Grandes Discos da coleção d'O Primo
Air - Trilha do filme "The Virgin Suicides"

O artista "normal", aquele que grava e lança discos em vez de trabalhar como compositor profissional de trilhas, passa maus bocados quando é chamado para fazer música para um filme. Após anos de destaque, compondo livremente, sem amarras, o cara é obrigado a fazer música de fundo para o trabalho de outra pessoa e, normalmente, fracassa.
Em "The Virgin Suicides", fica difícil dizer se o Air fracassou ou não, porque toda a minha opinião do disco foi construída antes de ver o filme. Na verdade, tudo o que eu sabia do filme era que ele se chamava "As virgens suicidas" e que contava a história de cinco irmãs que se suicidaram. Mais nada. Assim sendo, tudo o que eu tinha nas mãos era uma pergunta: Como seria o universo musical de virgens suicidas? E é isto que o Air responde de forma magistral...
O duo francês compôs como qualquer compositor de trilha sonora: desenvolveu o disco inteiro ao redor de um tema melódico único, manteve a sonoridade "arredondada", os timbres uniformizados num formato básico de órgão-vibrafone-guitarra-bateria-baixo, sem destaque para nada, para não brigar pela atenção do público com o resto do filme. Mas ao mesmo tempo em que formatou seu modo de compor para atender o cinema, o Air manteve a sua identidade musical retrô-moderna, atmosférica e suave. A soma disso com um tema intenso como o do suicídio - e os sentimentos misturados que se relacionam com ele - fez com que a trilha de "As Virgens Suicidas" se tornasse um disco de rara intensidade e beleza.
Praticamente todas as faixas são música "de fundo", discretas, feita para completar e ilustrar ao invés de aparecer e se destacar. Mas apesar da discrição, todas possuem uma carga sentimental forte e inocente da depressão adolescente, devida em grande parte ao tema melódico básico: forte, bonito, mas infinitamente triste. Conforme ele se repete ao longo das faixas, toda aquela ansiedade típica de suicida vai se remexendo entre um som e outro. O Air, definitivamente, acertou em cheio.
Curiosamente, o filme (que nem é lá tão bom) usa muito pouco as músicas que estão neste disco. Talvez porque a diretora (Sofia Coppola), no roteiro, optou por uma abordagem pouco emocional e mais documental para contar a história das cinco irmãs. Já o pessoal do Air foi todo emoção: "Suicide Underground", antepenúltima faixa do disco, usa uma longa narração do filme e a ilustra com a música, formando uma obra-prima que mostra até onde o filme poderia ter ido e não foi.
So - So

Primeiramente, não. A banda não se chama "So-so" (que significa "mais ou menos", em inglês). A banda chama-se "So", e o disco tem o mesmo título.
Eu já mencionei este disco aqui no blog várias vezes, e vou mencionar de novo. "So" é um projeto de Markus Popp (Oval) com Eri (Microstoria). O disco tem 10 faixas sem título, compostas de MUITO ruído, sons desconexos, um pouco mais de ruído, blips ocasionais e a voz de Eri (cantando em japonês e ao violão) processada eletronicamente até o extremo. E é um disco que me abriu os olhos para o quanto a música pode ser bonita quando é apreciada pelo que ela é, sem influência cultural ou expectativas oriundas de velhos paradigmas.
A primeira audição de "So" é profundamente incômoda, porque nenhum som é amistoso. A digestão daquela massa amorfa de barulho ácido não é fácil. No entanto, o esforço para vencer a rejeição inicial compensa muito, porque aí fica possível perceber o que é, na verdade, aquela barulheira toda. Os ouvidos, "desconvencionalizados", percebem a ternura no cantar de Eri, a suavidade dos movimentos harmônicos, a beleza própria, substancial, de cada um daqueles sons desajeitados. Tudo está lá, mas coberto por uma aparência que a princípio parece desagradável, mas que na verdade poderia ser melhor descrita como "complexa" ou "densamente elaborada".
Uma vez confortável com esse universo musical diferente, quem ouve "So" vai conseguindo perceber cada faceta da complexidade toda, e tendo surpresas novas a cada audição - mesmo depois de muitas audições. Até a capa reflete esta temática do belo escondido atrás do tosco, que se mostra pra quem tem "olhos de ver": o que, a princípio, parece ser apenas rabiscos, é na verdade o desenho de um grande navio.