Reunido com a "Tropa de Elite" do cliente
Os primeiros dois dias desta semana foram difíceis.
Os gerentes de todas as regionais da nossa empresa-cliente, que ficam espalhados por todo o estado, viajaram para Belo Horizonte para passar dois dias reunidos conosco. E eles não estavam nem um pouquinho felizes, porque havíamos dado a eles metas de redução de despesas.
Pra piorar, eles ainda tinham uma birra pessoal comigo, porque além das metas eu passei as últimas duas semanas cobrando deles os planos de ação pra bater as metas. Só que ninguém me mandou nenhum plano bom e, examinando os planos ruins, ainda assim eu peguei um tanto de "gambiarras".
Um exemplo: no prazo pra cumprir uma ação o cara botava "quando possível". Eu falava que não podia, que tinha que ter data, e ele colocava "de 01/01 a 31/12". Eu falava que era impossível acompanhar uma ação tão longa, falava pra dividir em ações de no máximo 30 dias e ele trocava o prazo para "de 01/12 a 31/12".
O esforço de gambiarrar era tão grande que peguei alguns gerentes colando do plano de ação de outra regional - Sim, neguinho de barba na cara e agindo como se estivesse na quinta série.
Falei sobre isso com o sênior do projeto e ele falou para fazer um relatório mostrando quem fez os planos ruins, as falhas de cada plano, as "colas", etc., e mandar pro presidente da empresa tomar conhecimento da situação. E o presidente, pra dar uma "motivada" na galera, encaminhou meu email para os gerentes.
O pessoal ficou super motivado. Motivado a me esfolar vivo.
A situção estava tensa. Tanto que, na segunda-feira, às sete e meia da manhã, eu entro no elevador e lá estão dois gerentes. E fica aquele silêncio desconfortável por uns dois andares, até que um deles diz para o outro:
- Pois é cara, mês passado dois carros lá da regional capotaram na estrada... e ainda tem gente que vem me cobrar meta de redução de despesa.
Eu já tinha sentido o impacto no meu rim, mas "o papo tem que sê reto", como diria o finado traficante Baiano. Então o cara fez questão de mostrar que a "indireta" era, sim, dirigida à minha pessoa.
- Na reunião de hoje eu quero saber como se prevê capotamento de carro nas metas de despesa... viu, Tinoco?
Pra piorar ainda mais o climão, instantes antes da reunião começar, um dos gerentes passa mancando perto de mim. Aí eu vou bancar o simpático e digo:
- Ué cara, machucou a perna? O que foi?
- Não foi nada. Eu tive paralisia infantil.
Eu me lembro de ter dito alguma coisa logo depois disso, mas não consigo me lembrar o que foi. Acho que o cérebro apagou. Estresse pós-traumático, saca?
A reunião se arrastou pelo dia todo seguindo um processo bem constante de:
1) A consultora-líder mostrava um slide com as metas de despesa
2) O pessoal vinha com uma enxurrada de questionamentos e a reunião virava um pandemônio.
3) Repita os passos 1 e 2 até dar 18 horas.
Mas o emocionante mesmo da coisa toda foi o segundo dia de reunião, porque aí era o meu que estaria diretamente na reta: pela manhã eu ia fazer um treinamento de reforço sobre os planos de ação.
Obviamente a coisa começou como no dia anterior: um slide, xizentas perguntas, pandemônio. E eu lá, respondendo uma por uma.
Um dos gerentes, do lado esquerdo do auditório, tentou perguntar umas três vezes mas foi cortado pelos colegas do lado direito. Aí, pergunta vai pergunta vem, eis que eu olho pro cara e ele está balançando no ar nada menos do que a Playboy da Mônica Veloso.
- Aêê, só assim pra você olhar pra cá hein Tinoco!
Esse foi um dos momentos mais surreais de toda a minha carreira. Ganha, de longe, de todas aquelas bizarrices que eu contei outro dia que vi em reuniões.
O treinamento que montei foi estrategicamente pensado para, sob o pretexto de mostrar os "erros comuns de planos de ação", deixar evidentes as "gambiarras" que eles tentaram aplicar nos planos. Era como uma mensagem subliminar: "não pense que não percebi que você fez isso". Funcionou perfeitamente. Digo isso porque, no meio da apresentação, um dos gerentes entregou os pontos e disse:
- É Tinoco, você viu que a gente tentou de tudo quanto é jeito né...
Todo mundo caiu na gargalhada. Já eu fiquei pensando em apontar o dedo na cara do cidadão e dizer "tira esse crachá que tu não é gerente, tu é moleque! MOLEQUE!"
Por sinal, não sei como ainda não apareceu nenhum blogueiro oportunista usando as falas e métodos do Cap. Nascimento pra falar de gestão empresarial. "Tropa de Elite" é uma mina de ouro pra isso. Imagina só:
"Às vezes a melhor forma de motivar seu funcionário é dar a ele uma 'bomba' - um projeto difícil -, da mesma forma que o Cap. Nascimento deu a granada pra Matias não dormir no treinamento"
Mas voltando ao assunto, depois do treinamento fiquei com os gerentes pra ajudá-los, téte-a-téte, individualmente, com seus planos. Num determinado momento, um dos gerentes (que por sinal é igualzinho a versão barbuda do Tom da série Lost) abriu o notebook e chamou um colega:
- Ei, Fulano, vem aqui pra eu te mostrar uma coisa...
Alguns instantes depois o notebook começou a emitir uma musiquinha bem vagabunda e, ao fundo, dava pra ouvir alguns sons repetitivos bastante familiares e a voz de uma mulher. Gemendo. Duvido muito que aquilo era um plano de ação, mas, definitivamente, tinha "ação" de sobra...
Dá nisso quando você libera notebooks pra um pessoal naturalmente "engraçadinho". Quando voltei do almoço, por exemplo, os alto-falantes do auditório estavam tocando "Riders of the storm", clássico do The Doors, como música ambiente - um gerente (o da paralisia infantil) havia ligado seu computador no sistema de som...
Gracinhas à parte, entre mortos e feridos, acho que o dia acabou bem. O recado foi dado e a "tropa" entendeu.
Uma observação final: pra completar a história toda, um dos consultores estava tendo seu último dia de projeto conosco. O trabalho dele iria, portanto, pra mim. Ou, nas sábias palavras que ele mesmo proferiu...
- Essa pica agora é do aspira...