O Primo recomenda: Solaris

Bethania detestou o filme, achou ingênuo e cheio de buracos. E foi no exato momento em que ela falou isso que percebi que o filme é realmente bom.
Solaris é uma agradável surpresa vinda de Hollywood, terra dos filmes fáceis e normais, justamente por quebrar toda a expectativa de "filminho espacial com galã do momento". Solaris passou longe disso, muuuito longe. A começar pela, digamos "estética da narrativa".
O filme é contado de forma direta e, ao mesmo tempo, indireta. Direta porque as cenas são cruas e sem firulas, aparece o que precisa aparecer e só. O corte de uma cena pra outra é até grosseiro e, para o observador mais distraído, o filme vai parecer sem história.
Ao mesmo tempo a narrativa é Indireta porque o importante de cada cena é passado num detalhe discreto da fala do personagem, ou na forma ou ordem com a qual as coisas aparecem, ou no que foi mostrado em uma cena e é relembrado noutra mais à frente. A forma da narrativa, a estética visual e a performance dos atores são surpreendentemente abstratos. Para casar bem com a trama, abstrata.
Solaris tem uma influência gritante, de estética e de narrativa, com 2001 - Uma odisséia no Espaço, do geniozão Stanley Kubrick. A narrativa parece lenta, como em 2001, mas o ritmo não está no que acontece, e sim no que é revelado e contado. Se você assistir e começar a achar o filme chato, você está perdendo o filme todo sem saber.
As falas dos personagens foram magistralmente bem escritas. George Clooney, que faz o papel do psiquiatra Chris Kelvin, comporta-se exatamente como um psiquiatra, fazendo perguntas de psiquiatra mesmo nos momentos mais emocionalmente densos do filme. E a atuação "travada" de Clooney acabou sendo perfeita para a história. Várias outras frases disparam aquele "clique" na sua cabeça e te deixam com uma sensação de "putz, é mesmo". Outras, aparentemente superficiais, te botam num estado filosófico de questionamento, do tipo "afinal, o que é que define mesmo um ser humano?". Como bem disse uma das personagens do filme, "essa é uma questão que está além da moralidade".
A única coisa que me deixou de nariz torcido em relação ao filme é que eu descobri que ele é um remake de um filme russo dos anos 70. É chato, todo filme legal que vejo acaba sendo um remake. Mas tem seu lado bom.
Enfim, Solaris é denso, surpreendente, belíssimo na parte visual e na narrativa. Mas é preciso saber olhar, para enxergar além do trivial e entender que a beleza de Solaris está no que não é dito, no que não é sentido, no que não se enquadra nos paradigmas humanos de razão, causa e consequência.