Uma das coisas estereotípicas que fizemos na última visita ao Brasil foi visitar médicos, já que o “SUS Canadense” nem passa perto da variedade e acessibilidade que o BR oferece.

Levamos o Tom numa pediatra. No início eu torci o nariz porque achei que era um desses “médicos de Instagram”, mas a Bê garantiou que não era só fachada e, de fato, depois de umas consultas virtuais, ela parecia mesmo ter uma abordagem super moderna e focada no que há de mais recente em pesquisa científica. Aí aproveitamos a ida pro Brasil pra uma consulta presencial.

Parte da abordagem diferenciada dela é avaliar não somente o moleque, mas também a família - tanto que, pra discutir o desenvolvimento do Tom, ela fez inúmeras perguntas sobre a nossa abordagem como pais. Na idade dele ainda há uma dependência grande nossa para coisas como regulação emocional, comportamentos pró-sociais, etc. Inevitavelmente, a conversa chegou na minha depressão. A médica me fez as perguntas básicas de medicação, e emendou com um comentário surpreendentemente bem informado:

“O duro da depressão nos pais é que ela é uma forma de congelamento. O emocional fica todo paralisado. E aí os filhos chegam pra gente cheios de energia, nos pedindo vida, e aí não temos como corresponder”.

Eu penso muito em como é difícil explicar depressão pra quem nunca passou por isso. É tipo explicar cores pra quem é cego. Por isso, foi um certo alívio ver que eu estava com alguém que, de fato, compreende as nuances do problema - o que me deixou à vontade pra me abrir um pouco na resposta:

“Pois é, a minha maior dor de pai é essa, a de não conseguir corresponder a ele”.

Aí eu olho pra pediatra e ela tá com lágrimas nos olhos. Olho pra Bê, também com lágrimas nos olhos. E eu lá, emocionalmente analfabeto, pensando: “peraí, é pra eu chorar também?”

Choros à parte, a consulta segue e ela, casualmente, solta a prescrição mais inesperada de todas:

“Ok, pra tratar a depressão você deveria começar a usar a canábis”

Meme do "blinking guy"

Eu tava esperando ela continuar a frase com algo tipo “agora olha ali pra câmera escondida”, mas ela confirmou que a coisa era séria: “Pode ser só o CBD, que é o princípio ativo que não te deixa chapado. A dose é de 20mg no mínimo e pode aumentar até 60mg no máximo. Onde vocês moram é legalizado, não é?”


Lá em 2018 eu já não ia bem de saúde mental, e acabei indo visitar o Dr. Google pra explorar possíveis tratamentos com embasamento científico. Foi a época que experimentei com meditação, com ótimos resultados, mas que não deu pra sustentar pela falta de tempo(*). E, veja você, desde aquela época as pesquisa já indicavam o CBD como um tratamento promissor.

Maconha tem, basicamente, dois princípios ativos: o THC, que afeta a mente e te deixa doidão, e o CBD, que afeta o corpo de forma calmante e que, supostamente, tem efeito ansiolítico e antidepressivo. Aqui tem mais detalhes.

Na época o Canadá estava há alguns meses do parlamento passar a legalização. Com isso, a polícia já não ligava mais pro assunto, o que provocou um certo boom de lojinhas abrindo pelas cidades. E nessa, confesso, resolvi queimar a largada (hein, pegou essa) e comprei um frasquinho com 300mg de óleo de CBD. Um grande erro, já que, sem garantia de procedência, muito possivelmente me venderam azeite de oliva, já que ele não fez nenhum efeito e, portanto, considerei o tratamento inefetivo.

Depois da legalização eu experimentei a coisa novamente algumas vezes. Eu estava tentando achar uma alternativa mais saudável do que o álcool para momentos recreativos. E fumar é ruim, suja o pulmão e é pouco prático, então eu fui de comestíveis - ou, mais especificamente, “bebíveis”.

Duas latinhas de bebidas com CBD

Aqui eu cometi outro erro. As opções que experimentei eram todas baseadas só em THC. Aí eu tomava, ficava doidão e super ansioso e paranóico. Só me sobrou concluir que não tinha vocação pra maconheiro e desistir. Mal sabia eu que isso é efeito conhecido de se tomar THC sem CBD junto, já que o CBD “modula” o THC e minimiza efeitos nocivos como - adivinha? - ansiedade.

Mas só fui descobrir isso agora, seis anos depois, depois da pediatra ter me soltado essa recomendação estapafúrdia. Fui no Dr. Google novamente e, depois de me atualizar das últimas pesquisas sobre o assunto, finalmente percebi os erros anteriores.

Chegou, então, a hora de dar uma nova tentativa na alface do capeta - dessa vez sob recomendações médicas.


A experiência do dispensário (a “loja de maconha”) é uma coisa muito surreal. A começar pela aparência: a lei manda que o estabelecimento não tenha vitrine e que o interior não seja visível da rua, então eles sempre tem uma certa aura de mistério. Aí você entra e a coisa tem uma estética meio loja de maquiagem meio desenho do Scooby Doo. Tem produto de todo tipo: acessórios, roupas, parafernália pra fazer baseado e o escambau. Mas tudo detrás do balcão, então você escolhe o que quer e um cara da loja pega pra você. E é no dispensário que eu sempre recebo, de longe, o melhor atendimento de todos os lugares nos quais faço compras. Todos os funcionários são incrivelmente simpáticos e te atendem super bem.

Outra coisa legal é o público que está na loja quando vou lá. Como já dizia o Rappa, de fato, “vem maluco, vem madame, vem maurício, vem atriz” pra comprar. Outro dia eu tava na fila logo atrás de uma velhinha com cara de quem saiu de casa pra ir pro bingo.


Dentre os muitos aspectos nocivos da depressão, um que eu acho particularmente complicado é a perda da sua referência pessoal de humor. Uma pessoa saudável tem seu patamar “padrão” de temperamento; dias normais, dias bons e dias ruins. Na depressão, os dias ruins lentamente se tornam o “novo normal” e, de tanto oscilar entre dias não-tão-ruins e dias péssimos, você acaba achando que a vida sempre foi assim.

Meu dia “normal” era estar cansado o tempo todo, como se seus braços e pernas pesassem o dobro e como se tivessem escamas coladas nos olhos, deixando tudo meio borrado e sem cor. Tomo um café pra dar uma animada e… nada. Tudo é irritante, nada tem um lado bom. “Aff, a Bê estacionou o carro errado de novo”. “Que saco esse povo do trabalho sem iniciativa pra nada”. “E esses brinquedos estúpidos do Tom, entupindo o meio ambiente de plástico inútil”, e por aí vai. Coisas anteriormente prazeirosas, como ouvir música, ficam sem sal ou, também, irritantes.

Comecei com uma dose pequena de 25mg de CBD. Levou uma hora e meia pros efeitos aparecerem, e as primeiras impressões foram, basicamente, a surpreendente lembrança de como eram meus dias normais. “Caralho, era assim que eu me sentia normalmente??”. O corpo volta a ter ânimo pra se mover. Os olhos vêem melhor. Você volta a ter vontade das coisas, volta a estar presente na própria vida, a registrar a felicidade quando algo feliz acontece. As coisas irritantes, como o menino dando faniquito pra ir pra escola, ainda irritam, mas agora elas tem dois lados: “criança é assim mesmo, logo passa”, ao invés de “minha sina é lidar com isso até a morte chegar”. E tudo com zero efeitos psicoativos, então dá pra trabalhar, dirigir, brincar de Lego com o menino pela vigésima vez, tudo sem problemas.

Bethania resumiu bem a coisa outro dia, ao olhar pra mim e dizer: “Ei, você voltou!”.


Tudo é lindo e promissor por enquanto, mas vale reforçar pontos importantes:

  • Resultados de curto prazo não adiantam nada se não forem sustentáveis no longo prazo - ainda preciso ver se meu corpo não vai desenvolver tolerância e, especialmente, como eu reajo sob abstinência (um cenário bem plausível se, por exemplo, eu viajar de férias).
  • Isto não é uma recomendação médica e o que está funcionando pra mim pode não funcionar pra você.

(*) - outro motivo que me desanimou da meditação é que comecei a usar o método dum cara chamado Culadasa, no seu livro “The Mind Illuminated”. O livro é excelente, didático e com viés científico ao invés de místico, o que eu prefiro. Aí vai que no meio de aprender o método do Culadasa, estoura um escândalo de que ele estava traindo a esposa e gastando uma grana preta com amantes e prostitutas (é sério)