You Win
Ontem eu resolvi um trauma de infância.
Enquanto esperava minha namorada, passei no Shopping Cidade e fiquei perambulando pelo fliperama de lá, pra matar o tempo. Mal sabia eu que esse passeio no flipper ia ser mais interessante do que o normal.
Pra começar, tinha uma menina jogando Marvel vs. Capcom. Eu tenho uns 10 anos de experiência em fliperama e nunca, NUNCA vi uma mulher jogando nenhum jogo da série Street Fighter. Mulher em fliperama é muito raro. E a menina jogava bem, com direito a Hadouken e Shoryuken. Ela jogou até o último chefe. E a menina era até bonita...
Aquela cena me deixou perplexo por um tempo, e me fez lembrar de um trauma de infância: era um grande tormento quando alguém entrava na máquina pra jogar contra mim. E pelo nervosismo, eu perdia e ficava furioso. Sempre odiei jogar videogames contra alguém, eu não sabia competir, muito menos perder.
Daí eu cresci, vieram os emuladores, vieram os jogos em primeira pessoa (começando pela inesquecível, a all time classic série Doom), nos quais eu sou relativamente bom, e depois de muito gritar e chutar mesas de computador, fui aprendendo a perder. E fui aprendendo a explorar o erro do adversário, variar a técnica para surpreender, improvisar... tudo que eu não conseguia fazer antes por estar de cabeça quente. E no teclado do PC os golpes que não saíam no fliperama saíam até mais facilmente (muita gente horroriza comigo por isso). A partir daí eu comecei a jogar no mesmo patamar do primo Luiz (que é bem mais viciado que eu), e nossos torneios de Street Fighter Zero 3 no emulador ficavam pau a pau.
Veio também a festa da LAN em Sete Lagoas, onde pela primeira vez eu pude testar minhas habilidades em jogos em primeira pessoa contra oponentes humanos. No Quake 3, ninguém ganhava de mim, até mesmo Norton, que é um baita dum adversário. A derrota vinha era no Alien vs. Predator, onde Norton estava anos-luz à frente de mim. Mas a derrota já virava experiência.
Voltando ao fliperama, lá foi o teste final da minha "maturidade de jogos". Comprei uma ficha e fui jogar Marvel vs. Capcom. De repente, um adversário humano, chega e pergunta: "Posso entrar?". Respondi que sim.
A luta foi um achado. Não teve nada de especial, mas para mim a coisa foi completamente diferente. O que antes era uma enxurrada de raiva e ansiedade virou coisa de Chapolin: "Todos os meus movimentos são friamente calculados". Eu via tudo. Eu percebia as táticas do adversário, claras como água. Depois dos cinco primeiros segundos de luta, eu já sabia da técnica barata do adversário e planejei o que fazer para vencer. Eu improvisava, eu criava, eu não errava o timing dos golpes especiais. Resultado final: ganhei, e com folga. Sobrava mais de 80% da energia dos meus lutadores. E ver meu adversário humano saindo apressado da máquina, irritado, como muitas e muitas vezes eu saí, foi uma sádica satisfação.
Veio outro adversário humano. Dessa vez, a técnica dele não era tão clara, e eu teria que improvisar. A vitória veio no erro do adversário: ele deu especial de longe. Nunca se dá especial de longe contra um oponente humano. Há alguns anos atrás, mesmo com essa chance enorme de decidir a luta, eu erraria o movimento por nervosismo. Dessa vez não. Enquanto ele dava o especial, meu lutador voava por sobre a enxurrada de golpes, calmamente, pousando atrás do oponente, de costas, sem defesa. Nada havia sido tão prazeiroso quanto ver o desespero na cara do meu adversário, naqueles segundos de vulnerabilidade total que parecem uma eternidade, pensando "eu vou morrer". Depois de aterrisar, num rápido movimento saiu o *meu* especial, e a luta acabou. Eu havia passado de presa para predador. O que me fazia perder agora fazia outros perderem.
Grande coisa, hein...