E hoje foi o grande dia, o dia de participar da "festa da democracia", ou seja, trabalhar forçado como mesário na eleição e ganhar em troca:

1) Um incrível tícket restaurante, para o almoço. O valor? Cinco reais! Tenho certeza que, se você é belorizontino, pensou: "Dá pra comprar uma capa de sofá".
2) Um atestado que lhe dá 2 dias de férias do serviço! E sabe o que é mais legal? Eu não consegui nem usar os da última eleição, quem dirá dessa...
3) Ter meu nome escrito na história da democracia brasileira... sei, não sabia que "história da democracia" era sinônimo de "livro de otários que vão trabalhar na próxima eleição".

O início: Medo e morte
(e pior que o papo de morte é sério)

O babaca aqui chega na zona eleitoral às 7 da manhã, depois de 4 semi-revigorantes horas de sono... e nem o maldito presidente da minha seção tinha chegado. Nota mental: nunca mais chegar no horário.

Aí, chega o presidente da seção: o mesmo da última eleição. Detalhes importantes: ele foi convocado nas últimas CINCO eleições, ele mudou-se pra uma cidade do interior e, como teria que dirigir 120 km pra ser mesário, fez um pedido de dispensa. O filho da **** do juiz do TRE indeferiu o pedido e disse assim pra ele:

- Se for o caso você pode chegar atrasado... tem problema não.

E se estão tratando assim o presidente da seção, eu estou vendo que nunca mais saio dessa. Me dei mal. Mas o pior foi quando todo mundo chegou na seção e uma das mesárias da última eleição, a Carolina, uma simpática moça de 25 anos, não tinha vindo e nem sido convocada. Já estávamos fazendo as piadas, falando que íamos esperar ela chegar pra votar e perguntar qual o "esquema" que ela arrumou pra sair dessa, quando abrimos o livro de votantes e, do lado do nome dela, um carimbo azul, escrito: "FALECIDA".

Depois, ficamos sabendo o que houve: Carolina se suicidou, segundo o primo dela, com 2 tiros na cabeça (não me perguntem como). Chegou ao hospital ainda viva o suficiente pra dizer que tinha se arrependido da tentativa, mas morreu no CTI. O motivo do suicídio: um ex-namorado.

As portas do inferno tem filas

Obviamente todas as velhinhas que assistem Esperança toda noite e acabam pegando um pedaço do Jornal Nacional por engano vieram votar mais cedo pra evitar filas. E justamente por isso, causaram filas. Não foi tão caótico quando a Globo (outra FDP) anda mostrando, mas deu uma boa baguncinha.

O feitiço do número 13

Um dos velhinhos já era esperado pelos outros mesários: era o senhor Jesuíno. Jesuíno teve um derrame e, portanto, não consegue nem se vestir direito; e ninguém achava que ele ia conseguir fazer 7 votos na urna eletrônica.

Mas seu Jesuíno deu um show: entrou na seção com as mãos para o alto, mostrando todos os (dois) botões abotoados (trocados) em sua camisa, cumprimentou todos e foi pra urna. O presidente da mesa ficou por perto para ajudar (isso é permitido, sabia?). E, incrivelmente, Jesuíno começou a digitar "13" até aparecer a foto de alguém. Quando aparecia, ele digitava "Confirma".

E assim, Jesuíno votou no Lula e em todos os outros candidatos do PT com números 13, 131, 13131 e etc...

Classificação de Linée para os eleitores

De tão entediado que eu estava, deu até pra classificar os tipos de eleitores que apareceram por lá:

Os Normais - O povo mais tranquilo, gente entre seus 20 e 50 anos, vai, vota rápido, não fala nada, é educado e não dá trabalho.

Os "Shiny Happy People Voting" - Entram rindo, acham tudo lindo, cumprimentam todo mundo, parece aquele momento da "paz de cristo" que tem na missa.

Os velhinhos - Esses são especiais, no bom e no mau sentido. Tem os "Paz e Amor", são gentis mas demoram uma hora na urna e depois aparecem com uma cara envergonhada saindo de trás da cabine e dizendo "Ix... errei". E tem os velhos ranzinzas, que te entregam o título de eleitor resmungando, vão pra urna, ficam lá meia hora e saem dizendo, cheios de letras: "Esta urna está com defeito!"

Os "Você Sabe Com Quem Está Falando" - São os que acham que ser eleitor e fazer um voto dentre centenas de milhares os torna pessoas melhores. Ou são os que estão putos porque tem que encarar fila e se juntar ao "povinho" pra vir votar. Ou os que pensam as duas coisas: esses geralmente são advogados. Esses aí não conhecem as palavras "por favor" ou "obrigado".

Os bêbados - São os que estocam bebida por causa da lei seca e bebem todo o estoque antes das 4 da manhã. Votam rindo sem razão e levam 5 minutos pra assinar o livro de eleitores. Por causa da tremedeira.

Os "We Are Family" - Os pais e mães que vão votar com os três filhos pequenos. Inclusive algumas mães tem a cara-de-pau de ir com a filha pequena só porque mãe com criança de colo pode furar a fila e votar primeiro. Eu juro que vi uma mulher no corredor falando com outra: "Se você tá com menino eles te passam na frente". É isso aí, com essa mentalidade o Brasil vai pra frente.

Os Renascidos do Inferno - São os ex-mesários. Obviamente, conhecem o povo mais antigo da seção, ficam fazendo piada com você que é um imbecil e foi convocado e passam mais tempo jogando conversa fora do que votando. E mesmo assim você morre de vontade de se tornar um deles.

O almoço - Desbravando a selva de eleitores furiosos

Até sair pra almoçar é chato: tem que encarar o empurra-empurra dos corredores e tal. Na saída, os carros estacionados em fila "xístupla" em frente à minha seção. Um Kadett bloqueava a minha saída, por poucos centímetros. O motorista lendo o jornal, sossegado. Esperei uns 10 segundos e, como ele nem me viu, falei:

- Ô amigo... será que dá pra você arredar seu carro um pouquinho pro lado pra eu poder sa...
- Ahhh, logo eu?? Porra!!

Era pra mexer o carro uns 20 cm, e o cara ficou assim. Fiz questão de parar do lado dele e falar, irônico:

- Olha, meu senhor, me desculpe por esse grande incômodo viu...

E o almoço é tão sem-graça... a cidade deserta, você come olhando pro relógio e pensando nas quatro horas de barulho de urna na sua orelha...

O fim da tarde - Contagem regressiva

Na minha seção o pessoal desenvolveu o peculiar hábito de, perto do horário do fim da votação, ficar gritando no corredor: "Faltam 20 minutos!!!". Até que é uma diversão (sádica) ir na janela, gritar e ver os eleitores retardatários começando a correr, desesperados.

Depois das cinco, é só encaixotar tudo, assinar os lances lá e ir embora com a incrível sensação de ter sido feito de bobo o domingo todo.

Fatos completamente inúteis sobre a eleição

:: Todo mundo que me apresentou carteira de motorista como documento de identidade possuía carteira "AB"
:: Dá pra notar, pelo som, quando é que o cara tá votando em branco.
:: Só vi um gay votar. E foi por ele que descobri o lance do voto em branco.
:: Os disquetes usados na urna não são Verbatim da vida, parecem ser fabricação própria, tem o brasão da Justiça Eleitoral naquela parte metálica do disco, inclusive.
:: Na minha seção foram consumidos 2 litros de Coca-Cola, 2 de Sprite, 2 pacotes de Baconzitos e 4 pães de queijo.