Então eu tinha pousado em Cuiabá e estava percorrendo os 200km restantes até Ovomaltino, com o motorista do canteiro de obra. Obviamente ele tinha ligado o rádio do carro e, obviamente, tava tocando algum sertanejo tosco, então antes que me desse algum dano cerebral permanente eu liguei o PSP, botei os fones e fiquei jogando Luxor.

Foi por isso que eu respondi sem pensar, dizendo que “qualquer lugar tava bom”, quando ele me perguntou se a gente podia parar pra almoçar. Percebi meu erro só depois de descer do carro e perceber que eu havia parado no município de Jangada, no interior do Mato Grosso. Na minha frente havia apenas a estrada, um monte de caminhões estacionados e uma casinha bem no meio delas. Era o restaurante.

Sim, meus caros. Sabe aqueles restaurantes que você vê na beira da estrada quando está viajando? Aqueles onde na entrada alguém escreveu “COMIDA CAZEIRA” num pedaço de papelão e pregou na varanda? Pois é…

Sabe, eu já comi em lugares toscos, mas aquele era, de fato, autêntico: era um legítimo restaurante de caminhoneiro…

caminhoneiro

Eu me sentei, olhei em volta e percebi que eu era o único “não-caminhoneiro” do lugar. O pessoal da mesa da esquerda (na foto) era praticamente um cosplay do estereótipo do caminhoneiro: roupas velhas e furadas, chinelo, barba por fazer, unhas sujas de óleo e tudo. A decoração do lugar se resumia aos cartazes de propaganda de refrigerante e mais nada. Ao fundo uma tevê de 14 polegadas, mal sintonizada, passava o Jornal Hoje. O cheiro de gordura era onipresente. O calor de mais de 30 graus também.

Uma criança de uns 12 anos, de avental e touca e rosto brilhante de suor, que obviamente era a filha da dona do lugar, me abordou:

- Já foi atendido?
- Err… não.
- Vai almoçar, né?

E, de novo, eu vacilei para responder. Pelo jeito que ela perguntou ficou óbvio que só havia uma opção de comida. Mas por alguma razão minha cabeça ainda estava no fluxo normal de restaurante, com cardápio, escolha do prato e tal. Mas creio que não pensei nisso por burrice ou lerdeza, e sim porque meu cérebro estava muito ocupado sentindo-se perplexo com aquilo tudo.

A opção de comida era bem farta: uma tigela de arroz, uma de feijão, salada de alface e tomate, um vinagrete esquisito e – tcharan! – uma carne na chapa com cebola e mandioca.

caminhoneiro2caminhoneiro3

Repare na coca de 1 litro em casco de vidro retornável. Eu nem sabia que ainda vendiam refrigerante assim…

Para tornar o almoço ainda mais… “desafiante”, minha mesa dava de frente para a cozinha. Eu não tirei fotos, mas a cozinha era apenas um anexo da casa, coberto por um telhadinho mas todo aberto nas laterais, com um fogão industrial e vários panelões. “Bom, pelo menos as cozinheiras estavam de avental”, pensava eu, até que uma delas deixou a tampa de uma das panelas cair no chão. Adivinha se a tampa caída não voltou direto pra cima da panela, logo em seguida?…

Mas é como eu digo, “tá no inferno, abraça o capeta”. Tentei não pensar na salmonela que devia estar na carne e nem nas larvas que possivelmente foram fatiadas junto com o alface e comi como se não houvesse amanhã. E a comida estava mesmo gostosa. E eu ainda estou aqui, vivo, escrevendo este post, então tá valendo.

Mas o mais fascinante eram os caminhoneiros da mesa do lado. Eu não conseguia parar de olhar pro gordão (o da esquerda na foto) porque ele era de fato muito gordo, parecia que ia infartar a qualquer momento. Seus colegas todos comiam debruçados sobre o prato, de boca aberta, e ele, pra piorar, nem prato usava: jogou a comida em cima da chapa da carne e comeu ali mesmo, possivelmente pra temperar o arroz com a “gurdurinha” da chapa. Mas o pior foi no final, quando ele pegou um palito de dente e, antes de metê-lo na boca, usando a faca do almoço, começou a lascar a ponta do palito para deixá-la mais afiada, no melhor estilo “homem das cavernas fazendo uma lança com um galho de árvore”.

E somente na hora de ir embora, ao receber minha nota fiscal, é que eu descobri o nome do lugar: “PICANHA NA CHAPA”. O que eu comi não passava nem perto de uma picanha, mas vá lá.

P.s.: Pra ficar tudo ainda mais surreal, quando voltamos pro carro o motorista ligou o rádio e, nos comerciais, o locutor anunciava o “melhor restaurante da cidade”. E sim, era o Picanha na Chapa.

P.p.s.: Esse post é diametralmente oposto ao daquela vez em que comi caviar :)

Update (ago/2014): À luz dos recentes comentários eu queria esclarecer umas coisas.

A primeira é pedir desculpas à caminhoneiros e simpatizantes que possam ter se ofendido com este post. A intenção era apenas relatar uma experiência diferente das que eu, na época, estava acostumado, e não ofender uma das classes mais importantes - se não a mais importante - da infraestrutura e do desenvolvimento do Brasil de hoje. Vocês muitas vezes ganham mal, trabalham muito, sofrem com estradas ruins/perigosas e não tem o reconhecimento que merecem.

Seis anos depois de escrever este post, e com um bocado maior de maturidade, valorizo muito mais vocês - e também valorizo a "comida caseira de beira de estrada". Ela é, sim, muito mais autêntica e, em vários casos, até mais gostosa do que muito prato caro porém insosso que comi aqui em São Paulo (que tem uma das melhores gastronomias do país) ou em outros lugares do mundo.

Já sobre a música eu mantenho a minha opinião de que o sertanejo é tosco :)