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Retrospectiva 2013

2013-12-20 15:28:26 +0000

Eu me lembro de tudo desse dia - menos do ano. Um chute mais ou menos calculado diria que foi há dezessete anos, em 1996. Eu tinha 18 anos e estava começando a faculdade.

Eram seis e pouco da manhã de uma terça-feira e eu seguia com mais uma tentativa frustrada de me acostumar a fazer exercícios físicos: havia me matriculado numa aula de natação na piscina do Colégio Santo Agostinho, ainda em Belo Horizonte, onde estudei durante o ensino fundamental. Mas naquele ano eu já era maior de idade e tinha um Uno Mille 1.0, que por sua vez tinha uma coisa muito importante: um toca-fitas com auto-reverse.

Morrendo de sono, irritado e arrependido da ideia idiota de fazer natação de madrugada, resolvi colocar a fita com uma cópia do "Millions now living will never die", do Tortoise, que havia sido lançado naquele ano. Eu nunca havia ouvido Tortoise até aquele dia, por isso gravei a fita de um dos CDs do meu primo.

Importante lembrar que, no ano de 1996, desvendar o universo musical não era fácil como hoje. Mas, felizmente, a minha tendência de não-conformidade musical já estava valendo: enquanto todos os meus amigos achavam o rock do Metallica o máximo, eu gostava era de ver os videoclipes da madrugada na MTV. Lembro que foi assim que cheguei ao Sonic Youth, por exemplo: vi o clipe de Little Trouble Girl e fiquei fascinado com aquele som "errado" das guitarras, e a atmosfera ao mesmo tempo familiar e incômoda que elas construíam. O lado B do universo musical ia ficando cada vez mais fascinante.

Felizmente meus primos estavam na mesma pegada, e foi com eles que eu ouvi falar pela primeira vez em uma coisa chamada pós-rock, e foi daí que eu cheguei ao Tortoise.

Os 20 minutos do trajeto de carro até o colégio encaixaram certinho com "Djed", a longa e intrincada faixa que abre o álbum. Ela começa como uma banda normal de baixos e guitarras mas de repente um dos bateristas assume um vibrafone e a música se transfigura, metamorfoseando timbre, ritmo e estrutura. "Rapaz, isso é bom mesmo", pensava eu enquanto estacionava o carro e a música ia acabando.

Aí veio a segunda faixa, chamada Glass Museum, que é o motivo de eu estar escrevendo este post enorme e relembrando esta manhã sonolenta dos meus dezoito anos - e tudo que aconteceu desde então. Eu já ia descer do carro e ir pra aula quando Glass Museum começou a tocar.

Mas, como disse, eu não sou bom de memórias. Não me lembro de muita coisa nessa vida. Esqueço quantos anos de casado eu tenho, nunca lembrei o dia do aniversário de nenhum amigo... mas me lembro perfeitamente dos cinco primeiros segundos de Glass Museum naquela manhã. Lembro da sombra que a árvore do canteiro central fazia sobre o capô do Uno Mille, parado a 45 graus na rua íngreme do colégio. Lembro do display âmbar e de todos os botões da frente do toca-fitas, do macete de apertar "FW" e "REW" ao mesmo tempo pra ele inverter o lado da fita. E nunca vou esquecer do arrepio que me subiu dos calcanhares até a nuca por cinco longos segundos. Foi a maior epifania musical que já tive na vida.

O motivo técnico de tamanha surpresa é que, musicalmente falando, logo no início Glass Museum quebra todas as "regras informais" do rock que eu havia ouvido até aquele dia. O compasso da música passava longe do "um dois três quatro" básico, a mistura das guitarras com o vibrafone era inédita, a estrutura não seguia o clássico "verso-refrão-verso" de sempre. Aquilo era completamente diferente de tudo que eu já havia ouvido - e por isso era incrivelmente lindo.

E o mais interessante desta nova beleza é que ela evidenciava todo um novo universo de criatividade estética que só é possível encontrar quando se sai do lugar comum musical. Musicalmente falando, naquele momento eu me senti como um cego que passou de repente a enxergar e que fica, ao mesmo tempo, assustado e fascinado porque descobriu que o mundo não é apenas aquilo que ele achava que era: ele é muito mais. Foi uma espécie de expansão sensorial do meu conhecimento musical.

Não demorou muito e eu desisti de fazer aulas de natação de manhã cedo. Por outro lado as madrugadas na MTV e as cópias piratas em fitas cassete aumentaram drasticamente. E o Tortoise transformou-se na minha banda preferida.

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Daí tudo foi mudando. Mudou a cidade onde moro, mudou meu estado civil, mudou até meu emprego - duas vezes só este ano, e vai mudar ainda uma terceira vez, quando eu arrumar outro trabalho. Este talvez tenha sido o evento mais marcante de 2013: deixei a publicidade em novembro e não pretendo voltar.

2013, definitivamente, não foi um ano bom. Talvez ele tenha sido o pior ano desde que comecei a fazer retrospectivas aqui no blog. Tentando entender onde foi que a coisa toda começou a dar errado, passei algum tempo revendo posts antigos e levei um susto grande ao perceber que, no processo de me tornar uma pessoa completamente diferente do moleque de dezessete anos atrás, aconteceu uma mudança muito, muito séria: eu parei de sonhar.

O principal motivo disso é o tanto de podridão que vi ao longo destes últimos anos. Eu tive que lidar com situações estapafúrdias e com um sem-número de gente má e oportunista, e isso foi profundamente desgastante. Em 2013, por exemplo, eu cheguei a ter um chefe que estava roubando dinheiro da agência. E como diz o ditado, quando você olha pro abismo o abismo olha de volta para você, e acabei me contaminando com essa visão torpe de mundo. Bethania até me apelidou de Boris, o personagem neurótico e misantropo do "Tudo Pode Dar Certo", do Woody Allen.

Mas este pessimismo todo é apenas o sonho de antigamente com a polaridade negativa. Basta inverter. Está na hora de me reacostumar a ver o mundo com aquele olhar mais simples de dezessete anos atrás.

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No mês passado, enquanto fazia uma pausa no envio de currículos pra dar uma passada de olho no Facebook, vi que o SESC anunciou nada menos do que quatro shows seguidos do Tortoise em São Paulo. Não pensei duas vezes e comprei ingresso para ir a todos eles, mesmo porque a promessa era de um setlist diferente em cada um dos dias.

Com isso eu comecei a pensar na possibilidade de realizar um sonho antigo: ouvir Glass Museum ao vivo. O impulso inicial foi de não alimentar muitas esperanças disso acontecer. "Expectativas levam ao desapontamento!", era o que eu sempre dizia. Além do mais, àquela altura a banda já tinha décadas de estrada e repertório suficiente pra não precisar ficar ressuscitando músicas dos primeiros álbuns.

Apesar dos ingressos esgotados, muita gente não foi e logo no primeiro dia eu consegui me sentar na primeira fileira, e o teatro do SESC era tão bom que eu me sentia como se a banda estivesse tocando na sala da minha própria casa. E foi assim que vi o show em todos os quatro dias: colado na banda e confortavelmente sentado numa poltrona tipo de cinema.

Foi demais. O Tortoise é outra coisa ao vivo. Começa pelo fato de que o setup deles, além dos vibrafones e sintetizadores, usa duas baterias completas, uma de frente pra outra, no meio do palco. Quando eles as tocaram, juntas, em "Monica" - que é uma das músicas que eu também queria muito ver ao vivo, depois que vi este vídeo deles tocando em Barcelona - eu fiquei maravilhado. Ao longo dos shows muitas outras coisas ficaram evidentes. Por exemplo, eu nunca tinha reparado em como as músicas do Standards - o disco com a bandeira dos EUA na capa - soam mesmo norte-americanas, e isso só ficou evidente quando finalmente vi aquelas caras branquelas, caucasianas, fazendo a música acontecer. Também entendi um pouco mais do álbum mais recente, o "Beacons of Ancestorship", que com sua pegada mais barulhenta e guitarreira está de fato reverenciando as estrelas ancestrais do punk rock. E essa epifania toda veio só pelo fato do John Herndon ter tocado num dos dias usando uma camiseta do Black Flag.

Mas no meio disso tudo o sonho de Glass Museum continuava: em todos os silêncios que precediam uma nova música, eu olhava pra guitarra de Jeff Parker, pra ver se ele daria as mesmas seis notas que ouvi dentro do meu Fiat Uno, naquela manhã de 1996, e que iniciaram um novo ciclo na minha vida.

Foi no terceiro show, o de sábado. Naquele momento o péssimo ano de 2013 foi, oficialmente, encerrado. Dezessete anos depois, chegou a hora de voltar a sonhar.

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Você não precisa nem do seu nome

2012-08-19 14:47:34 +0000

Toda vez que eu escuto o podcast do The Hype Machine eu acabo tendo altos insights, não apenas sobre música mas sobre um monte de coisas.

O podcast tem um quadro onde eles entrevistam gente da "blogosfera musical" e pedem indicações musicais. Na edição de agosto os entrevistados foram os caras do No Fear of Pop, e eles contaram uma história fantástica...

Eles receberam um email anônimo, de uma linha, dizendo apenas: "oi, eu sou um produtor anônimo e esta é uma das minhas músicas". Foram ver e a faixa era tipo um pós-UK-grime estilo Burial, mas muito bem produzido, e então eles acabaram postando a música. E a partir daí toda semana foram recebendo outros emails anônimos com mais faixas.

E acabou que esse cara totalmente anônimo foi a recomendação musical deles no Hype Machine. Foi curioso ouvir o locutor anunciando: "All right, let's check it out, this is 'unknown' on Hype Machine Radio".

Pensa bem: um cara anônimo produziu umas coisas em casa, mandou um email pra um casal de blogueiros berlinenses e isso foi parar em vários outros ouvidos mundo afora - simplesmente surfando no hype. Não foi preciso nenhuma divulgação, jabá, publicidade, endosso de celebridade, nada. Não precisou nem do nome do compositor.

E é interessante como a "máquina do hype" é poderosa. No mesmo podcast comentaram sobre o disco novo do Tame Impala que sai em outubro e dizendo que a banda soltou alguns singles online e os blogs todos repostaram. E só então me toquei que eu nunca vi sequer um bannerzinho em flash em nenhum canto da internet dizendo "Ouça o novo do Tame Impala". O fato é que, fora do mainstream, simplesmente não existe publicidade para bandas e ainda assim o Tame Impala lotou o Cine Jóia aqui em SP semana passada.

O que me leva a crer que há uma grande chance de que a minha nova profissão não exista mais daqui a algumas décadas.