“Igualzinho filme”, pensou. Havia lua e o reflexo dela nos paralelepípedos da rua deserta e úmida do sereno das duas da manhã e aquele silêncio solene que a cidade faz quando sonha e quando todos dormem. Era como se ele estivesse no sonho de todos os que dormiam. “Sim, igualzinho filme”. Mas era a noite real de uma quinta-feira de uma semana que (por uma questão de escala de plantão) não tinha sexta-feira útil e portanto foi bem gasta entre amigos, cervejas e uma ou outra tacada de sinuca. Aí os amigos se foram, as cervejas também e no fim só sobrou aquela cena de filme pintada no caminho de volta pra casa. Feito à pé, sem pressa.

(e após alguns minutos de reflexão temos as seguintes opções para continuar a história):

brainstorm 1. Ele encontra uma moça, sozinha, sentada no meio-fio, chorando. Segue-se uma breve descrição da moça e um longo diálogo que faz um paralelo entre o vazio de ambos os personagens e o vazio da madrugada.

2. Ele chega a um cruzamento e, subitamente, percebe que esqueceu aonde mora. Esqueceu COMPLETAMENTE, e sem razão, e sem aviso. O texto vai ficando mais denso para demonstrar o pânico crescente do personagem. Progressivamente ele vai se esquecendo de cada vez mais coisas, como se suas memórias fossem se esfacelando de repente, até que o texto vai ficando cada vez mais truncado (indicando que ele está se esquecendo de como se fala e como se pensa), até acabar.

3. Ele tropeça num cabo e percebe que o cabo é de um refletor e que o refletor é de um cenário de filme. E, sim, aquilo era mesmo um cenário de filme. A descrição do personagem muda para situá-lo como um ator num set, o texto descreve alguma coisa adicional do cenário do filme (o diretor dando ordens, as figurinistas correndo, etc.) e, quando o leitor está convencido de que na verdade ele é ator, o diretor grita: “alguém avisa pro faxineiro ali que ele está no meio do set”. E o texto passa a descrever o personagem como, de fato, um faxineiro divagando que é ator no meio do set e que após o grito do diretor é forçado a voltar a pensar na sua vida real, no salário ridículo, nos dois ônibus mais metrô que ele vai pegar daqui a pouco pra voltar pra casa, etc. Eu até poderia bolar mais uma mudança para o personagem, mas aí começo a cair nos clichês (ele estava sonhando, ou ele é MESMO um ator num filme representando um faxineiro que pensa que é ator que pensa que é um transeunte na madrugada), o que indica que é hora de parar.

4. Eu reescrevo o primeiro parágrafo pra deixar o personagem ainda mais boêmio, farrista e beberrão. Na sequência ele conclui que quer aproveitar mais a noite e se envolve em mais alguma atividade ilegal/imoral (prostitutas, drogas, etc.) até a manhã chegar. A essa altura ele está totalmente de ressaca e moído pela noite desregrada, então corre para o chuveiro, se ajeita como pode e retoma sua rotina diária, aonde encontra algum colega que vira para ele e diz: “Bom dia, Padre Marcelo. Agendei pra hoje a gravação do programa do terço bizantino do próximo domingo, tá?”. Mas essa ideia eu já usei nesse texto aqui.

5. O personagem se encontra com ninguém menos do que Paulo Coelho, que começa a lhe contar uma história (daquelas com moral zen) completamente sem sentido. Algo tipo: “Um monge plantava sementes de abóbora quando seu mestre vem e lhe diz: ‘sê como a semente, que se parte quando vê a luz do sol, mas se dobra quando sente o calor da mãe-terra’”, etc. Aí a história termina com o discípulo dizendo ao mestre:

- Mas, mestre, isso aqui não é uma plantação de abóboras, é uma sorveteria.
- Sorveteria?
- Sim.
- Ah. Hmm… tem de creme?

E aí um link no final explica que o final do texto é uma homenagem aos vários textos do Dequejeito que terminavam exatamente assim.