Porque Toronto é uma cidade muito horizontal e espalhada, os subúrbios tem uns momentos meio "terra de ninguém": é comum você ir pegar o metrô e ter só umas duas pessoas na estação. E quando eu saio pra andar com o cachorro de manhã normalmente não tem NINGUÉM na rua.

Não me admira o canadense ser solitário. Hoje, por exemplo, eu já ia voltando do passeio canino matinal quando um senhor, que estava sentado sozinho num banco do parque, fez uma brincadeira com Pavlov e emendou uma conversa e começou a contar dos filhos e de quando imigrou da antiga União Soviética pro Canadá e de que é um absurdo a história da Criméia e que essa guerra é só pra capitalista lucrar e que não acredita em religião mas em um "poder maior" e falou sem parar por uns quinze minutos (num frio de cinco graus negativos, vale frisar). Mas sabe aquela conversa de quem não tem com quem falar o dia todo e, quando acha alguém, acaba virando um monólogo catártico? Pois é.


Essa coisa de andar com o cachorro deu outra história engraçada também: logo que cheguei, lá ia eu com Pavlov em mais um passeio pelas vizinhanças desertas quando, de repente, ouço aquela voz grave e densa, típica de um negão de dois metros de altura:

"HEY!"

Olho pro lado e, de fato, era um negão de dois metros de altura, que apontava pra mim e dizia: "I'M GONNA PICK A FIGHT WITH YOU!" ("eu vou comprar uma briga contigo!")

"Pronto. Vivi anos em São Paulo e nunca fui assaltado, agora vou morrer espancado no meu segundo dia de Canadá", pensei por um instante... até ver que o negão se referia ao meu cachorro e, obviamente, a "luta" era daquelas de brincadeirinha.


Levei pouco menos que uma hora para abrir uma conta no banco, meia hora para fazer um plano de celular e uns quinze minutos pra tirar o SIN (o "CPF" canadense). Tudo isso apresentando como documento apenas o meu passaporte.


Se você é um casal sem filhos e precisa ir ao supermercado por aqui, meus pêsames: as embalagens são todas "tamanho família". TODAS. Leites e sucos de dois litros, manteiga de 500 gramas pra cima, e por aí vai. E eu não percebi o quanto a comida no Brasil era barata até Bethania comprar uma banana canadense ao preço de uma DÚZIA de bananas brasileiras.


Por outro lado, um belo Cabernet Sauvignon californiano sai por 12 dólares e a Vedett (a mais incrível cerveja belga de trigo) sai por 3 dólares. E hoje, na volta do trabalho, confirmamos uma dica que eu havia lido no Reddit: surpreendentemente, os supermercados chineses/coreanos são muito mais baratos que os "normais".


Eu estava achando o trânsito de Toronto até bom, comparado com o de São Paulo. Até que nevou muito e de repente e o asfalto virou uma "pista de patinação", e TODOS os carros passaram a dirigir a 20km/h. Na estrada vi um Dodge, na faixa bem do lado da minha, patinar de traseira por uns cinco segundos. O cara só não rodou por completo porque teve muito sangue frio e conseguiu impedir o pior. Foi muito assustador.

Ah, e levei duas horas pra voltar pra casa.

Ainda assim o motorista canadense é muito mais cortês e tranquilo que o de São Paulo: todo mundo usa a seta, ninguém trafega no acostamento, ninguém sai costurando na estrada feito louco e colando na sua traseira e piscando farol. Comparando com o trânsito daqui num dia normal, o trânsito paulistano é absolutamente SELVAGEM. Incrível como a gente se acostuma e não percebe.


Às vezes Bethania olha pra mim e fala: "a gente é doido de largar tudo e mudar de país, né?". E eu respondo: "sim, a gente é doido". E aí eu percebo que eu não estaria aqui se não tivesse casado com a mulher perfeita.