O Primo recomenda: Almanaque Brasil
Não é segredo pra ninguém que eu viajo muito. O problema é que eu viajo REALMENTE MUITO, coisa que fica evidente quando eu vou cortar cabelo no aeroporto de Congonhas e o cabeleireiro já me conhece e chega perguntando se quero "o corte de sempre", ou quando eu abro a revista da Tam de dezembro e, no editorial, ela mostra todas as capas das edições do ano e eu percebo que li TODAS. E com tanta leitura aeronáutica eu posso afirmar, com alguma autoridade, que revistas de avião são bem ruinzinhas.
Grande parte da revista da Tam, por exemplo, é merchandising disfarçado. Você pega e lê uma reportagem sobre Frankfurt (para onde a Tam começou a voar no início do ano), outra sobre Orlando (para onde a Tam Viagens está, convenientemente, vendendo pacotes de férias) e outra sobre o show da Madonna (que a Tam está patrocinando). Essa da Madonna, por sinal, tem um dos PIORES textos que já vi. Quando as matérias e entrevistas são boas é porque são "emprestadas" de outras publicações: a revista da Gol, por exemplo, é feita pela mesma editora que faz a revista Trip e é de lá que sai grande parte do conteúdo. Mas fora isto as revistas são obrigadas a seguir uma linha editorial estilo "agradar gregos e troianos" e acaba virando uma mistura de "Caras" com "Você S/A" e com "Viagem". Não é atoa que o saquinho de vômito fica junto com as revistas...
Então é com muita surpresa que de vez em quando eu encontro uma das melhores publicações da atualidade perdida no meio dessas porcarias: é o Almanaque Brasil, um grande apanhado de cultura e peculiaridades brasileiras. Ao contrário das revistas de avião comuns, onde o texto é muito mais uma distração pra passar o tempo, o "almanaque" é feito para ser lido de verdade, feito para ser leve e divertido mas interessante. E o mais legal é que ele consegue fazer isso pinçando peculiaridades da cultura brasileira - e mais nada. Não se trata de ufanismo defensivo estilo "fora ianques, vamos preservar o que é nosso", é mais num sentido "olha o tanto de coisa interessante que o seu país tem".
E, de fato, ele tem. A revista deste mês, no lugar de entrevistinhas com a celebridade da moda, foi falar com José Júnior, coordenador do AfroReggae. A entrevista é deliciosa: revela a sagacidade do líder que dirige sua obra social como negócio, porque só assim ele consegue ganhar a atenção da molecada de favela antes que o tráfico o faça. Estas matérias mais densas são entremeadas por artigos leves, diversões e curiosidades que talvez nunca aparecessem numa Veja ou Istoé da vida, mas que tem tudo a ver com a proposta da revista - como a divertidíssima história do pessoal do Jogos Perdidos, fãs de futebol que dedicam-se a acompanhar as partidas de times praticamente esquecidos nas terceiras, quartas e quintas divisões do futebol brasileiro (e mundial). A leitura do Almanaque é tão empolgante que eu sempre me pego lendo coisas pelas quais eu jamais me interessaria sozinho, como por exemplo os "causos" de Rolando Boldrim ou as piadas do Barão de Itararé. É que o que veio antes tava tão legal que eu vou lendo no embalo.
Chega a ser difícil acreditar que uma publicação tão boa seja gratuita. E mesmo quem não voa pela Tam pode ler os exemplares passados, inteirinhos, pelo site. Tem também a opção de fazer uma assinatura (meio cara, R$ 8,16 por exemplar) e receber em casa. E mais: o conteúdo do almanaque é licenciado em Creative Commons, podendo ser livremente usado para fins não-comerciais.