Filmes
Este domingo estava sendo uma bela porcaria, até que peguei o carro e fui alugar dois filmes.
O primeiro foi Corra, Lola, Corra, filme alemão de 1998 que sempre quis ver e que ganhou prêmio de indicação do público em Sundance.
Nos primeiros 20 minutos do filme eu me perguntava: "Mas que merda de filme MTV-like é esse?? Parem de me empurrar a trilha-sonora do filme e me dêem alguma história, seus alemães safados". Aí, com 40 minutos de filme, a história deu lá as suas reviravoltas e eu me senti mais satisfeito; não se tratava de um filme teenager qualquer. Era um filme bem escrito, que se esmerou pra não errar nos detalhes da trama, e soube manter o interesse do espectador mesmo com as looongas corridas de Lola.
Aí a sequência final do filme caiu numa previsibilidade inacreditável. Triste, um erro básico num filme que estava indo muito bem. Mas Lola rennt (como diriam os alemães) continua sendo um filme divertido, se você não se importar com a filmagem MTV-esca.
Destaque para as cenas de Lola e Manni na cama (não, não estou falando de putaria), os flashes, que não eram bem flashes mas que começavam com aquele barulhinho de flash carregando, Lola xingando a mulher do xerox com um belo "WAS!!!!" (pronuncia-se "váz"), e o diálogo final de Manni e Lola. E, é claro, o dingão da sacola.
Aí, logo na sequência, lasquei o próximo filme no DVD. E vocês, com isto, ganham um post novinho:
O Primo recomenda MUITO: S1m0ne
Eu só fiquei sabendo deste filme pela listinha de filmes que de vez em quando eu via no Concatenum. Aí li a sinopse e paguei pra ver. Se tudo o mais falhasse, eu ia poder ficar prestando atenção na atuação do Al Pacino e fazendo piada com filmes cujo título é escrito em leet.
Foram os R$ 3,50 mais bem gastos do fim de semana.
A primeira coisa que impressiona no filme é a fotografia. Provavelmente houve a intenção de manter tudo altamente limpo, liso, perfeito e, consequentemente, com um toque artificial. A luz muda conforme o local onde os personagens estão. As cenas no estúdio são esverdeadas, como em Matrix. Os filmes são azulados ou P&B. As cenas na casa de praia ficam alaranjadas, para dar a impressão da manhã perfeita. A maquiagem dos atores também é impecável: da faxineira à atriz famosa, todos são lindos, perfeitos e... volúveis.
"A nossa habilidade de manufaturar fraude agora excede nossa capacidade de percebê-la", diz Viktor, o diretor incompreendido, personagem de Pacino. Viktor, nesta cena, conversa com Simone, a "atriz virtual", legado deixado a ele por um programador desconhecido. Viktor, que se diz no intuito de resgatar a arte da dramaturgia, mas que no fundo quer se promover, resolve dar vida a Simone. E a belíssima garota feita de pixels e avessa a aparições públicas (por razões óbvias) ganha o showbiz.
E a partir daí, dá-lhe crítica à fome de celebridades que assola o cinema e à cultura dos "ícones". Talvez aí caiba um único ponto negativo em S1m0ne: os filmes de arte, os supostamente "injustiçados" da história, ficaram excessivamente caricaturados. Mas no resto, S1m0ne é um sucesso fulminante.
Destaque para os "detalhes", como as diversas cenas onde Viktor passa em frente a uma placa enorme com uma foto de Simone, deixando claro quem é a maiorial da história. O próprio nome do personagem de Viktor é o mesmo nome do "pai" de Frankenstein, e a história não é nada diferente. Viktor criou um monstro. Destaque também para a cena onde Viktor simula a silhueta de Simone passando pela janela do quarto de hotel, para delírio dos jornalistas. Para projetar a sombra, ele usa uma lâmpada e uma boneca Barbie, que é, como Simone, o estereótipo da mulher perfeita. Nada poderia ser mais apropriado. Até o nome do estúdio, "Amalgamated", diz algo. Amálgama é uma mistura de elementos que, embora diversos, contribuem para formar um todo: esta é a descrição do processo de elaboração de Simone.
Como o filme acaba ovacionando as velhas atrizes e atores dos tempos dourados do cinema, é possível perceber diversos elementos desta época na história, principalmente nos carros e nos cenários. A dupla de jornalistas incansáveis que querem desmascarar Viktor, por exemplo, agem de forma bem parecida com aquelas duplas de detetives dos anos 50, diferindo apenas nos momentos "tiete", onde acabam mostrando que, no fundo, acabam sendo fãs de Simone... como todo o resto do universo. A cena onde o detetive examina a privada do hotel onde Simone supostamente se sentou é fantástica.
Os mais geeks, como eu, vão se divertir com a parte computacional da história. S1m0ne tem tantos méritos que faz com que qualquer computeiro mais chato perdoe os velhos computadores de Hollywood: aqueles que fazem um barulhinho irritante a cada tecla pressionada, que possuem "drives" onde você enfia "hard disks" inteiros e, logo abaixo, disquetes de 5 e 1/4, e teclados com teclas bizonhas, como "mimic" e "live". A gente perdoa até o cômico disquete cuja etiqueta era "Plague v8.4" e que foi enfiado entre os dois plásticos das duas baias de 5 e 1/4 vazias do gabinete.
Falando nisso, se você vir o filme em DVD, não perca as cenas deletadas. Numa delas são reproduzidos os créditos finais de um dos "filmes" estrelados por Simone. O letreiro ia passando e exibindo os nomes dos atores, e eu me perguntava: Por que diabos botaram isso no filme? Aí percebi os sobrenomes dos "atores" do filme: Corel, Dell, Altair, Hewlett...
Outra coisa que chama a atenção são as preciosidades espalhadas pelo roteiro, como Simone que se diz como "a morte do real", ou como... droga, não posso contar para não perder a graça. Na verdade, eu poderia ficar horas escrevendo sobre os belos detalhes de S1m0ne, mas se eu fizer isso vocês acabam perdendo o interesse. Afinal, no showbiz é assim: o desejo de ver é máximo quando o que é exibido é o mínimo. O oculto é sempre mais interessante que o explícito.
P.s.: Este filme também foi o primeiro em que discordei da crítica do Pablo Vilaça no Cinema em Cena. Eu daria mais uma, ou até mais duas estrelas para este excelente filme.
P.p.s: Não podia deixar de mencionar que o diretor roteirista de S1m0ne, Andrew Niccol, é o mesmo do excelente filme Gattaca e do Show de Truman.