Quem me conhece sabe que eu tenho uma relação complicada com coisas luxuosas.

Vez por outra a minha profissão me obriga a ter contato com esse tipo de coisa: um almoço suntuoso ali, um hotel de luxo aqui... Eu acho tudo muito bonito, acho a comida realmente boa, o hotel realmente aconchegante, mas pra mim tudo fica rodeado de uma atmosfera meio maldita. Acho que é a minha consciência pesando, por lidar com esse tipo de coisa num país como o Brasil.

Ontem eu passei o dia numa reunião, na sala de convenções de um luxuoso hotel da capital paulista. Era tão luxuoso que dentro do banheiro tinha um sofá. Eu tentei imaginar pra que diabos servia aquele sofá, mas até agora não faço idéia. Será que é pra você se sentar e esperar seu colega terminar de fazer o número 2? Ou só pra você ficar ali curtindo aquele agradável (?!) ambiente?

Por sinal, na quarta eu bati meu "personal trabalhar até tarde record" e fui dormir às duas da manhã, preparando uns dados para a reunião. Dormi umas quatro horas, cheguei cedo no hotel, liguei o computador no datashow e fiquei ali, com as minhas dezenas de planilhas e gráficos a postos.

O pessoal chegou, comentou do tempo, falou de novela, brincou de fazer sombras com a mão no facho de luz do datashow... e chegou a hora do almoço. Grã-fino, é claro. Na mesa, dois garfos, duas facas, e diversas comidas que eu sequer sei pronunciar o nome. O salmão "maldito" estava até gostoso, e o cafezinho que serviram depois, em vez de uma colher para misturar o açúcar, tinha um bastãozinho de canela.

Depois, de volta à reunião, mais conversa... comentaram sobre as idéias pro próximo ano, citaram nome de novos programas desenhando um letreiro no ar com as mãos, igualzinho a gente vê em filme (pessoal de tevê é tudo artista, mesmo se trabalhar na contabilidade), e só lá pelas quatro da tarde o material que eu preparei de madrugada foi usado. Bom, na verdade, apenas parte dele: das dezenas de planilhas e gráficos, o vice-presidente usou apenas três colunas de uma das planilhas.

Aí ele começou a querer mudar de assunto, e eu fui obrigado a fazer valer as minhas horas de sono perdidas:

- Senhores, eu preciso perguntar: na linha 17 temos um prejuízo previsto de cinco milhões(*). O que vamos fazer em relação a isso?

E lá estava eu, peitando vice-presidente de emissora de tevê. Pelo menos deu certo: os cinco milhões devem virar apenas dois, e o cara até me agradeceu no final da reunião.