Poucos minutos antes das 14h, entramos na fila para o “passeio lunar” – botar as crianças num colete, penduradas com roldanas e contrapesos, pra sentir a diferença gravitacional. Enquanto esperávamos, dei uma olhada nas outras exposições do museu de ciências e notei uma mesa de vidro com uma janela quadrada, cuidadosamente iluminada. Quando olhei dentro, havia uma fina camada de névoa e, nela, incontáveis rastros surgiam e desapareciam. Eram rastros de todos os tipos – uns sinuosos, outros retos e grossos, outros longos e finos. O texto ao redor da caixa dizia que aquilo era uma câmara de nuvens, e as linhas eram o resultado de partículas de radiação ionizante cruzando a névoa. Lembrei de já ter visto um vídeo disso, há muito tempo, mas sempre achei que fosse coisa complicada de laboratório e nunca imaginei ver uma dessas com meus próprios olhos.

Era do caralho. Eu poderia ficar horas olhando aquela caixa. As linhas sinuosas são elétrons de baixa energia, e eles são assim porque colidem com os núcleos das partículas de gás e ricocheteiam por todos os lados – ou seja, eu estava vendo colisões de partículas com os meus próprios olhos.


Vinte minutos depois das perguntas introdutórias – já tínhamos falado da minha idade, histórico familiar, histórico médico e outras coisas chatas – a nova psicóloga perguntou: “então, por que você está buscando terapia cognitivo-comportamental?”

Depois de trocar a medicação para depressão, ficou claro que os SSRIs estavam funcionando porque estavam reduzindo a intensidade de tudo; eu não me sentia mais miserável… mas também não sentia nenhuma alegria ou satisfação de verdade. O CBD também me impede de me sentir miserável, mas com ele eu ganhei uma percepção muito melhor do que estou realmente sentindo. E também ficou claro de onde isso vem: nos dias bons você fica igual Gilberto Gil, achando que “tudo vai dar pé”, e em dias ruins, consigo ver claramente o padrão de pensamento negativo: tá ruim, e as possibilidades todas são que o negócio vai piorar, o que me deixa mal, e me faz pensar em novas possibilidades de piorar, e lá vamos nós ladeira abaixo na espiral da desgraça.

A psicóloga fez uma cara esquisita e mudou o tom de voz – acho que ela tava passando do “modo padrão” pro “modo terapeuta” – e disse: “Então você está olhando para o futuro através dessa bola de cristal na sua mão… e a bola de cristal é preta. Mas tem outra bola de cristal na outra mão, onde tudo é positivo e brilhante. Qual é a cor dela?”

“Ahm, é… transparente?”, respondi.

“Tá. Mas também existe uma terceira bola de cristal bem no meio, e essa é neutra”. Essa parte eu não esperava. “A gente vai falar mais sobre isso ao longo das sessões”, disse ela.


As linhas sinuosas são elétrons de baixa energia, as linhas espessas são partículas alfa, e as linhas longas e retas são (provavelmente) múons. Eles estão viajando ao nosso redor, o tempo todo, todos os dias. Massa e energia, circulando, alheias ao que está acontecendo conosco. Por um momento, pensei na alegria ou na tristeza como cargas elétricas nos neurônios, como hormônios entrando e saindo das células. O mundo natural é indiferente às nossas conquistas, às nossas lutas ou a qualquer coisa feita em nome da alma humana.

Agora são dez da noite. O museu está vazio e escuro. As partículas continuam voando, inacreditavelmente velozes, independentemente de como eu estou me sentindo em frente a esse teclado.