Desci do ônibus - vermelho, não me lembro a linha - num canto bem velho do centro de Belo Horizonte, e andei até o andar inferior de uma galeria praticamente escondida do movimento da rua, até ver um velho balcão de madeira e várias pessoas esperando do lado de fora. Era ali o lugar da “melhor feijoada da cidade”, segundo a dica dos meus amigos. A dica parecia boa: pela velhice da mobília o lugar claramente existia há décadas, e a fila era razoavelmente grande para o padrão “biroscas de Beagá”. A senhora que me atendeu por uma janelinha na parede também parecia parada no tempo. Ela me deu uma comanda e falou pra eu me sentar.

E então eu acordei.

Eram quatro da manhã. Eu estava no meu quarto, oito mil quilômetros pro norte de Minas Gerais. Meu queixo doía de ranger os dentes - coisa que eu normalmente não fazia, mas que começou a acontecer por conta da vortioxetina. Fiquei pensando se esses sonhos vívidos também são por causa do remédio. Talvez o meu subconsciente esteja um pouco mais próximo da superfície? E que curioso ver que ele está inventando restaurante secreto de feijoada na minha cidade natal.

Olhei pro teto e continuei a pensar. Desde que me mudei pro Canadá, meu foco era exclusivamente o futuro, em refazer a vida por aqui, absorver a cultura daqui, e talvez eu tenha errado um pouco a mão e me desconectado demais do meu passado - que por isso vem pipocando de madrugada sem aviso.

Foi daí que veio a ideia. Chegou a hora de voltar com o blog.


À pretexto de organizar as ideias, comecei uma lista das coisas marcantes que aconteceram nos últimos quatro anos. Levei semanas pra listar tudo. Nem eu fazia ideia de quanta coisa rolou em tão pouco tempo.

2020

Janeiro

Finalmente saiu a cidadania. No dia 23 eu e Bethania nos tornamos, oficialmente, canadenses. Além disso, decidi me tornar vegetariano.

Eu e Bethania com o juiz que concede a cidadania

Fevereiro

Nasceu o Tom. De cesárea, às 3:14 da tarde.

Tom, ainda com algumas horas de vida

O nascimento foi sem problemas, mas o leite demorou a vir e ele perdeu muito peso no primeiro dia. No segundo ele já tava tomando fórmula e ficou tudo bem - mas, pela primeira vez na vida, eu chorei de alívio.

Março

A OMS declara, oficialmente, o coronavírus como pandemia. Ninguém sabe quando sai vacina, como é a transmissão, nada. Pra piorar, o povo ainda inventa de fazer panic buying e começa a esvaziar prateleira de supermercado achando que é o apocalipse. E a gente com um recém-nascido em casa e um monte de incertezas.

Prateleiras vazias de supermercado

Maio

Aniversário de Bethania. A comemoração é online, obviamente. E o presente…

Cartão de aniversário que diz: "Eu queria te dar um cruzeiro de aniversário, mas estava fora do meu orçamento então fui de segunda opção. A parte do orçamento está riscada e eu escrevi em cima: "estávamos no meio da porra da pandemia"

O bom (?) de ter um recém nascido numa pandemia é que não sobra muito tempo pra ter medo.

Agosto

Com seis meses de vida, o brinquedo preferido do Tom são… livros. Eu passo horas lendo pra ele.

Vários livros infantis espalhados pelo chão"

Setembro

Pavlov começa a se comportar bem esquisito. O veterinário diz que é demência canina. Toda noite ele anda sem rumo pela casa, para num canto, fica desorientado e começa a chorar.

Comecei a dormir no sofá da sala de tevê, com Pavlov ao lado, num cercadinho que reaproveitamos do Tom, pra acudí-lo durante a noite e limpar eventuais cocôs e xixis.

Dezembro

Primeiro Natal e primeiro ano novo do Tom. Tudo ainda no Zoom, sob lockdown.

Completei um ano sem comer carne. Médico pede um exame de sangue. Meu colesterol está nas alturas.


2021

Janeiro

14 anos e dois continentes depois, meu grande companheiro canino se foi. Adeus, Pavlov.

Pavlov, o cachorro, coberto de neve"

Morreu sem dor, nas mãos do veterinário e com Bethania. Abriram uma exceção do isolamento da pandemia para ela poder acompanhar. A gata ficou uma semana na porta de casa, esperando seu amigo voltar.

Fevereiro

Primeiro aniversário do Tom - um ano! A família inteira acompanha a festinha… pela webcam.

Uns dias depois, ligo pro meu pai (72 anos, grupo de risco pra COVID) aos berros porque o imbecil do cunhado bolsonarista dele foi lá, no meio da pandemia, ainda sem vacina, pra visitá-lo e ver um jogo do Galo.

Neste mês também acabou a licença maternidade de Bethania. Sem vacina e sem opções melhores, temos que mandar o Tom para a creche. Por conta do isolamento, é a primeira vez que ele fica em outro lugar e com outras pessoas. E não podemos nem entrar no lugar pra ver como é.

Março

O movimento anti-máscara começa a ficar bem evidente. Vou no shopping e tem uma menina passeando sem máscara e gritando “o vírus não existe!”. Vou no supermercado e tem uma senhora, sem máscara, e com o nariz escorrendo. Nas notícias do Brasil eu tenho um amigo que quase morreu de COVID, outro com o sogro em uma UTI improvisada (a UTI normal estava lotada), outro com o tio no hospital com 30% de capacidade pulmonar.

Abril

  • Primeiro alívio: meu pai recebe a primeira dose da vacina pra COVID.
  • O sogro do meu amigo morre na UTI improvisada.
  • Tom, que ainda não sabia engatinhar, resolve começar a andar de uma vez.
  • Meu bairro sobe na fila da prioridade da vacina da COVID porque é uma das regiões com maior taxa de infecção de Ontário. No dia 21 eu, finalmente, recebo minha primeira dose da vacina (Moderna). Mas nem celebro porque, no Brasil, o cunhado do amigo que perdeu o sogro morre também.
  • No dia 22 tivemos que tirar o Tom da creche às pressas porque descobriram que um dos pais estava mentindo pros funcionários e mandando o filho pra creche enquanto tinha gente em casa com sintomas.

Maio

Tom segue firme na fixação com livros, então dei pra ele umas cartinhas com palavras. Ele pega a cartinha escrito “hello” e acena… mesmo que eu não leia o que está na carta.

Junho

Tomei minha segunda dose da vacina (Moderna, novamente). É também o segundo ano seguido que uma mamãe-canário faz ninho na janela do banheiro.

Canário sentado no ninho"

Julho

O trabalho, antes estressante, agora está extremamente estressante. Passo semanas acordando de madrugada com o cérebro fritando. Então comecei a me sentir fisicamente mal, a ponto de tirar dois dias de licença por conta de estresse.

Comecei a me consultar com uma psicóloga.

Setembro

No trabalho tava rolando um town hall do departamento. Eu fiquei em casa, então tava acompanhando pelo celular. Aí fui ao banheiro. De repente, anunciam meu nome…

Foi assim que recebi meu primeiro prêmio de performance sentado na privada.

Além disso, votei pela primeira vez como cidadão canadense. Essa não deu pra fazer de dentro do banheiro.

As sessões com a psicóloga continuam. Achei que ela ia me ajudar com o estresse, mas ela desconfiou que o buraco era um pouco mais embaixo. Resultado: comecei a tomar vortioxetina - um antidepressivo.

Outubro

Troquei de time no trabalho. Assumi uma posição de líder de squad, num dos times mais reconhecidos no banco.

Tom continua obcecado com livros. Teve um final de semana que ele só quis brincar com livros.

Tom no chão cercado de livros infantis

Além disso, foi nesse mês que ele respondeu, pela primeira vez, o “eu te amo” que eu sempre falo pra ele na hora de dormir.

Novembro

Levei o Tom à biblioteca pela primeira vez. Foi glorioso. Precisei arrancá-lo das prateleiras na hora de ir embora.

Dezembro

Tomei meu booster de COVID. Agora estamos triplamente vacinados… exceto pelo Tom, já que ainda não tem vacina pediátrica. A gente que sabe de ciência sabe que a priorização está correta - o coração ainda não entende.


2022

Janeiro

Começaram a pipocar casos de COVID na creche do Tom. Infelizmente, o governo da província é do partido conservador, e eles mudaram as regras pra declarar um outbreak e fechar a creche, então tudo continua funcionando como se nada estivesse acontecendo.

Foi também neste mês que os imbecis do Freedom Convoy (Carreata da Liberdade) fecharam Ottawa por mais de uma semana.

Fevereiro

A creche mandou uma mensagem avisando que duas crianças da sala do Tom testaram positivo pra COVID. No dia seguinte ele acordou do cochilo com febre. Não deu outra…

Exame positivo de COVID

Demos muita sorte. Ele teve febre, uma noite ruim se revirando na cama, e no dia seguinte estava… ótimo. Criança é igual Wolverine mesmo. Eu, vacinado, não tive sintomas. Bethania, mesmo vacinada, ficou bem doente. Me lembrei do amigo brasileiro que quase morreu na UTI no ano passado; não fosse a vacina, a Bê teria ido pelo mesmo caminho.

No total foram nove casos na sala do Tom, mais 3 na sala vizinha, e 2 na sala dos garotos mais velhos. Felizmente, nenhum grave.

Março

Tom arrumou um espaço na sua obsessão com livros pra outra obsessão: podcasts… de gente lendo livros.

Abril

Começou a palhaçada de voltar presencialmente ao escritório. Por enquanto, duas vezes por semana.

Maio

Meu pai vem nos visitar no Canadá. Levou 2 anos e 2 meses pro Tom, finalmente, conhecer o vovô pessoalmente.

Com ele veio também meu irmão, pra morar aqui enquanto completa a faculdade. Foi pro Centennial College, assim como eu, mas ainda 100% remoto por conta do COVID.

Junho

Com a pandemia razoavelmente sob controle, consideramos os riscos e finalmente matamos a vontade represada de viajar e fomos pra um resort em Punta Cana. O menino se esbaldou na piscina, e eu nas caipirinhas all-inclusive.

Praia em Punta Cana

Julho

Recebi notícias de uma velha amiga do Brasil. Ela reservou um quarto de hotel e tomou três caixas de comprimidos de Clonazepan.

Deixou um filho de dois anos.

Volta e meia eu vejo fotos antigas da turma e lá está ela nas fotos. A memória daqueles dias agora é um pouco irreal. Ela estava lá, ela não está mais aqui.

É preciso falar muito mais do que falamos sobre saúde mental.

Agosto

Nunca imaginei que isso ia acontecer comigo. Sempre me pareceu algo contra meus princípios, mas uns amigos me chamaram pra experimentar e eu acabei concordando. Eu não achei que fosse gostar mas, acabou sendo… bom, muito bom.

Eu fui acampar… e gostei.

Setembro

Reparei que ando visitando a loja de bebidas um pouco mais do que o usual.

Outubro

No trabalho rolou reestruturação - meu chefe saiu, botaram outro diretor sênior, ele queria que eu assumisse o time todo como diretor técnico. O novo diretorzão me passava zero confiança, e a posição nova seria uma bucha 90% gerencial e 10% técnica. Cuidadosamente, disse que não. E então, por algum motivo, fui parar em outra posição: back-end practice lead. Meio que um especialista técnico, que não faz parte de time nenhum, mas que suporta todos os times.

No fim do mês, finalmente acabou o pesadelo político brasileiro. Eu e vários amigos votamos em Toronto. A fila do consulado estava ENORME.

Novembro

O bilionário idiota comprou o Twitter - então fui forçado a me mudar pro Mastodon.

Levamos o Tom ao seu primeiro jogo de hóquei - Marlies vs Cleveland. Foi a primeira vez que cantei o hino nacional canadense com meu filho nos braços.


2023

Janeiro

Primeira visita ao Brasil com o Tom. Fizemos uma viagem de férias pra praia (Santo André, litoral da Bahia), e as famílias foram nos encontrar por lá.

Foi uma experiência e tanto - não só pela aventura de voar por 10 horas com uma criança:

  • Como diabos você explica pros parentes e pro povo do hotel por que você conversa com seu filho em inglês?
  • Como lidar com seu filho estreitando laços com a família… sabendo que em alguns dias você vai levá-lo embora e passar anos sem ver aquelas pessoas novamente?
  • Como processar a diferença entre expectativa e realidade de como as pessoas vão lidar com seu filho?
  • Como voltar, dirigir seu carro, dormir confortavelmente na sua casa climatizada de três andares, depois de andar pelas ruas esburacadas do vilarejo que te hospedou e ver as casas de tijolo à vista das pessoas que te atenderam?

A rua principal do vilarejo de Santo André, na Bahia

É assustador o tamanho do privilégio do Tom, obtido simplesmente por ele ter nascido no Canadá.

Outra experiência é a de aumentar ainda mais a confusão mental de imigrante ao se tornar visitante do lugar que antes era seu lar. Tanto que, enquanto escrevia esse post, eu me esqueci completamente da minha visita anterior, no natal de 2018. Nas palavras do psicanalista Ronnie Von: “significa”.

Fevereiro

Tom fez 3 anos - finalmente, com uma festa de verdade.

Bethania continua revelando superpoderes novos desde que virou mãe. As decorações da festa foram importadas do Brasil, e ela ainda descobriu que uma das artistas do YouTube que o Tom adora - Catie, do Super Simple Songs - é daqui de Toronto… e que ela faz festinhas de criança.

Eu dava tudo pra ver o que se passou na cabeça do Tom ao ver a internet se materializando na frente dele na festinha.

Abril

No dia 9, aniversário da famosa batalha de Vimy Ridge, decidi parar de beber.

A justificativa oficial são as novas recomendações do governo Canadense sobre consumo de álcool, que agora dizem que nenhuma quantidade é segura para consumo. Aí eu junto isso com a idade, a necessidade de estar saudável pro Tom, o histórico de câncer na família e o argumento é até bem sólido.

Na prática, o que aconteceu foi que o vinho de sexta havia se espalhado pro sábado, e tinha também as cervejas do final de quinta que iam até o final do domingo, e também tinha uma eventual garrafa de uísque que desaparecia em um mês, entre outras coisas.

Desde então, vão aí mais de 560 dias sem beber. Já o vegetarianismo… esse eu nem lembro quando se perdeu, infelizmente. Entre a picanha e a cachaça, venceu a picanha.

Julho

Meu banco resolve que vai comprar o braço canadense do HSBC e que, ao invés de fazer uma migração gradual dos clientes, vão fazer tudo em um final de semana, no ano seguinte. Nasce o “Projeto Topázio”. E lá vou eu tocar uma parte da migração.

Agosto

Numa tentativa de mudar meus hábitos - particularmente o de passar horas no celular - comecei a considerar alternativas pra ocupar meu tempo.

É um problema de solução fácil: livros, séries, podcasts, exercício físico, etc… então é óbvio que ignorei estas alternativas e decidi foi comprar um novo instrumento musical.

OP-1 Field

Este é o OP-1 Field. É uma mistura maluca de sintetizador, bateria eletrônica, sampler e um mundo de outras coisas. É um dos meus brinquedos favoritos.

Setembro

Numa tarde ensolarada de sexta eu resolvi dar uma volta de bicicleta. Caí e quebrei o cotovelo…

Selfie em frente ao espelho, com o braço engessado numa tipóia

Numa nota menos dolorida, foi nesse mês que eu confirmei que o Tom, de fato, está aprendendo a ler sozinho. Eu já desconfiava há algum tempo, até que um dia estávamos no Google Imagens e, entre uma pesquisa e outra, o Google mostrou o menu de pesquisas recentes. E ele disse:

_ Eu quero ver fotos da Taylor Swift!

Achei estranha a mudança de ideia repentina… até ver que uma das opções do menu era, de fato, o nome da Taylor Swift. Testei mais umas três vezes pra confirmar, e ele apontou corretamente o nome dela em todas elas.

Outubro

Meu brinquedo preferido passa a ser o brinquedo preferido do Tom. No início ele não gostava do OP-1, até eu mostrar que dava pra gravar a voz dele e tocá-la no teclado…

OP-1 Field

Hoje o Tom tem uma coleção particular de samples só dele. Ele chama de “the sounds I like”.

Novembro

A namorada do meu irmão veio visitá-lo. No meio do caminho ela se sente meio mal, e quando o voo faz uma escala ela aproveita pra fazer um teste de COVID, que dá positivo. Foi o caos, com quarentena no porão por uma semana e o escambau.

No trabalho, o “projeto topázio” segue a todo vapor… e eu basicamente tenho que voltar a fazer meu trabalho antigo de líder de time. O que é ótimo, já que eu posso ser produtivo num projeto de alta visibilidade.

2024

Janeiro

Meu irmão, já formado, voltou pro Brasil.

Fevereiro

Vovô veio visitar pro aniversário do Tom, que fez quatro anos.

Março

A primavera veio chegando e meu humor estava bem melhor do que nos últimos anos. Resolvi me dar alta dos antidepressivos.

Abril

Fim do “Projeto Topázio”. Pela primeira vez eu trabalhei noites e finais de semana desde que me mudei pro Canadá. Mas valeu a pena - nunca antes na história o nosso banco havia comprado outro, fechado a compra numa sexta-feira, e começado a operar com todos os clientes e contas migrados na terça-feira seguinte. Aprendi bastante e ganhei bons pontinhos com os chefes.

Obviamente, teve muito perrengue. Alguns exemplos:

  • Tinha um outro time fazendo outro pedaço da migração, e a gente tinha que ajudá-los porque “somos todos uma mesma empresa” e etc. Eles tinham um programador que não entendia como usar a tecnologia do time dele mesmo, e quando eu ia explicar que não tinha como fazer o que ele queria, ele… ficava puto comigo.
  • Além de liderar o trabalho técnico do meu time, eu tinha que reportar status das tarefas pro PMO do programa. O PMO coordenava as tarefas e prazos usando, obviamente, um Excel compartilhado na rede. Como o projeto envolvia o banco todo, o Excel era gigante, dezenas de milhares de linhas. E quem era o corno que tinha que atualizar o Excel pro nosso time? Esse que vos fala, naturalmente. Imagina o sarcasmo do universo ao me botar em reunião com os consultores de gestão do banco me cobrando que a linha 17.344 da planilha tava desatualizada…
  • Outra jogada genial dos consultores: as tarefas do Excel eram automaticamente transformadas em lembretes por email. Assim sendo, a gente botava no Excel a lista das tarefas e horários de início, e na hora de executar a tarefa, a gente recebia um email automático lembrando a gente da data que a gente mesmo forneceu.
  • Sabe de que jeito a gente testou se a migração deu certo? Usando a minha própria conta corrente pessoal. Botei o número dela num dos arquivos da migração e trocamos só o nome da conta, pra ver se ele seria importado corretamente. Até hoje, ao invés de “Conta corrente do Zé”, minha conta tá lá batizada de “Conro S Sac Halden” (longa história).
  • Fizemos um moooonte de migrações de teste antes do dia D - todas elas com dados anonimizados de clientes. Acontece que num dos arquivos de transferências bancárias o povo se esqueceu de anonimizar um campo de texto com a finalidade da transferência. Imagina a crise de riso, minha e do resto do time, enquanto tentávamos descobrir qual o problema numa transferência cuja finalidade era “dinheiro para o fundo da rinoplastia do cachorro”…

Maio

Fomos passar o aniversário da Bê na Disney. O menino se esbaldou, já eu tive que lidar com guardinha da TSA gritando comigo no aeroporto e guardinha da Disney olhando pra minha cara, ignorando meu “good morning”, e insistindo em falar comigo em espanhol. E, naturalmente, foi na Flórida que vi o Cybertruck pela primeira vez…

No último dia de viagem eu matei uma vontade de muitas décadas: quando eu era criança minha mãe me levava num pediatra que tinha uma reprodução de “O Carnaval do Arlequim”, quadro do pintor espanhol Joan Miró, na sala de espera. Esse quadro é uma das minhas lembranças de infância mais antigas. Outro dia eu fui ver o quadro na Wikipedia e descobri que ele fica exposto em um museu de arte em Buffalo, no norte do estado de Nova Iorque… e a 3 horinhas de carro aqui de casa.

O Carnaval do Arlequim, de Joan Miró

Junho

Confirmamos que o Tom está oficialmente lendo por conta própria.

Além disso, voltei a ver a psicóloga. Meu estado mental não estava dos melhores.

Agosto

O fim de uma era: Tom está oficialmente “formado” na creche.

As mães dos coleguinhas de sala dele organizaram um piquenique no último dia, no parquinho em frente à creche, e um dos pais trouxe uma câmera e uma plaquinha dizendo “último dia” pros meninos tirarem uma foto. Lá pelas nove da noite ele mandou as fotos no WhatsApp e lá estava o Tom, completamente moleque, boca suja de bolo, sem camisa e descalço. Chorei por mais esse fim, esse começo, e esse amor maluco de ser pai.

Setembro

Primeiro dia de escola. Levou 45 minutos pra ele conseguir parar de chorar, largar a minha perna e finalmente ir pra sala de aula - e só porque a diretora veio ajudar. Uma santa. Lidou com ele com a maior paciência do mundo. Srta. Gad, fica aqui imortalizada a minha eterna gratidão a você.

Felizmente, o drama durou só uma semana. Ele ainda reclama de ir pra aula, mas se anima todo quando a gente aposta corrida quando sai do carro pra ver quem chega primeiro, e volta animadíssimo com as professoras e a aula de música e de ter aprendido letras em caixa alta e caixa baixa. As professoras, coitadas, estão passando perrengue porque o menino é muito cheio de energia pro ritmo de sala de aula, então ele não para quieto, larga o almoço pela metade pra ir brincar… outro dia elas estavam de cabelo em pé porque ele, provavelmente entediado, abriu a porta da sala e estava indo embora pro pátio brincar.

Logo depois do problema da escola se resolver, me liga a minha irmã pra avisar que meu pai foi parar no hospital. Acordou muito cansado, aí botou o oxímetro pra ver se estava tudo bem e os batimentos cardíacos estavam muuuuito abaixo do normal. Ganhou de brinde um marcapasso. Felizmente, a cirurgia foi simples e correu sem problemas. “Agora sou híbrido”, disse ele, seguindo a tradição familiar de fazer piadinha pra lidar com as emoções difíceis. Tradição que eu também carrego, já que batizei o grupo de WhatsApp que usamos pra trocar notícias da internação com o peculiar nome de… “Haja Coração!”

No fim do mês, meu cérebro definitivamente já não fabricava mais o caldinho de serotonina que dá disposição pra tocar a vida. Na consulta da psicóloga, o gênio aqui finalmente resolveu comentar que havia parado com o remédio, e ela, educadamente, me colocou a par da minha estupidez…

_ Você lembra que seu antidepressivo leva seis meses pra parar de fazer efeito?

_ Pois é, eu não lembrava disso.

_ Quando você parou de tomar o remédio?

_ Uhhh… há seis meses…

Fica a dica, amiguinhos. Não parem de tomar antidepressivos por conta própria.

Outubro

Uma tempestade solar resolveu bater por aqui bem no dia do meu aniversário, e ganhei uma inesperada aurora boreal de presente.

Aurora boreal


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