Era sexta-feira e eu estava entrando no avião para voltar pra casa. Os cinco dias de trabalho da semana haviam sido absolutamente caóticos e tanta coisa complicada e estapafúrdia havia acontecido que minha cabeça estava tentando amarrar as pontas soltas e conceber alguma sequência lógica, algum significado de dentro daquela bagunça completa que havia sido minha semana. Até que as duas pontas dos fones foram inseridas dentro dos ouvidos e me veio a epifania que, agora, culmina neste post e que tentarei (ou possivelmente falharei em) detalhar nos parágrafos a seguir.

balmorhea

Primeiro, consideremos a necessidade humana de atribuir sentido a tudo. É natural, biológico; o que nos torna humanos é a insistência do cérebro em contextualizar tudo com o qual tem contato, em buscar padrões, entender processos, motivos, razões. Se você pergunta as horas a alguém e esse alguém responde “desculpe, não sei falar português”, você será automaticamente capturado pelo nonsense de uma resposta como essa e tentará desesperadamente conceber alguma razão para que a pessoa tenha respondido aquilo – mesmo que esta razão não exista. Ou você conseguirá simplesmente ignorar uma resposta como essa? Por alguns instantes, pelo menos, aquela pessoa terá domínio total e completo da sua mente. É por essa insistência do cérebro em produzir sentido que as pessoas vêem borboletas em testes de Rorschach, concluem que :) é um sorriso ou ouvem mensagens satânicas em discos da Xuxa reproduzidos de trás pra frente.

E então temos a música – e não se sabe até hoje ao certo pra que fim prático ela serve ou por que diabos o ser humano resolveu se expressar através dela. Música não é necessária como comer ou dormir, música é efeito mas não é causa, é um fim em si mesma. Música, em essência, não faz sentido - nem sequer estruturalmente. Ao escrever este parágrafo, por exemplo, meus fones tocam “We will rebuild with smooth stones”, música do Balmorhea (que empresta uma de suas capas de disco para ilustrar este post). É uma música tocada por dois violões e apenas por eles. São grupos de sons tocados em tons e volumes diferentes, às vezes ritmados e repetidos – uma descrição que poderia servir para descrever também o barulho de um canteiro de obra.

Mas no final daquela sexta-feira caótica, num mundo que lhe obriga a questionar o tempo todo qual o propósito das coisas que você gasta o dia fazendo – e onde, em vários momentos, esse propósito simplesmente não existe – é que a música nos fones de ouvido apareceu como algo reconfortante, como uma entidade de um universo aonde é permitido não fazer sentido. E isso é a melhor coisa sobre música: é uma das únicas coisas que pode existir confortavelmente sem porquê ou ser sem razão de ser.

A melhor coisa da música é que ela não precisa fazer sentido.