, abrir o vidro, no Canadá eu nem vou conseguir dirigir com o vidro aberto por causa do frio.

Ainda passei algum tempo na varanda daqui de casa, curtindo o friozinho da noite e vendo a vista.

É... realmente vou sentir falta da minha cidade.

Canada Countdown

2005-01-05 04:37:00 +0000

Faltam apenas dois dias para a viagem.

Hoje comecei a fazer a lista das coisas que precisam estar na minha mala, pra não esquecer de nada. Bethania estava me ajudando, e Gabriel, meu irmãozinho de 3 anos de idade, estava perto.

De brincadeira, perguntamos a ele:

- E aí, Gabriel, tem alguma coisa que estamos esquecendo de colocar na lista?
- Micofone - disse ele.

E ele tinha razão. Afinal, vou precisar de um microfone pra ligar no micro e poder conversar via Skype.

Mais tarde fomos ao Stadt Jever. É uma tradição, entre nossos amigos, frequentar o Stadt Jever todas as terças-feiras, evento que ficou batizado como "Terça Standard". Acabou servindo também como despedida minha. E foi bom porque acabei ganhando um excelente presente pra usar no Canadá, uma coisa que, vergonhosamente, não tinha entrado na minha lista de coisas para a mala...

Canada Countdown

2005-01-03 15:24:00 +0000

Minha viagem ao Canadá já tem data definida: vou na sexta, dia 07.

Agora vocês já sabem a partir de quando este blog começará a ficar mais interessante...

Apenas 18 horas de férias

2004-12-01 16:40:00 +0000

Saca só a sequência dos fatos.

Ontem, no final do dia, saí me despedindo dos meus colegas de trabalho. Cortaram 15% do orçamento do nosso projeto e, nos cortes, reduziram a equipe. A negociação de como seria o corte estava incerta, mas o que eu sabia com certeza é que eu não viria trabalhar no dia seguinte.

Estava de férias forçadas.

Aí acordei hoje e fiquei pensando o que eu podia fazer pra espantar o tédio da tarde. Talvez um cineminha, pensava eu, quando o telefone tocou.

Era o pessoal responsável pela alocação dos consultores nos projetos, me perguntando se eu tinha interesse em participar de um projeto em Whitby, Canadá...