Sabe, eu gosto muito da minha carreira de consultor. Essa história de não ter lugar fixo pra trabalhar, nem colegas de trabalho fixos (inclusive chefe), nem um jeito fixo de lidar com o trabalho, acaba sendo bem interessante. Pela primeira vez na vida eu tenho um emprego do qual gosto e me orgulho, que me faz acordar animado pra trabalhar.

Por outro lado, tem horas que eu acho tudo uma grande piada. Não foram poucas as vezes em que eu vi um super-gerentão ou superintendente-ninja passando slides de PowerPoint numa reunião cujo assunto era tão relevante que eu me divertia vendo como as figuras do slide ficavam quando eram projetadas na testa do apresentador...

Não estou desdenhando da minha própria carreira, que isso fique bem claro. Mas também não vou virar um corporativista bitolado, que dispensa o happy hour pra finalizar aquele suuuper-relatório que nem atrasado está. Costumo pensar na rotina de empresa como algo menos importante. Afinal, em última análise, aquilo ali é só um emprego; a vida de verdade acontece fora do expediente, com a família, os amigos e tal. Claro que você não precisa ser um procrastinador incompetente, mas também não precisa varar noites no escritório e ganhar uma úlcera para obter uma promoção ou pra agradar o chefe.

(Falando em chefe, Scott Adams diz que os chefes só são chefes porque são ruins demais para fazerem o trabalho de pessoas normais e, portanto, são movidos para esta posição onde não vão atrapalhar ninguém (*)).

Apesar do meu esforço pra evitar estes excessos, infelizmente eu percebo que acabei cometendo alguns. Às vezes Bethania me liga e eu sou obrigado a dizer um "não dá, agarrei no trabalho". Veja bem: é uma mulher linda que está me telefonando porque quer me encher de beijos, e eu estou trocando isso pelo Microsoft Excel... aí, depois de desligar, eu vejo que tem um pedaço de pano medonho me apertando o pescoço: a gravata, aquela aberração que jurei nunca usar. E pior: às vezes eu me pego reparando no nó da gravata dos outros.

Mas o que mais doeu (e motivou este post) foi quando eu estava lendo um livro chamado "A Arte da Guerra para Quem Mexeu no Queijo do Pai Rico". Num dos capítulos o autor faz piada com os "cartões de visita bilíngues". Eu vinha dando risada com o livro inteiro, até ler aquele trecho: "Meu Deus, EU tenho cartões de visita bilíngues!". Antes eu nunca sonhava usar gravata, hoje eu tenho até cartão de visita bilíngue: que tipo de monstro eu me tornei?!

Ah, o livro? Conheci pelo Orkut, veja você. Foi escrito por um professor/pesquisador da USP, absurdamente genial nos comentários sobre as bizarrices da vida corporativa. Comprei semana passada e li no avião, com a gravata afrouxada, enquanto meus vizinhos de assento devoravam suas revistas Exame.

A leitura, muitíssimo recomendada pra vocês leitores, me serviu pra duas coisas: me divertir (e muito), e provocar uma auto-reflexão sobre o quanto eu realmente deveria me envolver com o mundo dos ternos-e-gravatas. Ou seja, funcionou por tabela como um livro de (valha-me Deus!) auto-ajuda.

* - Por sinal, Henry Mintzberg, um pesquisador canadense de verdade, cita algo bem parecido num livro sério intitulado "Criando Organizações Eficazes" - Segundo ele, a diretoria fica incumbida de tarefas do tipo "recepcionar clientes que visitam a empresa" para que o pessoal operacional possa continuar o seu trabalho - realmente importante - em paz...