Acabou que eu ainda não falei nada sobre a minha nova vida como calouro de faculdade.


'Hello! My name is...'

Toronto é a cidade mais multicultural do mundo, e a faculdade onde estudo é famosa por acomodar muitos estudantes internacionais. Resultado: na minha sala 70% dos colegas são indianos, uns 20% são asiáticos e nos 10% restantes tem gente de lugares bem incomuns como a Guiana ou Barbados. E dois brasileiros - contando eu.

Isso gera um problema sério quando você tenta decorar os nomes dos seus colegas e eles se chamam (exemplos reais):

  • Guashti
  • Krutika
  • Jaswinder
  • Amrita
  • Divyeshkumar
  • Ashish

No caso do 'Ashish' eu sempre levo um susto na hora da chamada porque acho que o professor está falando de drogas.

Pra simplificar um pouco, os professores costumam perguntar se a pessoa prefere usar um nickname em inglês. Aí a chinesa que se chama "Yi Won He" vira "Becky", por exemplo. E como é você que escolhe seu próprio nickname sempre tem aquela pessoa que se empolga. Tipo um indiano da minha turma de College Communications: o professor perguntou qual nickname ele queria usar e ele não pensou duas vezes.

- Pode me chamar de "Jewel".
- Err.. você quis dizer "Joel"? - pergunta o professor, confuso.
- Não não. "Jewel".
- Ah, "Jewel" tipo... pedras preciosas?
- Isso mesmo.
- Bem, não sei se você sabe, mas "Jewel" é um nome feminino... se você achar melhor pode escolher um outro.
- Não, eu quero "Jewel" mesmo. Eu gosto de coisas brilhantes e valiosas.

Essa história dos nomes, além das piadas, rende também um conhecimento extra sobre geopolítica. Por exemplo: tem um monte de indianos com o sobrenome "Patel" - que é tipo o "Silva" da Índia. Outro dia perguntei a dois deles se eles eram parentes (de zoeira) e eles ficaram meio incomodados. O motivo é que, segundo eles, nenhum "Patel" quer ficar na Índia. Aí eles tentam imigrar para os EUA e rola um boato forte que se o consulado americano ver o sobrenome Patel num passaporte o visto é automaticamente negado.


Desenvolvendo sistemas com malemolência

Curso de engenharia de software tem sempre aquele aula separada em "teoria" e "laboratório", onde no laboratório você escolhe um sistema pra passar o semestre todo desenhando. E é sempre um sistema suuuuper emocionante, tipo controle de estoque. Mas dessa vez o professor deixou a turma sugerir o que queria fazer - e criou um sistema tipo speed dating onde todo mundo faz rodízio com todo mundo em conversas de dois minutos pra tentar "vender o peixe" da sua ideia.

Era a chance de ouro de eu ter um semestre menos tedioso. Mas pra isso eu precisava parir, em tipo cinco minutos, uma ideia divertida, não muito complexa, e que pudesse empolgar universitários tímidos e expatriados em uma conversa de dois minutos.

A solução saiu do próprio problema: já que estávamos prestes a fazer um speed dating, resolvi propor um site de namoro exclusivo para a faculdade :)

Funcionou perfeitamente. Todo mundo caía na risada quando eu contava a minha ideia e, no fim, ela acabou entre as mais bem votadas.

Na semana seguinte tivemos a aula teórica da mesma matéria, com o outro professor (que, pra variar, é indiano), e ele pediu aos grupos pra apresentar os projetos escolhidos no laboratório. Quando terminei de contar do site ele sorriu com o canto da boca e perguntou:

"Você é da américa latina, não é?".


A redação de hambúrger

Eu não sei dizer por que os latinos (e demais povos com "sangue quente") são mais criativos que a média - mas uma coisa que está ficando mais clara são os motivos pro norte-americano ser tão tedioso e previsível.

Meu curso tem uma aula de College Communications, que nada mais é que um curso de inglês/redação para estudantes internacionais. Cheguei na aula interessado, já que nunca tirei boas notas na parte de writing dos testes de inglês que fiz e queria entender o motivo.

Logo no início o professor foi explicando as partes que compõem a tal da essay: introdução, desenvolvimento, conclusão... nada de novo. De repente - e para meu completo desespero - a estrutura do texto começou a ser completamente esquartejada em um monte de caixinhas cheias de regrinhas descrevendo minuciosamente como as frases devem ser e como os parágrafos devem começar e terminar.

Assim sendo, seu texto deve ser escrito no formato essay hamburger (sem brincadeira, várias escolas usam mesmo essa analogia com os alunos):

essayburger

Tem tanta regra que, semana passada o professor gastou três horas de aula explicando como deve ser o thesis statement: a frase que explica sobre o que o seu texto vai falar. Três horas de aula sobre uma frase.

Aqui, escrever uma redação ou ensaio é praticamente a mesma coisa que preencher um formulário. Não tem espaço pra inventar moda. Tem que seguir o padrão. Aí eu entendi o motivo dos meus textos terem notas ruins nos testes de inglês: eu servi um prato com arroz e feijão, cheio de tempero, achando que estava arrasando, e eles queriam o hambúrger.

Agora, me diz: como é que a criança norte-americana desenvolve alguma espontaneidade crescendo numa cultura onde até as atividades básicas de criação são cheia de regras?