J.K. Rowling é a autora da série Harry Potter. No último dia 5 ela deu um discurso de formatura em Harvard, intitulado "Os benefícios do fracasso e a importância da imaginação", que está começando a correr a internet.

Eu li e meu queixo está caído ali no chão. Enquanto não consigo encaixá-lo de volta, resolvi traduzir algumas partes e colocar aqui pro pessol que não sabe inglês também poder ler:

(...)O que eu mais temia para mim mesma na idade de vocês não era a pobreza, e sim o fracasso.

Na idade de vocês, apesar de uma distinta falta de motivação na universidade, aonde eu passei muito tempo na lanchonete escrevendo histórias e pouco tempo nas aulas, eu tinha uma habilidade para passar nas provas, e isto, por muitos anos, foi a medida do sucesso da minha vida e da vida dos meus colegas.

Não sou tola o suficiente para supor que vocês, por serem jovens, dotados e bem-educados, nunca tenham experimentado dificuldades ou decepções. Talento e inteligência ainda não imunizaram ninguém contra os caprichos do destino, e não imagino em momento algum que a vida de vocês tenha sido de privilégio e contentamento irrestrito.

No entanto, o fato de estarem se formando em Harvard sugere que vocês não estejam acostumados com o fracasso. Talvez vocês sejam tão motivados pelo medo de fracassar quanto pela vontade de acertar. De fato, a concepção de fracasso de vocês talvez não esteja tão distante da idéia de sucesso para pessoas comuns, dada a altura do vôo acadêmico de vocês.

Em última instância, todos temos que decidir por nós mesmos o que é fracasso, mas o mundo lhe empurra rapidamente um conjunto de parâmetros, se você o permitir. Então acho justo dizer que, meros sete anos após minha formatura, eu havia atingido um fracaso de proporções épicas. Um casamento excepcionalmente curto havia implodido e eu estava desempregada, era mãe solteira e era tão pobre quanto é possivel ser na Grâ-Bretanha sem ser uma sem-teto. Os temores que meus pais tiveram por mim, e que eu mesma tive, todos aconteceram e, sob todos os critérios usuais, eu era a maior fracassada que já tinha visto.

Mas eu não vou dizer que fracasso é divertido. Este período da minha vida foi um período negro, e eu não fazia idéia de que aconteceria o que a imprensa definiu como uma reviravolta de conto-de-fadas. Eu não fazia idéia do tamanho do túnel, então, por muito tempo, qualquer luz no fim dele era mais uma esperança do que uma realidade.

Então por que estou falando dos benefícios do fracasso? Simplesmente porque o fracasso significou deixar de lado o que não era essencial. Eu parei de fingir que era algo diferente do que eu era, e direcionei toda a minha energia no único trabalho que importava pra mim. Se eu tivesse sido bem-sucedida em qualquer outra coisa, talvez eu nunca tivesse encontrado a determinação de vencer na única arena que eu achava ser a minha. Eu fui libertada, porque meu maior medo havia sido descoberto, e ainda estava viva, e ainda tinha uma filha que eu amava, e tinha uma velha máquina de escrever e uma grande idéia. E então o fundo do poço se tornou a base sólida sobre a qual reconstruí a minha vida.

Talvez vocês nunca fracassem do jeito que eu fracassei, mas algum fracasso na vida é inevitável. É impossível viver sem fracassar em algo, a menos que você viva com tanto cuidado que acaba não vivendo de verdade - sendo que, neste caso, você fracassa automaticamente.

O fracasso me deu uma segurança interior que eu nunca havia obtido passando em provas. O fracasso me ensinou coisas sobre mim mesma que eu não poderia ter aprendido de outra forma. Eu descobri que eu possuía uma grande força de vontade, e mais disciplina do que eu suspeitava; Também descobri que eu tinha amigos cujo valor era maior do que o de pedras preciosas.

O conhecimento de que você saiu mais sábia e forte das dificuldades significa segurança da sua habilidade de sobreviver. Você nunca conhece de verdade sua própria força, ou a força dos seus relacionamentos, até que ambos tenham sido testados pela adversidade. Este tipo de conhecimento é uma dádiva, pois é obtido através de sofrimento, e valeu mais do que qualquer título que eu tenha recebido.

(...)

Talvez vocês pensem que eu tenha escolhido meu segundo tema, a importância da imaginação, por causa do papel dela na reconstrução da minha vida, mas isto não é tudo. Embora eu sempre vá defender o valor das histórias lidas ao pé da cama, aprendi a valorizar a imaginação em um sentido muito mais amplo. A imaginação é a capacidade não apenas humana de visualizar o que não há, e portanto é a fonte de toda invenção e inovação. Em sua capacidade plenamente justificada de transformar e revelar, a imaginação é o poder que nos permite criar empatia com outros seres humanos cujas experiências nunca tenhamos compartilhado.

Uma das experiências mais decisivas na minha formação pessoal aconteceu antes de Harry Potter (...). Nos meus 20 anos, eu pagava o aluguel trabalhando no setor de pesquisa da matriz da Anistia Internacional, em Londres.

(...)

Todos os dias, eu via evidências do mal que a humanidade inflige em seus companheiros humanos, para obter ou manter o poder. Comecei a ter pesadelos, literalmente, sobre muitas das coisas que vi, ouvi e li.

E ainda assim eu aprendi mais do que nunca sobre a bondade humana na Anistia Internacional.

(...)

Diferentemente de qualquer outra criatura neste planeta, seres humanos podem aprender e entender sem ter que vivenciar uma experiência. Eles podem se colocar na mente de outras pessoas, imaginar-se no lugar do outro. (...) E muitos preferem não usar sua imaginação. Muitos escolhem se manter confortavelmente nos limites de sua própria experiência pessoal, sem passar pelo inconveniente de se perguntar como seria sua vida se eles tivessem nascido de outra forma. Podem se recusar a ouvir os gritos ou espiar dentro das prisões; Podem fechar suas mentes e corações à qualquer sofrimento que não os afete pessoalmente; Podem se recusar a tomar conhecimento.

Eu poderia me sentir tentada a invejar pessoas que podem viver desta forma, mas não acho que eles teriam menos pesadelos do que eu. Escolher uma vida em um lugar estreito pode provocar um tipo de agorafobia mental, que traz consigo seus próprios horrores. Acho que os que escolhem viver sem imaginação vêem mais monstros e têm mais medo.

E mais, os que escolhem não criar empatia com outros podem criar monstros reais. Mesmo sem cometer nenhum ato maléfico real, podemos ser coniventes com o mal por nossa própria apatia.

Uma das muitas coisas que aprendi no fim das prateleiras de Literatura Clássica, aonde me aventurei quando tinha 18 anos procurando por algo que não conseguia definir, foi algo escrito pelo autor grego chamado Plutarco: O que conquistamos dentro de nós mesmos altera nossa realidade exterior.

Esta é uma frase estupenda que se prova verdadeira mil vezes, todos os dias de nossas vidas. Ela exprime, em parte, nossa inescapável conexão com o mundo exterior, o fato de que tocamos a vida dos outros simplesmente pelo fato de existirmos.

Mas qual a possibilidade de vocês, graduandos de 2008, tocarem a vida de outras pessoas? Sua inteligência, sua capacidade de trabalhar duro, a educação que vocês mereceram e receberam, lhes dão um status e responsabilidades únicas. (...) Se vocês escolherem usar seu status e sua influência para falar em nome dos que não tem voz; se vocês escolherem se identificar não apenas com os poderosos, mas com os despoderados; se vocês conservarem a habilidade de se imaginarem vivendo as vidas daqueles que não tem as mesmas vantagens que vocês tiveram, então não serão apenas suas famílias que celebrarão, com orgulho, sua existência, e sim milhares e milhões de pessoas cuja realidade vocês tenham mudado para melhor. Não é preciso magia para mudar o mundo. Nós temos todo o poder que precisamos dentro de nós mesmos: o poder de imaginar melhor.

(...)

E amanhã espero que, se vocês não se lembrarem de nenhuma das minhas palavras, que se lembrem das de Sêneca, outro daqueles velhos romanos que conheci quando corri para as prateleiras de Literatura Clássica, fugindo dos planos de carreira e buscando a sabedoria dos antigos: "Como uma história, assim é a vida: o que importa não é o quão comprida ela é, e sim o quão boa ela é".

Desejo a todos vocês vidas muito boas.

Muito obrigado.