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Quatro anos e meio depois (ou: retrospectiva 2020, 2021, 2022, 2023, 2024)

2024-10-23 00:00:00 +0000

Desci do ônibus - vermelho, não me lembro a linha - num canto bem velho do centro de Belo Horizonte, e andei até o andar inferior de uma galeria praticamente escondida do movimento da rua, até ver um velho balcão de madeira e várias pessoas esperando do lado de fora. Era ali o lugar da “melhor feijoada da cidade”, segundo a dica dos meus amigos. A dica parecia boa: pela velhice da mobília o lugar claramente existia há décadas, e a fila era razoavelmente grande para o padrão “biroscas de Beagá”. A senhora que me atendeu por uma janelinha na parede também parecia parada no tempo. Ela me deu uma comanda e falou pra eu me sentar.

E então eu acordei.

Eram quatro da manhã. Eu estava no meu quarto, oito mil quilômetros pro norte de Minas Gerais. Meu queixo doía de ranger os dentes - coisa que eu normalmente não fazia, mas que começou a acontecer por conta da vortioxetina. Fiquei pensando se esses sonhos vívidos também são por causa do remédio. Talvez o meu subconsciente esteja um pouco mais próximo da superfície? E que curioso ver que ele está inventando restaurante secreto de feijoada na minha cidade natal.

Olhei pro teto e continuei a pensar. Desde que me mudei pro Canadá, meu foco era exclusivamente o futuro, em refazer a vida por aqui, absorver a cultura daqui, e talvez eu tenha errado um pouco a mão e me desconectado demais do meu passado - que por isso vem pipocando de madrugada sem aviso.

Foi daí que veio a ideia. Chegou a hora de voltar com o blog.


À pretexto de organizar as ideias, comecei uma lista das coisas marcantes que aconteceram nos últimos quatro anos. Levei semanas pra listar tudo. Nem eu fazia ideia de quanta coisa rolou em tão pouco tempo.

2020

Janeiro

Finalmente saiu a cidadania. No dia 23 eu e Bethania nos tornamos, oficialmente, canadenses. Além disso, decidi me tornar vegetariano.

Eu e Bethania com o juiz que concede a cidadania

Fevereiro

Nasceu o Tom. De cesárea, às 3:14 da tarde.

Tom, ainda com algumas horas de vida

O nascimento foi sem problemas, mas o leite demorou a vir e ele perdeu muito peso no primeiro dia. No segundo ele já tava tomando fórmula e ficou tudo bem - mas, pela primeira vez na vida, eu chorei de alívio.

Março

A OMS declara, oficialmente, o coronavírus como pandemia. Ninguém sabe quando sai vacina, como é a transmissão, nada. Pra piorar, o povo ainda inventa de fazer panic buying e começa a esvaziar prateleira de supermercado achando que é o apocalipse. E a gente com um recém-nascido em casa e um monte de incertezas.

Prateleiras vazias de supermercado

Maio

Aniversário de Bethania. A comemoração é online, obviamente. E o presente…

Cartão de aniversário que diz: "Eu queria te dar um cruzeiro de aniversário, mas estava fora do meu orçamento então fui de segunda opção. A parte do orçamento está riscada e eu escrevi em cima: "estávamos no meio da porra da pandemia"

O bom (?) de ter um recém nascido numa pandemia é que não sobra muito tempo pra ter medo.

Agosto

Com seis meses de vida, o brinquedo preferido do Tom são… livros. Eu passo horas lendo pra ele.

Vários livros infantis espalhados pelo chão"

Setembro

Pavlov começa a se comportar bem esquisito. O veterinário diz que é demência canina. Toda noite ele anda sem rumo pela casa, para num canto, fica desorientado e começa a chorar.

Comecei a dormir no sofá da sala de tevê, com Pavlov ao lado, num cercadinho que reaproveitamos do Tom, pra acudí-lo durante a noite e limpar eventuais cocôs e xixis.

Dezembro

Primeiro Natal e primeiro ano novo do Tom. Tudo ainda no Zoom, sob lockdown.

Completei um ano sem comer carne. Médico pede um exame de sangue. Meu colesterol está nas alturas.


2021

Janeiro

14 anos e dois continentes depois, meu grande companheiro canino se foi. Adeus, Pavlov.

Pavlov, o cachorro, coberto de neve"

Morreu sem dor, nas mãos do veterinário e com Bethania. Abriram uma exceção do isolamento da pandemia para ela poder acompanhar. A gata ficou uma semana na porta de casa, esperando seu amigo voltar.

Fevereiro

Primeiro aniversário do Tom - um ano! A família inteira acompanha a festinha… pela webcam.

Uns dias depois, ligo pro meu pai (72 anos, grupo de risco pra COVID) aos berros porque o imbecil do cunhado bolsonarista dele foi lá, no meio da pandemia, ainda sem vacina, pra visitá-lo e ver um jogo do Galo.

Neste mês também acabou a licença maternidade de Bethania. Sem vacina e sem opções melhores, temos que mandar o Tom para a creche. Por conta do isolamento, é a primeira vez que ele fica em outro lugar e com outras pessoas. E não podemos nem entrar no lugar pra ver como é.

Março

O movimento anti-máscara começa a ficar bem evidente. Vou no shopping e tem uma menina passeando sem máscara e gritando “o vírus não existe!”. Vou no supermercado e tem uma senhora, sem máscara, e com o nariz escorrendo. Nas notícias do Brasil eu tenho um amigo que quase morreu de COVID, outro com o sogro em uma UTI improvisada (a UTI normal estava lotada), outro com o tio no hospital com 30% de capacidade pulmonar.

Abril

  • Primeiro alívio: meu pai recebe a primeira dose da vacina pra COVID.
  • O sogro do meu amigo morre na UTI improvisada.
  • Tom, que ainda não sabia engatinhar, resolve começar a andar de uma vez.
  • Meu bairro sobe na fila da prioridade da vacina da COVID porque é uma das regiões com maior taxa de infecção de Ontário. No dia 21 eu, finalmente, recebo minha primeira dose da vacina (Moderna). Mas nem celebro porque, no Brasil, o cunhado do amigo que perdeu o sogro morre também.
  • No dia 22 tivemos que tirar o Tom da creche às pressas porque descobriram que um dos pais estava mentindo pros funcionários e mandando o filho pra creche enquanto tinha gente em casa com sintomas.

Maio

Tom segue firme na fixação com livros, então dei pra ele umas cartinhas com palavras. Ele pega a cartinha escrito “hello” e acena… mesmo que eu não leia o que está na carta.

Junho

Tomei minha segunda dose da vacina (Moderna, novamente). É também o segundo ano seguido que uma mamãe-canário faz ninho na janela do banheiro.

Canário sentado no ninho"

Julho

O trabalho, antes estressante, agora está extremamente estressante. Passo semanas acordando de madrugada com o cérebro fritando. Então comecei a me sentir fisicamente mal, a ponto de tirar dois dias de licença por conta de estresse.

Comecei a me consultar com uma psicóloga.

Setembro

No trabalho tava rolando um town hall do departamento. Eu fiquei em casa, então tava acompanhando pelo celular. Aí fui ao banheiro. De repente, anunciam meu nome…

Foi assim que recebi meu primeiro prêmio de performance sentado na privada.

Além disso, votei pela primeira vez como cidadão canadense. Essa não deu pra fazer de dentro do banheiro.

As sessões com a psicóloga continuam. Achei que ela ia me ajudar com o estresse, mas ela desconfiou que o buraco era um pouco mais embaixo. Resultado: comecei a tomar vortioxetina - um antidepressivo.

Outubro

Troquei de time no trabalho. Assumi uma posição de líder de squad, num dos times mais reconhecidos no banco.

Tom continua obcecado com livros. Teve um final de semana que ele só quis brincar com livros.

Tom no chão cercado de livros infantis

Além disso, foi nesse mês que ele respondeu, pela primeira vez, o “eu te amo” que eu sempre falo pra ele na hora de dormir.

Novembro

Levei o Tom à biblioteca pela primeira vez. Foi glorioso. Precisei arrancá-lo das prateleiras na hora de ir embora.

Dezembro

Tomei meu booster de COVID. Agora estamos triplamente vacinados… exceto pelo Tom, já que ainda não tem vacina pediátrica. A gente que sabe de ciência sabe que a priorização está correta - o coração ainda não entende.


2022

Janeiro

Começaram a pipocar casos de COVID na creche do Tom. Infelizmente, o governo da província é do partido conservador, e eles mudaram as regras pra declarar um outbreak e fechar a creche, então tudo continua funcionando como se nada estivesse acontecendo.

Foi também neste mês que os imbecis do Freedom Convoy (Carreata da Liberdade) fecharam Ottawa por mais de uma semana.

Fevereiro

A creche mandou uma mensagem avisando que duas crianças da sala do Tom testaram positivo pra COVID. No dia seguinte ele acordou do cochilo com febre. Não deu outra…

Exame positivo de COVID

Demos muita sorte. Ele teve febre, uma noite ruim se revirando na cama, e no dia seguinte estava… ótimo. Criança é igual Wolverine mesmo. Eu, vacinado, não tive sintomas. Bethania, mesmo vacinada, ficou bem doente. Me lembrei do amigo brasileiro que quase morreu na UTI no ano passado; não fosse a vacina, a Bê teria ido pelo mesmo caminho.

No total foram nove casos na sala do Tom, mais 3 na sala vizinha, e 2 na sala dos garotos mais velhos. Felizmente, nenhum grave.

Março

Tom arrumou um espaço na sua obsessão com livros pra outra obsessão: podcasts… de gente lendo livros.

Abril

Começou a palhaçada de voltar presencialmente ao escritório. Por enquanto, duas vezes por semana.

Maio

Meu pai vem nos visitar no Canadá. Levou 2 anos e 2 meses pro Tom, finalmente, conhecer o vovô pessoalmente.

Com ele veio também meu irmão, pra morar aqui enquanto completa a faculdade. Foi pro Centennial College, assim como eu, mas ainda 100% remoto por conta do COVID.

Junho

Com a pandemia razoavelmente sob controle, consideramos os riscos e finalmente matamos a vontade represada de viajar e fomos pra um resort em Punta Cana. O menino se esbaldou na piscina, e eu nas caipirinhas all-inclusive.

Praia em Punta Cana

Julho

Recebi notícias de uma velha amiga do Brasil. Ela reservou um quarto de hotel e tomou três caixas de comprimidos de Clonazepan.

Deixou um filho de dois anos.

Volta e meia eu vejo fotos antigas da turma e lá está ela nas fotos. A memória daqueles dias agora é um pouco irreal. Ela estava lá, ela não está mais aqui.

É preciso falar muito mais do que falamos sobre saúde mental.

Agosto

Nunca imaginei que isso ia acontecer comigo. Sempre me pareceu algo contra meus princípios, mas uns amigos me chamaram pra experimentar e eu acabei concordando. Eu não achei que fosse gostar mas, acabou sendo… bom, muito bom.

Eu fui acampar… e gostei.

Setembro

Reparei que ando visitando a loja de bebidas um pouco mais do que o usual.

Outubro

No trabalho rolou reestruturação - meu chefe saiu, botaram outro diretor sênior, ele queria que eu assumisse o time todo como diretor técnico. O novo diretorzão me passava zero confiança, e a posição nova seria uma bucha 90% gerencial e 10% técnica. Cuidadosamente, disse que não. E então, por algum motivo, fui parar em outra posição: back-end practice lead. Meio que um especialista técnico, que não faz parte de time nenhum, mas que suporta todos os times.

No fim do mês, finalmente acabou o pesadelo político brasileiro. Eu e vários amigos votamos em Toronto. A fila do consulado estava ENORME.

Novembro

O bilionário idiota comprou o Twitter - então fui forçado a me mudar pro Mastodon.

Levamos o Tom ao seu primeiro jogo de hóquei - Marlies vs Cleveland. Foi a primeira vez que cantei o hino nacional canadense com meu filho nos braços.


2023

Janeiro

Primeira visita ao Brasil com o Tom. Fizemos uma viagem de férias pra praia (Santo André, litoral da Bahia), e as famílias foram nos encontrar por lá.

Foi uma experiência e tanto - não só pela aventura de voar por 10 horas com uma criança:

  • Como diabos você explica pros parentes e pro povo do hotel por que você conversa com seu filho em inglês?
  • Como lidar com seu filho estreitando laços com a família… sabendo que em alguns dias você vai levá-lo embora e passar anos sem ver aquelas pessoas novamente?
  • Como processar a diferença entre expectativa e realidade de como as pessoas vão lidar com seu filho?
  • Como voltar, dirigir seu carro, dormir confortavelmente na sua casa climatizada de três andares, depois de andar pelas ruas esburacadas do vilarejo que te hospedou e ver as casas de tijolo à vista das pessoas que te atenderam?

A rua principal do vilarejo de Santo André, na Bahia

É assustador o tamanho do privilégio do Tom, obtido simplesmente por ele ter nascido no Canadá.

Outra experiência é a de aumentar ainda mais a confusão mental de imigrante ao se tornar visitante do lugar que antes era seu lar. Tanto que, enquanto escrevia esse post, eu me esqueci completamente da minha visita anterior, no natal de 2018. Nas palavras do psicanalista Ronnie Von: “significa”.

Fevereiro

Tom fez 3 anos - finalmente, com uma festa de verdade.

Bethania continua revelando superpoderes novos desde que virou mãe. As decorações da festa foram importadas do Brasil, e ela ainda descobriu que uma das artistas do YouTube que o Tom adora - Catie, do Super Simple Songs - é daqui de Toronto… e que ela faz festinhas de criança.

Eu dava tudo pra ver o que se passou na cabeça do Tom ao ver a internet se materializando na frente dele na festinha.

Abril

No dia 9, aniversário da famosa batalha de Vimy Ridge, decidi parar de beber.

A justificativa oficial são as novas recomendações do governo Canadense sobre consumo de álcool, que agora dizem que nenhuma quantidade é segura para consumo. Aí eu junto isso com a idade, a necessidade de estar saudável pro Tom, o histórico de câncer na família e o argumento é até bem sólido.

Na prática, o que aconteceu foi que o vinho de sexta havia se espalhado pro sábado, e tinha também as cervejas do final de quinta que iam até o final do domingo, e também tinha uma eventual garrafa de uísque que desaparecia em um mês, entre outras coisas.

Desde então, vão aí mais de 560 dias sem beber. Já o vegetarianismo… esse eu nem lembro quando se perdeu, infelizmente. Entre a picanha e a cachaça, venceu a picanha.

Julho

Meu banco resolve que vai comprar o braço canadense do HSBC e que, ao invés de fazer uma migração gradual dos clientes, vão fazer tudo em um final de semana, no ano seguinte. Nasce o “Projeto Topázio”. E lá vou eu tocar uma parte da migração.

Agosto

Numa tentativa de mudar meus hábitos - particularmente o de passar horas no celular - comecei a considerar alternativas pra ocupar meu tempo.

É um problema de solução fácil: livros, séries, podcasts, exercício físico, etc… então é óbvio que ignorei estas alternativas e decidi foi comprar um novo instrumento musical.

OP-1 Field

Este é o OP-1 Field. É uma mistura maluca de sintetizador, bateria eletrônica, sampler e um mundo de outras coisas. É um dos meus brinquedos favoritos.

Setembro

Numa tarde ensolarada de sexta eu resolvi dar uma volta de bicicleta. Caí e quebrei o cotovelo…

Selfie em frente ao espelho, com o braço engessado numa tipóia

Numa nota menos dolorida, foi nesse mês que eu confirmei que o Tom, de fato, está aprendendo a ler sozinho. Eu já desconfiava há algum tempo, até que um dia estávamos no Google Imagens e, entre uma pesquisa e outra, o Google mostrou o menu de pesquisas recentes. E ele disse:

_ Eu quero ver fotos da Taylor Swift!

Achei estranha a mudança de ideia repentina… até ver que uma das opções do menu era, de fato, o nome da Taylor Swift. Testei mais umas três vezes pra confirmar, e ele apontou corretamente o nome dela em todas elas.

Outubro

Meu brinquedo preferido passa a ser o brinquedo preferido do Tom. No início ele não gostava do OP-1, até eu mostrar que dava pra gravar a voz dele e tocá-la no teclado…

OP-1 Field

Hoje o Tom tem uma coleção particular de samples só dele. Ele chama de “the sounds I like”.

Novembro

A namorada do meu irmão veio visitá-lo. No meio do caminho ela se sente meio mal, e quando o voo faz uma escala ela aproveita pra fazer um teste de COVID, que dá positivo. Foi o caos, com quarentena no porão por uma semana e o escambau.

No trabalho, o “projeto topázio” segue a todo vapor… e eu basicamente tenho que voltar a fazer meu trabalho antigo de líder de time. O que é ótimo, já que eu posso ser produtivo num projeto de alta visibilidade.

2024

Janeiro

Meu irmão, já formado, voltou pro Brasil.

Fevereiro

Vovô veio visitar pro aniversário do Tom, que fez quatro anos.

Março

A primavera veio chegando e meu humor estava bem melhor do que nos últimos anos. Resolvi me dar alta dos antidepressivos.

Abril

Fim do “Projeto Topázio”. Pela primeira vez eu trabalhei noites e finais de semana desde que me mudei pro Canadá. Mas valeu a pena - nunca antes na história o nosso banco havia comprado outro, fechado a compra numa sexta-feira, e começado a operar com todos os clientes e contas migrados na terça-feira seguinte. Aprendi bastante e ganhei bons pontinhos com os chefes.

Obviamente, teve muito perrengue. Alguns exemplos:

  • Tinha um outro time fazendo outro pedaço da migração, e a gente tinha que ajudá-los porque “somos todos uma mesma empresa” e etc. Eles tinham um programador que não entendia como usar a tecnologia do time dele mesmo, e quando eu ia explicar que não tinha como fazer o que ele queria, ele… ficava puto comigo.
  • Além de liderar o trabalho técnico do meu time, eu tinha que reportar status das tarefas pro PMO do programa. O PMO coordenava as tarefas e prazos usando, obviamente, um Excel compartilhado na rede. Como o projeto envolvia o banco todo, o Excel era gigante, dezenas de milhares de linhas. E quem era o corno que tinha que atualizar o Excel pro nosso time? Esse que vos fala, naturalmente. Imagina o sarcasmo do universo ao me botar em reunião com os consultores de gestão do banco me cobrando que a linha 17.344 da planilha tava desatualizada…
  • Outra jogada genial dos consultores: as tarefas do Excel eram automaticamente transformadas em lembretes por email. Assim sendo, a gente botava no Excel a lista das tarefas e horários de início, e na hora de executar a tarefa, a gente recebia um email automático lembrando a gente da data que a gente mesmo forneceu.
  • Sabe de que jeito a gente testou se a migração deu certo? Usando a minha própria conta corrente pessoal. Botei o número dela num dos arquivos da migração e trocamos só o nome da conta, pra ver se ele seria importado corretamente. Até hoje, ao invés de “Conta corrente do Zé”, minha conta tá lá batizada de “Conro S Sac Halden” (longa história).
  • Fizemos um moooonte de migrações de teste antes do dia D - todas elas com dados anonimizados de clientes. Acontece que num dos arquivos de transferências bancárias o povo se esqueceu de anonimizar um campo de texto com a finalidade da transferência. Imagina a crise de riso, minha e do resto do time, enquanto tentávamos descobrir qual o problema numa transferência cuja finalidade era “dinheiro para o fundo da rinoplastia do cachorro”…

Maio

Fomos passar o aniversário da Bê na Disney. O menino se esbaldou, já eu tive que lidar com guardinha da TSA gritando comigo no aeroporto e guardinha da Disney olhando pra minha cara, ignorando meu “good morning”, e insistindo em falar comigo em espanhol. E, naturalmente, foi na Flórida que vi o Cybertruck pela primeira vez…

No último dia de viagem eu matei uma vontade de muitas décadas: quando eu era criança minha mãe me levava num pediatra que tinha uma reprodução de “O Carnaval do Arlequim”, quadro do pintor espanhol Joan Miró, na sala de espera. Esse quadro é uma das minhas lembranças de infância mais antigas. Outro dia eu fui ver o quadro na Wikipedia e descobri que ele fica exposto em um museu de arte em Buffalo, no norte do estado de Nova Iorque… e a 3 horinhas de carro aqui de casa.

O Carnaval do Arlequim, de Joan Miró

Junho

Confirmamos que o Tom está oficialmente lendo por conta própria.

Além disso, voltei a ver a psicóloga. Meu estado mental não estava dos melhores.

Agosto

O fim de uma era: Tom está oficialmente “formado” na creche.

As mães dos coleguinhas de sala dele organizaram um piquenique no último dia, no parquinho em frente à creche, e um dos pais trouxe uma câmera e uma plaquinha dizendo “último dia” pros meninos tirarem uma foto. Lá pelas nove da noite ele mandou as fotos no WhatsApp e lá estava o Tom, completamente moleque, boca suja de bolo, sem camisa e descalço. Chorei por mais esse fim, esse começo, e esse amor maluco de ser pai.

Setembro

Primeiro dia de escola. Levou 45 minutos pra ele conseguir parar de chorar, largar a minha perna e finalmente ir pra sala de aula - e só porque a diretora veio ajudar. Uma santa. Lidou com ele com a maior paciência do mundo. Srta. Gad, fica aqui imortalizada a minha eterna gratidão a você.

Felizmente, o drama durou só uma semana. Ele ainda reclama de ir pra aula, mas se anima todo quando a gente aposta corrida quando sai do carro pra ver quem chega primeiro, e volta animadíssimo com as professoras e a aula de música e de ter aprendido letras em caixa alta e caixa baixa. As professoras, coitadas, estão passando perrengue porque o menino é muito cheio de energia pro ritmo de sala de aula, então ele não para quieto, larga o almoço pela metade pra ir brincar… outro dia elas estavam de cabelo em pé porque ele, provavelmente entediado, abriu a porta da sala e estava indo embora pro pátio brincar.

Logo depois do problema da escola se resolver, me liga a minha irmã pra avisar que meu pai foi parar no hospital. Acordou muito cansado, aí botou o oxímetro pra ver se estava tudo bem e os batimentos cardíacos estavam muuuuito abaixo do normal. Ganhou de brinde um marcapasso. Felizmente, a cirurgia foi simples e correu sem problemas. “Agora sou híbrido”, disse ele, seguindo a tradição familiar de fazer piadinha pra lidar com as emoções difíceis. Tradição que eu também carrego, já que batizei o grupo de WhatsApp que usamos pra trocar notícias da internação com o peculiar nome de… “Haja Coração!”

No fim do mês, meu cérebro definitivamente já não fabricava mais o caldinho de serotonina que dá disposição pra tocar a vida. Na consulta da psicóloga, o gênio aqui finalmente resolveu comentar que havia parado com o remédio, e ela, educadamente, me colocou a par da minha estupidez…

_ Você lembra que seu antidepressivo leva seis meses pra parar de fazer efeito?

_ Pois é, eu não lembrava disso.

_ Quando você parou de tomar o remédio?

_ Uhhh… há seis meses…

Fica a dica, amiguinhos. Não parem de tomar antidepressivos por conta própria.

Outubro

Uma tempestade solar resolveu bater por aqui bem no dia do meu aniversário, e ganhei uma inesperada aurora boreal de presente.

Aurora boreal


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Sobre espaço-tempo, buracos negros e visitas ao Brasil

2018-12-29 19:50:54 +0000

Às onze da manhã do dia 22 de dezembro o avião finalmente tocou o solo do aeroporto de Guarulhos. Catei malas e mochilas e, no instante em que passei da porta do avião pra fora, sou recebido por aquela onda quente e úmida de trinta graus de calor paulistano. Meu corpo se retraiu todo. Olhei pro lado e Bethania estava suspirando, emocionada: "Ahhh que delícia!".

Depois de quatro anos, eu estava de volta ao Brasil.

Quando expliquei aqui as razões que me fizeram abandonar o país, uma delas era a falta de afinidade com as coisas locais - incluindo o calor. Assim, meus trinta primeiros segundos de volta correram exatamente como eu esperava. Já o resto foi uma montanha-russa de coisas que ainda não sei bem definir direito.

Quando decidi me mudar foi bem fácil enumerar os motivos pelos quais eu achava que aquilo era a melhor coisa a se fazer. Voltar ao Brasil deixou bem claro o quanto essa reflexão havia sido incompleta. Começando pela minha premissa de que "você não é onde você mora", ou de que eu estaria começando uma vida nova em outro lugar, ou - e principalmente - de que é preciso olhar pra frente e deixar pra trás o que passou. Eu analisei bastante o espaço, mas me esqueci completamente do tempo e de como ele espalha quem eu sou ao longo de quarenta anos. Eu sou o menino que cresceu em Belo Horizonte, o jovem que amadureceu em São Paulo, e hoje o adulto que vive no Canadá, todos ao mesmo tempo, irrevogavelmente unidos e coexistindo nessa dobrinha pessoal de espaço-tempo chamada eu.

Nos meus quatro anos de Canadá eu ignorei completamente - e intencionalmente - esse passado, achando que era assim que se adapta a uma nova realidade. Aí a gente foi comer um pão de queijo em Guarulhos e eu me peguei nostálgico ao ouvir a mocinha do caixa perguntar se eu queria "CPF na nota" (nem lembrava mais que havia isso). Cada coisa - das mais simples - que eu via ou ouvia ressuscitava anos de memórias esquecidas nos porões da minha cabeça. Andar pelo embarque de Guarulhos e voltar de Confins pela Linha Verde me lembrava os inúmeros voos da minha época de consultoria. As ruas de Beagá, então, eram prateleiras inteiras de incontáveis pedaços meus, todos voltando a cada esquina, a cada ladeira, a cada prédio onde um dia estive, ou até mesmo os que hoje deram lugar à farmácia ou supermercado. Por exemplo: a Igreja São José, no centro, não era só a igreja - era aquele domingo onde saí do meu plantão de suporte no provedor de internet onde estagiava e fui encontrar com a minha nova namorada, que foi acompanhar a avó na missa. Eu achava que era impossível se sentir em casa onde você não mora mais. Que bom que me enganei.


A programação da viagem era basicamente passar tempo com a família no Natal, mas havia uma coisa que eu decidi que queria fazer: visitar o túmulo da minha mãe.

Eu acho que nunca mencionei minha mãe aqui no blog. Ela tinha um personalidade enorme, um sorriso fácil e um amor infinito pelos filhos. Em 1993 ela foi diagnosticada com câncer de mama, e morreu cinco anos depois. Como a família na época era toda espírita, a crença é de que a morte não existe, e então não se falou muito mais sobre isso. Foi mais ou menos nesse período que eu comecei a enterrar minhas memórias. Mas, felizmente, quando você enterra coisas férteis elas acabam brotando novamente.

Voltar ao cemitério, mesmo décadas depois, foi trazendo o dia do enterro todo de volta. O lugar do velório estava lá, do mesmo jeito. Eu me lembrei dos parentes chegando, das flores, até do que minha mãe vestia (uma camiseta do Menino Maluquinho - a pedido dela) quando foi sepultada, mas quando penso no que eu sentia, a resposta é... nada. O mesmo "nada" que senti quando desliguei o telefone no dia anterior, quando meu pai ligou do hospital, para contar que ela havia morrido. Quando ouvi a notícia eu fiquei sem reação por alguns segundos, com a cabeça sobrecarregada, e então alguma coisa se arrebentou dentro de mim, e sobrou apenas o nada. Um buraco negro no meu espaço-tempo pessoal. Um nada tão grande que eu nunca chorei a morte dela, até hoje.

Essa volta ao Brasil me despertou incontáveis memórias em praticamente todos os lugares onde estive. Mas quando me vi novamente de pé, sobre o túmulo dela, na semana passada, eu não senti... nada.

Bom, parece que este pedaço meu eu vou ter que resgatar de outro lugar.


Na quinta de manhã o meu voo de volta finalmente pousou em Toronto. No instante em que pisei fora do avião, fui recebido pela brisa seca de Dezembro em seus zero graus. Fechei os olhos, respirei fundo, e disse baixinho para mim mesmo, sorrindo, enquanto expirava:

"hell yeah".

Por que estou deixando o Brasil

2014-11-04 19:53:46 +0000

Sim, é isso mesmo. Talvez este seja o mais longo e mais importante post deste blog. Se ajeite aí na cadeira.

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Preâmbulo: como assim você está saindo do Brasil?!?

Pois é, cara. Depois de anos considerando casualmente a possibilidade de morar fora, este ano começamos a levar a coisa à sério e, após muita fritação de "vamo/não vamo", eu e Bethania decidimos: vamos pro Canadá.

O plano é eu voltar pra faculdade, para um curso de 2 anos que é um semi-bacharelado em engenharia de software. Em termos de carreira eu até poderia ir e procurar emprego direto, mas decidi voltar a trabalhar na área técnica. Não tem jeito, é o que eu gosto mesmo de fazer. Depois do curso, quero arrumar um emprego lá e, a partir daí, o objetivo é conseguir cidadania canadense e ficar. Bethania, que é muito mais ninja profissionalmente do que eu, já tem inclusive um emprego esperando por ela.

A escolha do país, tecnicamente, foi fácil: o Canadá tem uma política de imigração bem aberta em função da população envelhecida e da demanda por profissionais qualificados. Além do mais eu morei lá por seis meses, em 2005, a trabalho, e não somente conheci como adorei o lugar.

filosoficamente falando, trocar de país é uma coisa bastante complicada - e é o que me motivou a escrever este post.

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Você não precisa ficar onde está

"Menino, vai na padaria pra mim!", me diziam quando eu era criança e vivia em Belo Horizonte. Eu não gostava de ir à padaria porque a distância pra mim era enorme e cheia de ladeiras, e ir comprar pão parecia uma maratona. Aí pula para 2014: dia desses eu estava visitando os parentes em Beagá e acabou coincidindo de eu passar exatamente pelo mesmo trajeto entre meu antigo prédio e a padaria.

Eram só dois quarteirões.

Talvez eu estivesse morando exatamente no mesmo lugar até hoje se não fosse o meu emprego de consultoria, que me fez viajar o Brasil todo - e me levou ao Canadá pela primeira vez. Passar por lugares novos muda o tamanho do lugar onde você vive e, também, quebra a regra invisível de que a sua vida só pode acontecer onde você mora. Em função do hábito, conveniência e da família sempre próxima é fácil se limitar ao que existe (ou não) na sua cidade e moldar sua vida de acordo com o que existe a dois quarteirões de casa, ou achar que o mundo é só aquilo ali, e passar a vida achando que aqueles dois quarteirões são uma distância enorme. Mas você não precisa ficar onde está. Essa frase banal esconde uma verdade universal, libertadora. Foi pela ausência dessa regra que eu e Bethania nos mudamos pra São Paulo: invertemos a lógica de "gostar do que se tem" e fomos pra onde o que a gente gostava estava.

Agora está acontecendo mais ou menos a mesma coisa. A gente quer trabalhos legais mas com menos stress, quer impostos que voltem de fato, quer poder andar na rua sem medo de assalto, quer poder ter filhos em um lugar mais amistoso (e mais acessível!). E São Paulo não permite tudo isso junto. Talvez o Brasil não permita isso - talvez nunca permita.

E este é o gancho importante para falar justamente de algo que me incomoda há muito tempo mas que só fui entender depois dos trinta e muitos anos de idade: o Brasil tem muita DR pra fazer consigo mesmo antes de se tornar uma grande nação, coisa que não vai acontecer tão cedo. Talvez nunca aconteça. E, como só se vive uma vez, eu não posso esperar.

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A inigualável cultura brasileira (ou: por que o Brasil é do jeito que é?)

Minha diversão mais recente aqui em São Paulo é usar a ciclovia novinha que o Haddad resolveu passar bem na esquina da minha rua. Todo dia eu arrumo motivo pra ir pra algum canto de bike, muitas vezes só pra dar o exemplo.

No começo, sempre tinha alguém com carro estacionado na ciclovia, e eu sempre reclamava com o motorista. A maioria se fingia de bobo ou arrumava uma desculpa. Uns até xingavam de volta. Uma vez um deles ameaçou me bater e quebrar meu telefone, porque tirei uma foto do seu furgão estacionado bem em cima da faixa vermelha.

Talvez você esteja pensando: "mas cara, tu ta indo embora, pra quê ficar cobrando os motoristas de respeitar ciclovia? Daqui a alguns meses tu nem vai usá-la mesmo, e ainda periga apanhar ou levar um tiro".

Então, cara! O problema é exatamente esse. Meu primeiro impulso também foi pensar e agir assim - e é precisamente por isso que o Brasil é do jeito que é e não vai mudar tão cedo: aqui o individual é mais importante que o coletivo.

Esta cisão entre indivíduo e coletividade provoca um efeito colateral bizarro, que é a divisão mental do brasileiro. Sabe a mania que temos de criticar o país na terceira pessoa? "Brasileiro é tudo burro", "o povo só quer saber de futebol", etc, etc? Quem fala, fala como se não fosse brasileiro, efetivamente se separando da própria crítica - afinal sua moral individual é superior à ignorância coletiva.

Se essa cisão fosse só socioeconômica ou política tava bom. O problema é que ela é pior e muito mais profunda: é uma divisão cultural.

Ela aparece, por exemplo, quando tem um mendigo dormindo no meio da calçada e a gente desconsidera mentalmente que ali existe uma pessoa. Ou você olha para aquele cara caído na saída do metrô, preto de fuligem, com uma unha do pé que parece a garra de um bicho, e se pergunta de onde ele veio, se tem filhos - ou se ainda tem sonhos? (por sinal uma fan page genial chamada "SP invisível" faz exatamente isso, vale muito a leitura). Essa divisão está aí o tempo todo, quando você reclama do trânsito (o trânsito é você) ou que o preço do cinema está um roubo (sua carteirinha de estudante é legítima?).

"Mas tudo isso aí pode mudar!", você poderia alegar - e com razão. A questão é que tem problemas nacionais que dá pra resolver relativamente rápido, como a economia ou a distribuição de renda, mas a questão do "individual sobre o coletivo" é cultural - e mudar uma cultura é incrivelmente difícil. Leva séculos, e pode dar muito errado. Olhe para a história do mundo moderno e me aponte quantos países conseguiram mudar sua identidade nacional da água pro vinho: eu só consigo pensar na Alemanha pré e pós-Hitler e pré e pós muro de Berlim, e ainda assim a mudança só veio com grandes traumas nacionais. Vale o mesmo pro Japão antes e depois das bombas atômicas. Mas mudança orgânica, sem neurose, derramamento de sangue ou hecatombes político-sociais, aí eu não sei de nenhum exemplo.

Eu não queria, mas não tenho como não mencionar as eleições de 2014 - porque elas exemplificam muito do que eu falei aí em cima. No início eu tentei encarar a sujidade e a baixeza com a qual as pessoas, candidatos ou não, se comportaram nestas eleições como imaturidade, efeito de uma democracia que ainda é muito jovem. "Todo mundo quer um Brasil melhor, mas como crianças, estamos todos fazendo birra para isso", pensava eu. Aí tou vendo milhares de pessoas na Av. Paulista, enquanto escrevo este post, pedindo o retorno do regime militar. Vi o nascimento do chamado "discurso do ódio", com coisas deprimentes como molecada xingando nordestinos no Twitter pelo resultado da eleição. Com gente do naipe de Ricardo Amorim, economista renomado, postando que "quem estuda não vota na Dilma" - isso só pra citar alguns poucos exemplos. E só consigo entender tudo isso da forma que mencionei anteriormente: com a preponderância do individual sobre o coletivo que, aplicada num processo democrático, vira uma briga de "quem tem a maior melancia na cabeça".

Faça um auto-exame: ao escolher em quem votou, você pensou no que seria melhor pro país ou no que seria melhor para você? E, se você pensou no coletivo e não no individual... você se lembrou do mendigo na saída do metrô?

Pra piorar ainda mais o banzo: enquanto aqui as eleições terminavam, lá no Canadá um maluco entrou atirando no parlamento, matou Nathan Cirillo (um dos guardas que vigiava o Memorial de Guerra) e depois foi morto. A reação da mídia e das pessoas por lá foi, simplesmente, inacreditável:

  • A cobertura da imprensa canadense foi tão sóbria, factual e isenta de sensacionalismo que arrancou elogios pelo mundo.
  • Kevin Vickers (o "chefe da segurança" do Parlamento) foi o responsável por matar o atacante. No dia seguinte aos ataques, ele simplesmente foi trabalhar normalmente. O vídeo dele sendo aplaudido de pé, ao voltar ao trabalho no parlamento me deixou embasbacado. E no Reddit, além dos elogios, tava todo mundo preocupado em dar apoio psicológico a ele, porque matar alguém pode ser traumático, etc, etc...
  • Ainda no Reddit a outra fonte de preocupações era a única vítima: Nathan Cirillo. Tinha um monte de gente preocupada em abrir um fundo para doações para o filho dele, que era pai solteiro, e inúmeros comentários sobre sua bravura e o quanto isto era uma perda para o Canadá. E ninguém sequer mencionou o atacante. Até hoje eu não sei o nome dele. Mas tinha gente preocupada até em quem ia cuidar dos cachorros do Cirillo daqui em diante.
  • E o cartunista do principal jornal de Ottawa ainda me publica isso aí embaixo.

Em resumo: um evento importante sacudiu o Brasil e saiu muita coisa ruim. Mas quando um evento importante sacode o Canadá...

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Pontualidade e outros superpoderes inúteis - e um grande dilema

Outra questão cultural menos grave, mas que me incomoda desde sempre, é o modus operandi brasileiro: improvisado, espontâneo, altamente orientado à relacionamentos pessoais. Não estou criticando este jeito de ser, mas passei quase quarenta anos tentando me adaptar a ele e... não dá, eu não sou assim.

Eu gosto de ordem, planejamento e regras bem definidas. Eu chego no horário quando combinam comigo - e normalmente fico esperando feito bobo, porque ninguém chegou. Eu faço cronograma de viagem de férias. Eu assino Rdio e Netflix (sem proxy!), compro MP3 no Bleep, meu Office é original e licenciado e tenho três backups dos arquivos do computador. Na verdade, culturalmente falando, eu nunca me identifiquei com as coisas nativamente brasileiras (futebol, samba, praia). No entanto eu consigo te explicar todas as regras de um jogo de curling, o único esporte com o qual tive afinidade instantânea foi o esqui e uma das minhas camisetas prediletas é de uma banda chamada Set Fire to Flames - que é canadense.

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Não parece, mas esta é uma camiseta de banda.

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E aí eu e o Brasil ficamos muitos anos nesse casamento de aparências: não temos nada a ver um com o outro mas estamos aí, juntos.

E é isso que me dói e me gera uma crise de consciência enorme. O momento nacional é sério, é importante. Não se trata só de um rebuliço econômico, ou de uma maluquice traumática como foi a ditadura: o Brasil está meio que "entrando na puberdade" do ponto de vista ideológico, e é um momento ímpar onde todo mundo deveria dar o melhor de si pelo país. E a mítica hora que a gente canta no hino, dizendo que "o filho teu não foge à luta", e no entanto é exatamente isso o que eu estou fazendo.

Mas essa luta é longa demais, e talvez seja impossível vencê-la. Quem me conhece sabe que eu não sou otimista, mas pense comigo: você se enxerga indo ao Mineirão assistir um Atlético e Cruzeiro onde as torcidas não ficam separadas no estádio? Você vê esta realidade em um futuro próximo? E em um futuro distante? E o quão distante está este futuro? Pra mim, este é o melhor indicador possível pra se melhoramos ou não na questão do "individual sobre o coletivo".

A vida já me deu bastante porrada (felizmente, nenhuma nos estádios). E o que eu aprendi com isso foi que é fundamental saber quais brigas comprar. Então, decidi comprar a da imigração - que é uma senhora briga, vale frisar.

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E como faz pra ir pro Canadá?

Ah, rapá, aí nem com dez páginas de post dá pra explicar. É um processo demorado e de MUITA burocracia, até pros padrões brasileiros. O melhor a fazer é ver o site do Ministério da Imigração Canadense, mas em resumo você tem que ter curso superior - ou grana pra fazer um por lá -, tu tem que ter experiência de trabalho numa das profissões que estão em demanda e inglês ou francês bom (e comprovado por um teste tipo IELTS ou TOEFL).

No meu caso eu tinha dois planos (lembra da minha paranóia com backup? Pois é!)

Plano A) Imigrar pelo processo federal (Federal Skilled Worker). Nela, você já chega com visto de residente permanente, o que te permite trabalhar e/ou estudar onde quiser e virar cidadão depois de alguns anos. O problema desta opção: a burocracia dela é inacreditável (o processo que enviei tinha quase cem páginas!), o formato atual dela, que te permite ir sem achar emprego antes, vai ser extinta em 2015 e as vagas de 2014 foram limitadíssimas - apenas 1.000 por profissão.

Plano B) Ir como estudante de um curso superior. A burocracia é beeem menor, não tem limite de vagas e dá pra aplicar pro visto pela internet mesmo. O duro desta opção é o custo (e a ausência de renda), mas você ganha direito a um visto de trabalho quando se forma e seu cônjuge pode trabalhar enquanto você estuda.

No meu caso o plano A foi a maior decepção do mundo: passei MESES reunindo documentos, DIAS preenchendo os formulários, gastei uma bolada com cópia autenticada e tradução juramentada, outra bolada fazendo o teste de inglês (IELTS, que fiz de ressaca e com três horas de sono, mas tirei 8 em 9 - história para outro post...), mandei meu diploma (físico) pro exterior pra ser validado, foi uma via crúcis. Aí mandei tudo, fiquei meses fritando se eu ia conseguir entrar nas mil vagas, até que numa segunda-feira vi a cobrança da taxa de análise no meu cartão de crédito indicando que sim, eu havia entrado.

A alegria durou três dias, que foi o tempo de vir um email do consulado avisando que faltou incluir uma data em um documento, que foi desconsiderado e que, por isso, me desqualificou do processo por um ponto.

Agora estamos indo de plano B: já escolhi uma faculdade, fiz matrícula e exatamente hoje, dia que este post (que estou escrevendo há MESES) finalmente vai ao ar, nossos passaportes estão no consulado para receber o visto.

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E suas coisas do Brasil?

Ué, tou vendendo tudo! A lista está aqui e aumenta todo dia. Se quiser algo nem precisa comprar pelo Mercado Livre, fale comigo e a gente se acerta.

Quanto ao nosso apartamento, vamos deixá-lo alugado - e se quiser você pode morar nele ou indicar para os amigos. Aproveita que tá barato :)

O Primo recomenda: Almanaque Brasil

2008-12-16 01:15:55 +0000

Não é segredo pra ninguém que eu viajo muito. O problema é que eu viajo REALMENTE MUITO, coisa que fica evidente quando eu vou cortar cabelo no aeroporto de Congonhas e o cabeleireiro já me conhece e chega perguntando se quero "o corte de sempre", ou quando eu abro a revista da Tam de dezembro e, no editorial, ela mostra todas as capas das edições do ano e eu percebo que li TODAS. E com tanta leitura aeronáutica eu posso afirmar, com alguma autoridade, que revistas de avião são bem ruinzinhas.

Grande parte da revista da Tam, por exemplo, é merchandising disfarçado. Você pega e lê uma reportagem sobre Frankfurt (para onde a Tam começou a voar no início do ano), outra sobre Orlando (para onde a Tam Viagens está, convenientemente, vendendo pacotes de férias) e outra sobre o show da Madonna (que a Tam está patrocinando). Essa da Madonna, por sinal, tem um dos PIORES textos que já vi. Quando as matérias e entrevistas são boas é porque são "emprestadas" de outras publicações: a revista da Gol, por exemplo, é feita pela mesma editora que faz a revista Trip e é de lá que sai grande parte do conteúdo. Mas fora isto as revistas são obrigadas a seguir uma linha editorial estilo "agradar gregos e troianos" e acaba virando uma mistura de "Caras" com "Você S/A" e com "Viagem". Não é atoa que o saquinho de vômito fica junto com as revistas...

almanaque brasil Então é com muita surpresa que de vez em quando eu encontro uma das melhores publicações da atualidade perdida no meio dessas porcarias: é o Almanaque Brasil, um grande apanhado de cultura e peculiaridades brasileiras. Ao contrário das revistas de avião comuns, onde o texto é muito mais uma distração pra passar o tempo, o "almanaque" é feito para ser lido de verdade, feito para ser leve e divertido mas interessante. E o mais legal é que ele consegue fazer isso pinçando peculiaridades da cultura brasileira - e mais nada. Não se trata de ufanismo defensivo estilo "fora ianques, vamos preservar o que é nosso", é mais num sentido "olha o tanto de coisa interessante que o seu país tem".

E, de fato, ele tem. A revista deste mês, no lugar de entrevistinhas com a celebridade da moda, foi falar com José Júnior, coordenador do AfroReggae. A entrevista é deliciosa: revela a sagacidade do líder que dirige sua obra social como negócio, porque só assim ele consegue ganhar a atenção da molecada de favela antes que o tráfico o faça. Estas matérias mais densas são entremeadas por artigos leves, diversões e curiosidades que talvez nunca aparecessem numa Veja ou Istoé da vida, mas que tem tudo a ver com a proposta da revista - como a divertidíssima história do pessoal do Jogos Perdidos, fãs de futebol que dedicam-se a acompanhar as partidas de times praticamente esquecidos nas terceiras, quartas e quintas divisões do futebol brasileiro (e mundial). A leitura do Almanaque é tão empolgante que eu sempre me pego lendo coisas pelas quais eu jamais me interessaria sozinho, como por exemplo os "causos" de Rolando Boldrim ou as piadas do Barão de Itararé. É que o que veio antes tava tão legal que eu vou lendo no embalo.

Chega a ser difícil acreditar que uma publicação tão boa seja gratuita. E mesmo quem não voa pela Tam pode ler os exemplares passados, inteirinhos, pelo site. Tem também a opção de fazer uma assinatura (meio cara, R$ 8,16 por exemplar) e receber em casa. E mais: o conteúdo do almanaque é licenciado em Creative Commons, podendo ser livremente usado para fins não-comerciais.

They give really good head in Brazil!

2008-06-21 17:32:16 +0000

Ontem, passando pelo aeroporto internacional de Brasília, notei que o restaurante do aeroporto tem um scotch bar com um nome bem peculiar...

Placa escrito

Pra nós, brasileiros, nada de mais. Mas eu adoraria ver a cara de algum norte-americano lendo aquela placa, já que "good head" significa também "um boquete bem feito"...

Rede Globo deixa famílias menos férteis

2008-06-12 17:26:05 +0000

Sim, o título deste post é bem sensacionalista. Mas não sou eu quem diz isso, e sim o pessoal de Harvard que, num estudo, percebeu uma correlação entre as novelas da Globo e uma diminuição na quantidade de filhos por família.

O artigo que menciona o estudo, postado no blog da revista Foreign Policy, dá maiores detalhes:

O estudo (...) analisou novelas transmitidas de 1965 a 1999 e descobriu que elas retratam famílias muito menores do que as que atualmente vivem no Brasil. 72% das personagens principais de menos de 50 anos não tinham filhos, e 21% tinham apenas um. Por causa disso, os pesquisadores levantaram a hipótese de que as novelas estivessem agindo como uma forma de controle de natalidade.

Usando dados do censo de 1970 a 1991 e dados de presença da Rede Globo em diferentes mercados, os pesquisadores descobriram que mulheres vivendo em áreas cobertas pelo sinal da emissora têm fertilidade significativamente inferior (e, sim, o estudo avaliou todas as outras variáveis e considerou que a entrada da Globo poderia ter sido efeito de tendências que também contribuem para a diminuição da fertilidade. Estamos poupando você dos detalhes econométricos).

Eu não sei o que é mais curioso nesse estudo: se é o fato de Harvard estar estudando as taxas de natalidade brasileiras ou os comentários adicionais do texto:

Novelas são extremamente populares no Brasil, e a emissora Rede Globo, efetivamente, possui o monopólio das produções (...)

As pessoas que vivem em áreas cobertas pela globo apresentaram uma tendência a batizar seus filhos com nomes de personagens de novela, sugerindo que eram especificamente elas, e não a TV de uma forma geral, que influenciavam a taxa de natalidade.

(Link do artigo via Kottke)

...porque Campus Party também é lugar de protesto!

2008-02-12 04:24:11 +0000

Eu não vi porque fui para um boteco com o pessoal do CampusBlog, mas olha o que rolou na hora em que Gilberto Gil, nosso ministro da cultura, foi abrir oficialmente a Campus Party hoje à noite...

20080211_3

Quando descobrir de quem foi a idéia (ou quem são as pessoas da foto) eu coloco aqui. Eles merecem. Simplesmente genial...

(A foto eu tirei do Flickr do Fernando Meyer)

Viradouro proibida de desfilar com carro alegórico sobre o holocausto

2008-02-01 22:22:27 +0000

Sim, deu no Globo:

A Justiça do Rio de Janeiro proibiu nesta quinta-feira a escola de samba Viradouro de levar para a avenida no domingo o carro alegórico do Holocausto, representado por vários cadáveres nus empilhados e que teria uma pessoa vestida de Hitler sobre os corpos.

20080201
Foto via MSNBC

Imagina isso aí entrando na Sapucaí, o sambão rolando, o pessoal vestido de nazista em cima dos corpos, cantando e sorrindo pras câmeras da Globo. Imagina a cara do pessoal nas arquibancadas ao ver a pilha de gente morta. O que a Fátima Bernardes ia narrar numa hora dessas?

Graças a Deus a justiça proibiu essa bomba de entrar na avenida! Ultimamente os juízes estão meio sem noção (vide proibição do Counterstrike), mas dessa vez, felizmente, eles acertaram. Imagina a repercussão internacional que isso teria: a proibição já saiu até no BoingBoing, mas se o desfile acontecesse ia ser dureza ver, na CNN, manchetes tipo "Nazi Parade in brazilian Carnival", "Brazil dancing 'samba' over holocaust victims"...

Numa boa, coisas assim me dão vergonha do meu país.

Update: Repensando o assunto, retiro o que disse. Acabei desrespeitando um conselho que eu mesmo vivo dando para os outros, que é o de não fazer nada quando se está de cabeça quente. E eu acabei postando de cabeça quente e não vi que estava falando besteira.

Logo depois de postar eu comentei o assunto com Bethania (que agora está rindo por cima do meu ombro ao me ver escrevendo este update). Ela foi a primeira a discordar de mim - e usando como argumento uma frase que eu vivia dizendo pra ela: "não dá para apreciar arte fazendo juízo de valor". Ela disse também que, pelo jeito que eu fiquei incomodado com a coisa, eu devo ter sido judeu ou vivido na época do holocausto numa encarnação passada (será? :) ). E pra encerrar, o Felipe veio argumentar nos comentários deste post e eu vi que, realmente, pisei na bola.

Assim, revisando minha opinião, ela fica assim: ainda tenho dúvidas se um carro sobre o holocausto, do jeito que foi previsto, ficaria legal numa festa vívida e alegre como o carnaval - e por isso eu não risquei o primeiro parágrafo do post original. Mas, de fato, nada justifica a proibição. Algumas coisas, de fato, ainda me dão vergonha do Brasil (tipo a proibição do Counter Strike, que, essa sim, é completamente sem noção), mas confesso que, ao invés de sentir embaraço, tenho é que tirar o chapéu para o carnavalesco que criou o carro sobre o holocausto, sobretudo pela ousadia de querer colocar na avenida uma obra de arte sobre um tema difícil e com tantas chances de ser mal interpretado por gente menos esclarecida e/ou de cabeça quente... como eu.

Cenas de um jantar globalizado

2007-12-03 23:13:53 +0000

Semana passada eu tive um evento de trabalho com a presença de vários estrangeiros de várias partes do mundo: tinha um chinês, um croata, uma austríaca, um português e uma finlandesa.

Eventos com estrangeiros são naturalmente interessantes por causa do choque de culturas e por dar a oportunidade de ver o que diabos os gringos acham da nossa terrinha, mas esse bateu todos os recordes. E a culpa de tudo foi da finlandesa.

A menina era completamente doida. Ela fala umas 10 línguas diferentes (inclusive português). E fala sem parar. Some isso a um jantar com vinho e você ouve coisas hilárias, como por exemplo:

  • A passagem dela pelo Rio de Janeiro: "Estávamos em Ipanema, na praia, quando de repente eu olhei em volta e só tinham homens. Aí eu olhei bem e vi que eram todos casais, e aí eles começaram a se beijar e eu lá pensando: 'uhh, tudo bem, é um casal gay' e tal. Mas aí um dos caras começou a apalpar o outro! Tipo, botou a mão lá e tudo! Era pornografia gay ali, ao vivo, na praia! Depois um deles se levantou e ficou tentando arrumar as 'coisas' dentro do calção" - ou, como ela disse em inglês, "trying to reset the whole thing", o que deixou a história ainda mais engraçada.
  • Aí ela começou a contar as coisas pelas quais o Brasil é conhecido para os finlandeses: "Bem, se colocar em ordem, primeiro vem o futebol. Depois, as sandálias havaianas... e depois a bunda da mulher brasileira."
    Nota mental: comprar ações da Alpargatas, rápido. E depois investir os lucros na "poupança"... (pegou essa?)
  • Falando nisso, descobrimos que a "paixão nacional" dos finlandeses é tomar umas biritas... na sauna. Isso tudo entremeado por mergulhos ocasionais em lagos gelados, pra se refrescar. Mas, segundo ela, todo mundo vai pra sauna usando apenas as Havaianas.
    Sim, eu fiz questão de me certificar, e ela confirmou: na Finlândia, todo mundo toma sauna peladão. Isso era bom demais pra ser real, então chequei na Wikipedia... e é verdade!
  • Momento "animal planet" do jantar: A finlandesa vê uma lagartixa na parede... e sai ALUCINADA para bater uma foto. O que me deu uma idéia genial aqui agora: exportar sandálias havaianas com estampa de lagartixa. Vai vender como nunca na Europa.
  • Para o grand finale, a finlandesa falou que queria adicionar todo mundo no Facebook dela. Aí contamos que no Brasil todo mundo usa Orkut. "Hmm, Orkut não é popular na Finlândia", disse ela. Quando perguntamos o por quê, ela explicou que "Orkku", em finlandês, é uma gíria que significa "orgasmos múltiplos".
    Yeah, baby. Orgasmos múltiplos. Agora eu entendo porque todo mundo quer ter um Orkut...

Por que eu fico desanimado com a internet brasileira

2007-10-10 03:34:03 +0000

Justifico fazendo uma análise rápida de uma coisa bem web 2.0: sites de confissões anônimas.

Confissão do famoso Post Secret.com:

20071009

O texto diz: "Este é o recibo que me deram no dia que abortei meu bebê. Eu ando com o recibo e olho para ele todo dia, para me lembrar. Tenho medo que Deus me castigue um dia, por ter feito essa escolha, mas hoje eu estou deixando isso para trás".

Agora, uma confissão do Grouphug.us:

Toda noite, antes de dormir, eu rezo e peço para acordar e ter 18 anos novamente, para ter uma chance de fazer escolhas diferentes e não ferrar com a minha vida do jeito que ferrei...

Outra confissão, agora do unburdened.org:

Recentemente eu descobri que meus pais faziam "swing" no final dos anos 60, início dos anos 70. Sem problemas, eu pensei. Eles eram os clássicos hippies "flower power" na época. Depois do meu choque inicial e de me divertir imaginando meu pai pegando uma hippie numa sala cheia de gente cabeluda, eu me toquei de uma coisa:

Ele pode não ser meu pai biológico.

A minha cara quando me toquei disso deve ter sido bem óbvia, poruqe minha mãe disse "pois é, nós não sabemos". Tomara que meu pai biológico seja rico.

Agora uma confissão brasileira, do (extinto) EuConfesso.com.br:

confesso que eu só consigo cagar peladão !!!

Inscrições abertas para o BlogCamp MG

2007-10-05 18:28:22 +0000

E em novembro vai rolar aqui em Belo Horizonte o primeiro BlogCamp MG.

20071005

O BlogCamp é um encontro de blogueiros no formato "desconferência" - uma conferência sem programação prévia. Quem quiser falar, vai lá e inscreve sua palestra na hora. Assiste e participa quem quiser. É tudo informal e aberto - e, portanto, divertido.

Este formato é famoso na internet e conhecido como BarCamp - assim, "BlogCamp" ficou sendo o BarCamp dos blogueiros. O primeiro BlogCamp brasileiro rolou em agosto, em São Paulo. Vão rolar outros no Rio, em Curitiba, no Ceará e, agora, aqui na terrinha.

Para o evento de Beagá, a coisa é promissora. A Oi Futuro está por trás da divulgação e tem patrocínio do BlogBlogs e do Dinheirama.

Data: 17 e 18/11, sábado e domingo
Horário: 9:30 às 18:00
Local: Oi Futuro - Museu das Telecomunicações - Avenida Afonso Pena, 4001, térreo

Eu, que sempre tive preguiça da web brasileira, já estou inscrito. Essa movimentação atual dos blogueiros brasileiros é uma coisa ímpar que muito me anima.

Aguardem ampla cobertura aqui no blog e "drops" ao vivo via Twitter nos dias do evento.

Belo Horizonte invadida por zumbis

2007-08-05 22:03:00 +0000

Eu não acredito que perdi isso!!

Fui ver meu email e vi um excelente post de Maíra comentando sobre o protesto "Fora Lula" de ontem, falando que deu só 200 pessoas metidas a besta e tal... e comentando o que aconteceu logo depois: a primeira Zombie Walk de Beagá!!


BRRAAAINSSS!!....

Zombie Walk é basicamente isso: uma cambada de gente vestida de zumbi perambulando pela cidade. Segundo Maíra, a Zombie Walk belorizontina tinha no mínimo quatro vezes mais gente que o "Fora Lula". O roteiro dos zumbis era ir da Praça Sete até o Pátio Savassi (pra quem não sabe, um dos shoppings mais grã-finos de BH)! Uma pena terem barrado o pessoal na porta. Eu ia delirar se os zumbis invadissem o Pátio...

As fotos já apareceram na internet e o YouTube, obviamente, já tem vários vídeos do evento. Em um deles, mais completinho e dividido em duas partes, dá pra ver os zumbis "atacando" um ônibus, alguns carros e, no final, um deles gritando pra câmera: "Mãe, eu tou no YouTube!"

Isso é lindo demais. O próximo eu não perco por nada nesse mundo...

Fique cansado você também

2007-07-27 18:11:00 +0000

O www.cansei.com.br (fora do ar atualmente) é iniciativa da OAB de São Paulo e mais um punhado de organizações. Eles estão promovendo um protesto no dia 17 de agosto às 13h (treze... hmmm, número sugestivo...).

A idéia é fazer um minuto de silêncio, com ampla cobertura pela mídia e tal.

Eu fico feliz com essas coisas. Parece que, finalmente, após chegar no fundo do poço, a sociedade percebeu que ficar só assistindo Jornal Nacional e dizendo "esse país é uma droga" entre uma e outra fala do William Bonner não vai resolver nada.

Divulgue aí então.

(Vi no Saber é bom demais)

O "relaxa e goza" já chegou no exterior

2007-07-27 15:52:00 +0000

O site Travel Wire soltou um artigo alertando turistas internacionais sobre o caos aéreo brasileiro. O último parágrafo é uma recomendação aos viajantes que pretendem passar férias pela América Latina:

Lembre-se que o transporte aéreo da América do Sul frequentemente não apresenta os mesmos níveis de serviço e satisfação do usuário encontrados em outras partes do mundo. É melhor ter uma atitude amistosa e flexível antes de viajar.

"Atitude amistosa e flexível"... assim, tipo um "relaxa e goza"?

Música brasileira - Diversidade, mistureba e... satanismo

2007-07-20 15:41:00 +0000

Esses dias o eMusic publicou uma "dozen" - lista temática com 12 discos - sobre música brasileira, feita por Peter Margasak, e batizada de The New Sound of Brazil.

A lista ficou interessante não pelos artistas que selecionou, mas por mostrar a visão que o pessoal de fora tem sobre a nossa música - que é o oposto do que eu esperava.

O texto introdutório diz:

Considerando o que George W. Bush bem comentou, há alguns anos, com o presidente Lula, "Uau, o Brasil é grande.", e baseando-se na música que a grande nação sul-americana exporta - bossa nova e samba - alguém poderia pensar o contrário. Mesmo com estes dois ricos, maravilhosos meta-gêneros musicais, a verdade é que o Brasil é o lar de uma variedade espetacular de estilos e tradições, equiparando-se, ou até ultrapassando, a diversidade musical dos Estados Unidos. A famosa Tropicália - que elevou artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé e Os Mutantes ao nível internacional - continua a exercer influência pelo país; o tempo todo, artistas absorvem, trasmutam e colidem todos os tipos de estilos, tanto domésticos quanto estrangeiros.

Além disso, o tamanho do Brasil e seu senso de orgulho lutam ativamente contra o imperialismo cultural; a música americana e européia é popular, mas não apaga a música brasileira das paradas. Enquanto a cultura americana regularmente descarta seu passado, o Brasil abraça-o e adora-o, mesmo quando seus artistas o fatiam e misturam de forma criativa com novos sons e abordagens. Existem incontáveis estilos regionais, ainda bem vivos - entre eles o coco, forró, axé, brega, choro, frevo, mangue beat, pagode, funk carioca e sertanejo - tanto em suas formas puras quanto em iterações pós-modernas. Os brasileiros também conseguiram dar seu toque característico ao hip-hop, jazz, funk e rock, e os melhores músicos acrescentam uma qualidade regional muito distinta às suas criações. Infelizmente, é difícil o não-brasileiro conseguir se orientar pela prolífica cornucópia de lançamentos espetaculares, embora difíceis de achar, que a indústria musical brasileira produz.

Mesmo com lançamentos agradáveis e interessantes no mercado internacional, como Bebel Gilberto, Céu, Cibelle, CSS e Bonde do Rolê, existe muito mais a ser explorado. Em uma viagem que fiz ao Brasil no ano passado, fiquei impressionado ao constatar que havia muito mais acontecendo do que eu esperava - e minhas expectativas já eram altas. Este guia é apenas a ponta do iceberg; a maior parte desta seleção vem de jovens artistas com uma sensibilidade aguçadíssima, mas também estão incluídos alguns da linha mais tradicional e também alguns veteranos que se recusam a deixar sua música ficar no passado. Mas cuidado: quando o bichinho te morder, vai ficar difícil parar de explorar mais e mais.

Confesso que fiquei feliz ao ler tudo isso. Eu não diria que nós "lutamos ativamente contra o imperialismo cultural", nem que temos uma "cornucópia" de lançamentos espetaculares, mas se o pessoal de fora acha que estamos com essa bola toda...

Os doze discos elencados incluem muita coisa regional (principalmente pras bandas de Recife), funk carioca (obviamente) e outras coisinhas. São esses:

- "Cabeça elétrica coração acústico", de Silvério Pessoa
- "Cão", de Rômulo Froes
- "Res Inexplicata Volans", do Apollo Nove
- "Narradores de Javé Remix", do Instituto & DJ Dolores
- "Tocar na banda", de Comadre Fulozinha
- "Sincerely hot", de Domenico + 2
- "Dadi", de Dadi
- "Simples", de Jair Oliveira
- "Lenine", de Lenine
- "E o método túfo de experiências", do Cidadão Instigado
- "Slum Dunk presents Funk carioca", coletânea feita por Tetine.
- "Futura", da Nação Zumbi

Essa lista é uma vergonha. Vergonha pra mim, que só conheço um dos doze discos: o da Nação Zumbi. Confesso que meu gosto e minhas explorações musicais sempre passaram longe do Brasil, acho que mais por hábito do que por preconceito. Tanto que comecei a querer corrigir esta falha e descobrir coisas boas, do lado alternativo, aqui na terrinha. E a melhor das minhas descobertas foi o Satanique Samba Trio.


O trio em um culto satânico (vulgo "jam session")

SST foi a novidade brasileira mais genial que já ouvi. O som dos caras (que são quatro, e não três) só pode ser descrito como sendo um encontro do Primus com a gafieira; uma soma de jazz moderno com samba de roda que, no fim, dá algo parecido com um chorinho errado.

A habilidade deles é a de cuidadosamente destruir o fluxo original dos ritmos brasileiros. Digo "cuidadosamente" porque, no meio da bagunça toda, o cavaquinho soa bem, o pandeiro soa bem, tudo soa bem, como um bando de instrumentos bem tocados, mas em pânico. O esmero técnico só faz melhorar algo que, com uma premissa genial dessas, tinha tudo pra dar certo por si só.

O trio tem dois lançamentos, Misantropicalia (disponível no eMusic) e Sangrou (disponível no site da gravadora). Ouça algumas músicas do "Sangrou" no MySpace dos caras.

YouTube Brasil: um problema sério?

2007-07-06 15:30:00 +0000

Já faz algumas semanas que temos YouTube em "versão brasileira", com interface em português e destaque para o conteúdo nacional. Isto é um marco importante no mundo online brasileiro, certo?

Não pra mim. Eu acho que o YouTube brasileiro, do jeito que está, pode significar um golpe sério na nossa frágil internet, por causa de duas coisinhas:

1) O destaque para o conteúdo da tevê (principalmente a Globo) e dos grandes portais (UOL, Terra, iG, etc.);

2) A falta de conteúdo produzido pelos próprios usuários.

Pois é. Já notou a quantidade enorme de clipes da novela Malhação que aparecem em destaque? E as notícias da TV Terra? E os clipes do iG? A razão está nesta nota da Folha, com o interessante título de "YouTube brasileiro reproduz TV aberta em seu primeiro dia": o portal está fechando parcerias com os grandes conglomerados de comunicação do mundo. Uma pena.

Pra mim o melhor do YouTube era o "you". Era o usuário criando uma opção de conteúdo diferente do que o que está na televisão. Eu tinha um sonho de que o YouTube se tornaria a tevê que você faz para você mesmo assistir, e que consequentemente teria a sua cara, a sua cultura.

É isso o que acontece lá fora: o YouTube internacional pode até ter um monte de conteúdo retirado da tevê, mas o que domina a página de destaques são clipes produzidos por gente normal, que se filma tocando violão, soltando fogos de artifício por conta do dia da independência ou construíndo uma Millenium Falcon com lego. O destaque não é o que a mídia empurra, e sim o que o povo produz.

Já aqui no Brasil, para fazer um teste, acessei a página de vídeos mais vistos. Ela tem 20 vídeos. Eu contei 15 com conteúdo retirado da tevê - incluindo 6 do Ídolos do SBT e 6 de futebol. Dos cinco restantes, um era um show do portal iG, outros dois eram pornográficos e os outros 2 eram "reprise" de vídeos americanos. Não tinha NADA criado pelos usuários.

Neste ritmo, o YouTube do Brasil vai perder rapidinho todo o seu potencial e acabar servindo muito mais como uma extensão da tevê do que como um canal de mídia diferente, focado no usuário. E a culpa não é da Globo, e sim da nossa atitude leecher em relação a internet: todos querem consumir, mas não querem produzir. Mas isso é assunto para um outro post...

Aécio é vaiado em evento - e a imprensa mineira não dá a mínima

2007-06-28 01:56:00 +0000

Eu quase nunca falo de política por aqui, mas esta merece. Deu na Folha:

Ao lado de Lula, Aécio é vaiado em evento do governo federal em Minas

Em evento do governo federal para assinatura dos convênios para obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) hoje em Belo Horizonte, o governador Aécio Neves (PSDB) foi vaiado por parte da militância petista ligada aos movimentos sociais presentes ao Palácio das Artes, que estava com todos os 1.700 lugares ocupados.

Nem a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva inibiu as repetidas manifestações dos petistas, sempre que o nome de Aécio era citado e quando foi chamado para discursar.

Aí você pergunta: "o que isso tem de mais?". É que na cobertura do mesmo evento pela imprensa mineira as vaias não são mencionadas...

A pobreza online do Brasil

2007-02-08 18:12:00 +0000

Toda vida eu só acompanhei a movimentação da internet "internacional". Pra mim, acompanhar a internet brasileira era perda de tempo, pois em termos de conteúdo novo ela era, simplesmente, patética.

Recentemente resolvi adicionar alguns sites brasileiros nos meus bookmarks de leitura diária, pra ver se alguma coisa tinha melhorado. Aí hoje eu entro no Rec6 (um dos muitos clones brasileiros do Digg) e dou uma olhada nos 10 headlines...

Três são de conteúdo original. Uma notícia nacional, útil e inédita (pra mim) - e que, ironicamente, saiu do ar, um anúncio do Google Docs & Spreadsheets em português e um "comentário do editor" sobre uso de internet.

Vários outros são replicação de notícia do resto da internet. Nada contra isso: afinal, sites do tipo do Digg existem exatamente para replicar esse tipo de coisa. Acontece que apenas em um deles a notícia replicada vêm mesmo do Brasil. Ou melhor, quase, já que ele repete uma notícia que eu tinha visto na Folha de São Paulo sobre o blog da Wired. O resto dos "repasses de notícia" relatam um novo serviço de hosting da gringolândia, ataques nos DNSs da gringolândia (que eu já tinha visto no Slashdot) ou traduzem artigos dos sites de notícia americanos... Tem também este aqui, que é só uma reedição de um artigo em inglês (que é citado apropriadamente, com todos os créditos, etc).

Digo isso porque outros dois artigos (em destaque, lembre-se bem) são cópia descarada. Este aqui é plágio de um artigo em inglês que estava ontem entre os populares do del.icio.us. O autor simplesmente traduziu o texto e adicionou um parágrafo no fim. O post está como se fosse de autoria dele. Ele não botou nada entre aspas, não falou que está citando outro artigo, e por muito pouco ele não deixa de dar o link para o original. O outro é um artigo (hoje fora do ar) sobre a página inicial da Apple ao longo dos anos. O autor nem se preocupou em avisar que pegou as imagens de um cara do Flickr...

Resumo: de dez links, três eram originais, quatro eram notícias do exterior, um era notícia "quase" brasileira e dois eram plágio. Acho que com isso dá pra vocês tirarem suas próprias conclusões...

O impacto sociocultural da tecla SAP na cultura nacional

2006-03-26 16:49:00 +0000

O problema de viver em um país como o Brasil é que normalmente as pessoas se preocupam com os problemas mais evidentes, como a fome ou a corrupção, e outros problemas tão sérios quanto estes acabam passando desapercebidos.

As regravações traduzidas de músicas, por exemplo.

Exemplos clássicos:

Não me deixe aqui no chão, de Chitãozinho e Xororó, tradução de Don't let me down do Neil Young (eu acho)

O clássico Festa no Apê, de Latino, que é um simples plágio de Dragonstea Din Tei do grupo romeno chamado O-Zone.

Versão em português de Barbie Girl cantada por Kelly Key. Pra dar uma idéia da tragédia, o "uou, uou" do original virou "já vou, já vou" em português.

Mas o pior dos exemplos de traduções eu vi ontem, num restaurante com telão. Tava tocando o DVD do MTV ao vivo com Rita Lee. E aí ela profanou todo o rock'n roll ao cantar I Wanna Be Sedated, dos Ramones. Em português.

Vinte, vinte, vinte quatro horas a mais
Eu quero ser sedado
Nada de amor, nada de paz
Eu quero ser sedado

Me leva pro aeroporto, me bota no avião
Vamo, vamo, vamo, eu hoje tô o cão
Eu não controlo a cuca
Eu não controlo a mão
Oh, não, não, não, não, não

Venceu uma batalha da guerra que causou

2002-11-11 18:18:00 +0000

Hoje eu chego na aula de Spinning e o vestiário está lotado, cheio de homens (incluindo o meu professor) urrando como animais.

É que ontem ele e outro professor da academia estavam saindo dum curso e, pelo que entendi, uns pivetes tentaram assaltar a namorada de um dos professores. Aí, saíram os dois em disparada, pegaram os pivetinhos, encheram de porrada e estavam lá, se postando de heróis e contando vantagens do tipo:

- Nó!! Tinha muito tempo que eu não dava um soco bem dado em alguém!!
- E um dos moleque lá, falou que ia ligar pra polícia!! Peguei a cabeça dele e meti no orelhão, falei: "Então liga agora, palhaço!"

E foi isso, os dois contando, com gosto e detalhes mórbidos, a pancadaria que fizeram, sentindo-se os justiceiros e sendo elevados ao posto de heróis porque foram lá e fizeram com os pivetinhos o que todo mundo, secretamente, morre de vontade de fazer.

Aí eu penso na razão de existirem pivetinhos, lembro dessa "guerra civil fria", o morro com raiva do burguês e o burguês com raiva do morro. Quando os dois se esbarram, é isso, uns pivetinhos apanham, ou um burguês é assaltado e espancado.

Será que nossos amigos professores, covardes espancadores, sabem que a culpa do assalto é deles mesmos? É de todo mundo?