O sopro divino da criatividade
Semana passada a dignísssima esposa (agora @be_duarte no Twitter) mandou um link de um vídeo de uma palestra sobre criatividade, feita por Elizabeth Gilbert, autora de um best seller chamado “Eat, Pray, Love”.
Cê viu que eu sacaneei e o vídeo não tem legendas e está em inglês, mas na palestra a autora falava de como ela dissocia de si mesma o impulso criativo, tratando-o como uma coisa separada, algo como que uma torrente de idéias externa à sua mente, sob a qual ela não tem o menor controle, que caem sobre ela sem aviso e que ela deve transpor para o papel. Ela diz ainda que isso é coisa que vêm desde a Grécia e Roma antigas, aonde os artistas e filósofos diziam haver um “gênio” ou “demônio” (daemon) que lhes acompanhava e lhes sopravam as idéias. Além dela outros artistas também costumam funcionar mais ou menos do mesmo jeito, como a poetisa americana Ruth Stone ou o cantor Tom Waits. Este último, conta ela, chegou ao ponto de uma vez, ao ter uma idéia para uma melodia enquanto dirigia, parar o carro e gritar aos céus: “Não está vendo que eu estou dirigindo e não tenho como anotar isso?”.
O que me surpreende nessas histórias é que não é só Tom Waits e Ruth Stone e Elizabeth Gilbert que pensam assim: muita gente fala exatamente do mesmo jeito ao explicar seu processo criativo. Hoje mesmo eu e Tiagón (a quem tive a HONRA de conhecer ao vivo esta semana), na mesa do boteco, falávamos exatamente disso, de como é complicado transpor as idéias que vêm às nossas cabeças em forma de música, ele no All Your Gardening Needs e eu nas minhas viagens musicais anteriormente publicadas sob a alcunha dos Bit Cousins.
Então, é aí que está a mágica da coisa: eu acho curiosíssimo perceber que essa idéia de “idéias como um troço separado da sua mente, que vêm de repente” é meio que um meme, extremamente comum em várias eras, em gente de tudo que é parte do mundo e tanto em figurões da música e literatura quanto em, digamos, “compositores caseiros pouco relevantes na meritocracia informal da música”. E, em tese, isto não tem razão nenhuma de ser tão comum. E isto casa certinho com outra característica comum aos grandes gênios: a excentricidade (Excêntrico = afastado do centro).
E mesmo em pleno século XXI e no meio do meu período de vida mais cético, ainda assim eu me vejo obrigado a pelo menos considerar a possibilidade – remota mas bem interessante – de que a criatividade possa ser, de fato, um sopro divino sobre nossas cabeças mortais.
P.s.: A palestra da Elizabeth era uma das famosas TED Talks, que tem inclusive um canal no YouTube com várias delas legendadas em português.