Exce lentes!
Esta rotina de viagens impõe um mandamento bem sério sobre nós, consultores:
"Não serás negligente ao fazer a mala, ou haverá choro e ranger de dentes"
Esta semana eu pequei, e esqueci em casa o meu fiel Opti-Free Express, vulgo "aguinha de botar a lente de contato". Normalmente eu compenso estes esquecimentos com uma visita rápida ao supermercado ou à farmácia, mas essa maldita "aguinha" custa muito caro (tipo R$ 40 um frasquinho de 120ml). Além do mais, em casa eu tenho inúmeros frasquinhos destes, alguns comprados justamente durante esquecimentos passados. Então resolvi passar a semana toda sem tirar as lentes.
Na terça-feira eu estava enxergando um pouco borrado, mas ainda dava pra trabalhar. Na quarta a coisa começou a ficar séria: meu olho direito estava todo embaçado, e lavar o rosto já não ajudava em nada. Aí hoje de manhã eu parecia o Mister Magoo, espremendo os olhos para poder enxergar alguma coisa na tela do notebook.
Mas eu sou muquirana e continuei achando que dava pra trabalhar assim. Mas lá pelas dez da manhã eu entrei em pânico: eu piscava e tudo borrava. Eu esfregava os olhos e via vultos. Era hora de medidas drásticas, ou eu teria que conduzir as reuniões do dia usando um modelo Stevie Wonder de gestão.
Você deve ter imaginado que "medidas drásticas" significavam "comprar a bendita aguinha de lavar lente". Isso nem passou pela minha cabeça. Em vez de "aguinha", fui até o banheiro, lavei as mãos, deixei a mão esquerda em forma de concha e enchi com água da torneira.
Pausa para reflexão: eu estava trabalhando numa filial da mesma empresa que visito em Windturn City. Consequentemente, era um banheiro sujo e fedorento, decorado com louça de 1920. A tubulação provavelmente era de cobre e devia ter uns 50 anos. E eu estava no Rio de Janeiro, no bairro do Caju, pertinho de um cemitério e da parte suja da baía de Guanabara. Rezei pra água ser pelo menos um pouquinho tratada, tirei a lente e joguei na conchinha de água que fiz na mão.
A luz refletiu na superfície da "pocinha" aonde a minha lente repousava, e pude ver claramente aquelas manchas coloridas de gordura. "Isso não foi uma boa idéia", pensei comigo. Tentei não pensar (muito) em coliformes fecais, limpei a lente e coloquei no olho. Só quando repeti o processo com a outra lente é que percebi que a gordura na água era sujeira da própria lente.
Depois de recolocar as lentes, fiz um "test look" e passei os olhos no banheiro. Era como se eu estivesse revivendo aquele trecho da bíblia onde Ananias cura a cegueira de Saulo: "E então cairam-lhe dos olhos como que umas escamas, e recuperou a vista"(*). Não fosse por isso e eu não teria conseguido trabalhar.
(*) - Atos, cap. 9 vers. 18